A advocacia se beneficia com o caos?
Uma análise frente a ótica Anti-fragil de Nassim Taleb.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023
Atualizado em 8 de fevereiro de 2023 13:15
Taleb é, na minha visão e ao lado do Harari, o autor deste século. Harari é ainda mais genial por se fazer compreender por mais gente. Sapiens vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo inteiro. A lógica do Cisne Negro apenas 3, no Brasil, miseras 30 mil cópias.
Mas ao fim e ao cabo o que conta são de fato as ideias e não os números. E nisso Tabeb é avassalador, ninguém concebeu tantas ideias novas quando ele, não nesta década.
Em Anti-fragil Taleb disserta sobre as coisas que prosperam quando expostas a volatilidade, à aleatoriedade, à desordem e ao estresse, ou seja, coisas que adoram aventura, o risco e a incerteza.
Por ora, não me vem à cabeça nada mais aleatório e incerto que o Direito. Mas qual o papel da advocacia neste contexto?
A advocacia é historicamente acusada de lucrar com o caos. A premissa é simples, em um mundo perfeito, não há trabalho para advogados, ou em outra hipótese, haveria menos trabalho, e por consequência lucro.
Acontece que a advocacia se interpretada pela ótica Talebiana, é em sua essência Anti-fragil, ou seja, obtém ganhos limitados com a volatilidade, a casualidade ou o dano, e que, se ultrapassam determinada dose, apresentam certa reversão do efeito protetor ou benefício.
Assim a advocacia gosta só um pouco de desordem, ou melhor precisa um pouco dela. Isto porque variações também atuam como expurgos. Da mesma forma que pequenos incêndios florestais periódicos limpam o sistema dos materiais inflamáveis, de modo que estes não tenham oportunidade de se acumular. Assim evitar sistematicamente "por precaução" que pequenos incêndios ocorram torna grandes incêndios ainda piores.
Por razoes semelhantes, a estabilidade não é algo bom para a economia, visto que as empresas tornam-se muito fracas por longos períodos de prosperidade estável e desprovidos de reveses, e as vulnerabilidades ocultas acabam acumulando-se em silencio sob a superfície. Quando mais tempo sem trauma no mercado, pior será o dano quando ocorrer a perturbação.
Recorremos a vacinação todo ano (inoculando em nos um pouco de dano de modo a construir imunidade, entretanto deixamos de transferir esse mecanismo para os sistemas políticos, econômicos e jurídicos).
Em suma a tese que o Taleb advoga, é que pequenas instabilidades sistêmicas, evitam explosões colossais. Não existe estabilidade sem volatilidade.
É claro que, todos amamos a paz e todos amamos a estabilidade econômica e emocional. Ocorre que a sociedade é gostemos ou não, carregada de aleatoriedade.
É fato que após uma fase de doutrinação, uma pessoa pode rapidamente tornar-se escrava de uma profissão, a tal ponto que toda opinião que essa pessoa tenha sobre qualquer assunto passa a ser interesseira e, portanto, passível de descrédito para a sociedade. Era este conflito que os gregos tinham com os profissionais.
Em uma história muito debatida ao longo dos séculos, Dêmades, o ateniense, condenou um homem que comercializava serviços funerários, sob a alegação de que só conseguiria lucrar com a morte de muitíssimas pessoas. Montaigne, reformulando o argumento apresentado por Sêneca em Sobre os benefícios, alegou que então seria obrigado a condenar cada um dos profissionais. Segundo ele um médico não obtém prazer com a saúde dos outros, nem mesmo a de seus amigos; um soldado não deseja a paz de seu país; o comerciante de bebidas só prospera com a libertinagem da juventude; o agricultor, com a fome; o arquiteto, com a ruína dos edifícios; e os advogados e oficiais de justiça, com os processos judiciais e litígios entre os homens.
Montaigne e Sêneca estavam corretos, se penetrássemos os pensamentos e as motivações íntimos e particulares das pessoas, veríamos que seus desejos e esperanças existem, invariavelmente, à custa dos outros.
Kleber Correa da Silveira
Advogado. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.