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Lei de telessaúde - Pandemia e aprendizagem

Angélica L. Carlini

A lei que autoriza a prática de telessaúde por todas as áreas de saúde entrou em vigor no dia 27 de dezembro de 2022 e, consolida uma das mais importantes lições que a sociedade aprendeu com a pandemia da COVID-19.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Atualizado às 07:47

Práticas de Telessaúde antes da Pandemia.

Desde 1999 o Brasil é signatário da Declaração de Tel Aviv, anunciada na 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, que tratou das Responsabilidades e Normas Éticas na Utilização da Telemedicina. O Brasil se comprometeu a incorporar os 28 termos da referida declaração em suas normas de regulação sobre telemedicina.

O Conselho Federal de Medicina - CFM, órgão de regulação e fiscalização da atividade médica no Brasil, tentou aprovar medidas que viabilizassem as práticas de telemedicina no país, em especial porque a Resolução CFM 2.217, de 2018, modificada pelas Resoluções CFM 2.222 de 2018 e 2.226, de 2019, determina que compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.

Em 2020 com a adoção de medidas profiláticas de isolamento social para contenção da contaminação da COVID-19, o Conselho Federal de Medicina aprovou o Ofício 1.756, que autorizava a prática de telemedicina enquanto durasse a pandemia, em caráter de excepcionalidade e nos termos adotados por aquela regulação.

E, pelas mesmas razões, foi aprovada a lei 13.989, em 15 de abril de 2020, que dispôs sobre o uso da telemedicina durante a crise do coronavírus. Essa lei definiu telemedicina como o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins assistenciais, de pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde.

A pandemia também motivou a Deputada Federal Adriana Ventura a apresentar um projeto de lei para regular no âmbito do Congresso Nacional a prática da telemedicina. O projeto estabeleceu desde logo que a telemedicina obedecerá, dentre outros, aos princípios da autonomia, da beneficência, da justiça, da não maleficência, da ética, da liberdade e independência do médico e da responsabilidade digital.

E a realidade fez sua parte! O uso da telemedicina foi fundamental durante todo o período da pandemia da COVID-19. Pensada inicialmente para ser utilizada por doentes crônicos ou em pós-operatório e que não deveriam comparecer ao médico ou ao hospital para evitar o risco de contaminação, a telemedicina passou a ser utilizada para muitas outras situações, inclusive na prevenção e tratamento da própria COVID-19.

O atendimento mediado por tecnologia se espalhou por todo o país, caracterizando uma verdadeira renovação na relação entre profissionais de saúde e pacientes, ao permitir novas abordagens e percepções, inclusive sobre as condições de vida cotidiana das pessoas atendidas o que, por vezes, viabilizou a identificação de dados que não seriam obtidos de forma convencional.

Finalmente, ao apagar das luzes do ano de 2022 o projeto de lei foi aprovado e sancionado, tendo entrado em vigor na data de sua publicação.

Aspectos Relevantes da Lei de Telessaúde.

A lei define telessaúde como a modalidade de prestação de serviços de saúde a distância, por meio da utilização das tecnologias da informação e da comunicação, que envolve, entre outros, a transmissão segura de dados e informações de saúde, por meio de textos, de sons, de imagens ou outras formas adequadas. E determina que a telessaúde abrange a prestação remota de serviços relacionados a todas as profissões da área de saúde, regulamentadas pelos órgãos competentes do Poder Executivo federal.

O texto da lei abandona a expressão telemedicina para utilizar telessaúde porque não apenas o médico, mas também outros profissionais de saúde poderão utilizar essa modalidade de prestação de serviços como enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros. Portanto, não se trata apenas de semântica, mas principalmente, de inclusão de todos os profissionais de saúde que poderão utilizar esse instrumento para viabilizar seus atendimentos.

É recomendável que os beneficiários de planos de saúde verifiquem se sua operadora oferece essa modalidade de serviço, a telessaúde, e quais os profissionais da área de saúde que estão disponibilizados para atendimento. O atendimento online facilita a prestação de serviços em muitas áreas de saúde, em especial, a medicina, enfermagem, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, que têm se preparado tecnicamente para a nova modalidade que a saúde digital representa na atualidade.

Os princípios adotados pela lei garantem a autonomia do profissional de saúde para adotar ou não a telessaúde; e, o consentimento livre e informado do paciente e seu direito de recusar o atendimento na modalidade sempre que preferir o atendimento presencial.

Muito embora a lei não regule aspectos da recusa do paciente é imprescindível que se diga que ela deverá ter algum fundamento ou possibilidade de ser substituída pelo atendimento presencial, sem o que o paciente correrá um risco desnecessário de ficar sem atendimento, nos casos em que o presencial seja mais difícil ou demorado. De fato, muitos pacientes podem preferir o atendimento presencial com o qual estão mais acostumados, mas em determinadas circunstâncias o atendimento intermediado pela tecnologia poderá ser o melhor a ser oferecido naquele momento. Em algumas situações de urgência ou emergência, ou, ainda, em casos em que a distância geográfica do paciente em relação a um centro de atendimento seja significativa ou, mesmo quando eventos da natureza tornarem difícil o deslocamento como nos casos de chuvas, enchentes, desmoronamentos, deslizamentos de rodovia ou outras circunstâncias semelhantes.

Nesses casos, os profissionais de saúde poderão recomendar que o paciente aceite o atendimento por meio da telessaúde, em vista da impossibilidade concreta e da necessidade. Aceitar ou não o atendimento de telessaúde é um direito do paciente, porém é fundamental que seja orientado sobre as possíveis consequências.

Também são princípios da lei recém aprovada a dignidade e valorização do profissional de saúde e, a assistência segura e com qualidade para o paciente. Em outras palavras, telessaúde não é prática que possa ser realizada sem as condições tecnológicas adequadas para o profissional e para o paciente. A tecnologia adequada ao tipo de atendimento de saúde realizado é essencial para garantia da eficiência e da segurança.

A Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD protege a confidencialidade dos dados do paciente; e a Lei de Telessaúde, determina a responsabilidade digital como um dos princípios, o que reforça a segurança em relação aos dados do paciente.

O receio dos profissionais de saúde de que sua autonomia pudesse ser relativizada foi plenamente superada pelo texto da lei. Há expressa determinação legal de que seja assegurada a liberdade e independência dos profissionais de saúde para decidir utilizar ou não a tecnologia de telessaúde, em especial com relação à primeira consulta, atendimento ou procedimento. O profissional de saúde será o único a poder decidir se o atendimento por telessaúde é adequado para a circunstância específica, o que está em total consonância com a regulação específica de das diferentes profissões da área médica.

O ato normativo que tenha por objetivo restringir a prestação de serviço de telessaúde deverá, conforme previsão expressa na Lei de Telessaúde, demonstrar a imprescindibilidade da medida e porque ela é necessária para evitar danos à saúde dos pacientes. Com isso, o Poder Legislativo evitou que os órgãos reguladores das diferentes profissões de saúde possam se contrapor aos objetivos da lei, sem apresentar razões de ordem técnica, o que contribui para evitar danos à saúde dos pacientes.

A Lei de Telessaúde determina, por fim, que somente poderá ser realizada a prática de telessaúde se houver consentimento livre e esclarecido do paciente ou de seu representante legal; e, sob a responsabilidade de um profissional de saúde. Com isso, fica afastada qualquer possibilidade de uso indevido por pessoas ou empresas que tenham por objetivo apenas a exploração comercial das atividades de saúde.

Reflexões Necessárias sobre Telessaúde.

A tecnologia aplicada a área de saúde tem sido um instrumento importante e eficiente na busca por soluções eficientes, que tragam desfechos clínicos adequados às necessidades dos pacientes.

Em um ecossistema em que convivem tecnologias sofisticadas em exames de imagem, de laboratório, medicação de comprovada eficácia, estudos e pesquisas consolidados por profissionais de alta competência, não era admissível que a telessaúde ainda não estivesse regulada por lei federal, e que suas potencialidades não pudessem ser utilizadas pelos profissionais de saúde no Brasil.

A lei vem corrigir essa omissão e ampliar o acesso dos brasileiros ao atendimento de suas necessidades, em especial na prevenção, no atendimento a crônicos, ao acompanhamento pós-operatório, atenção a crianças e idosos cuja locomoção é sempre mais difícil. Em um momento ainda sensível em que a pandemia não está completamente superada, a Lei de Telessaúde permite que os profissionais possam exercer suas atividades com maior possibilidade de atendimento às pessoas, seja para prevenir ou para tratar.

Com a aprovação da lei se espera que cada vez maior número de profissionais se capacite para o exercício da atividade profissional com a mediação da tecnologia; que as escolas de formação de medicina, enfermagem e outras áreas da saúde, incluam em seus currículos, estudos, pesquisas e práticas a telessaúde, para que os diferentes profissionais dessa área se sintam mais seguros para exercerem suas atividades com o auxílio da tecnologia.

No Brasil e no mundo a telessaúde é um caminho sem volta, a experiência vivenciada durante a pandemia mostrou as inúmeras possibilidades de atendimento seguro e de qualidade intermediado por tecnologia de comunicação. Os avanços serão inevitáveis e o que se espera, é que cada vez mais os alunos das diversas áreas de saúde, assim como os profissionais, sejam preparados para atuar em telessaúde, para extraírem dessa tecnologia todos os benefícios que ela possa viabilizar.

Angélica L. Carlini

Angélica L. Carlini

Advogada.

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