MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O instituto da prescrição e o Procon

O instituto da prescrição e o Procon

Estudo sobre a prescrição intercorrente e quinquenal de multas aplicadas pelos Procons, prazo para a fazenda pública cobrar os débitos e o entendimento jurisprudencial do SJT sobre o tema.

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:29

O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da prescrição no âmbito da atuação do Procon após o início do processo administrativo punitivo. Primeiramente, para evoluirmos no tema, necessário se faz entendermos o que é prescrição.

A prescrição está prevista no nosso ordenamento jurídico no código civil, mais especificamente no art. 189.

Art.189 - Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

O conceito clássico de Câmara Leal, mencionado por LORENZETTI1 (1999:18), LORA (2001:18)2, define prescrição como a "extinção de uma ação ajuizável em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso".

Pontes de Miranda, citado por Maria Helena DINIZ (2004:358)3, conceitua que a prescrição é "uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão".

Em termos gerais, a prescrição é o instituto que visa reprimir, em virtude do decurso do tempo, a inércia do titular de um direito em tomar as providências que lhe cabem, gerando a perda da proteção jurídica sobre uma pretensão.

Dentro do instituto da prescrição temos a modalidade de ordinária e intercorrente e trataremos de ambas nesse estudo.

Desta feita a prescrição ordinária é aquela que decorre da inércia do Estado em formalizar a cobrança judicial do crédito.

Já a intercorrente tem como objetivo garantir a celeridade do processo judicial ou administrativo e a terminação do mesmo em tempo razoável, conforme apresentam os princípios apontados na Constituição Federal brasileira4.

Dito isso, podemos adentrar no objeto de nosso estudo.

Necessário se faz verificarmos a natureza jurídica da multa aplicada pelo Procon. Trata-se de um ato sancionatório decorrente do poder de polícia da administração pública. A partir dessa classificação, podemos afirmar que a multa não é um tributo e sim um crédito da administração pública, exigível através de execução fiscal, que decorreu de um prévio procedimento administrativo que apurou um ilícito, não se aplicando, portanto, o CTN.

Podemos dizer que a multa exigível decorre de um ilícito, o que definitivamente o tributo não é.

Colocadas essas premissas, as perguntas que se colocam à baila são: Iniciado o procedimento administrativo no Procon após o cometimento da infração, qual seria o prazo para o órgão de defesa do consumidor concluir o procedimento administrativo punitivo? E qual é prazo para cobrar o crédito decorrente da eventual aplicação da multa advinda desse processo?

Respondendo a primeira pergunta, a nossa legislação federal nos dá um norte, porém ele não é aplicado no âmbito de todos os procon's. Explico:

A lei federal 9.873/99 disciplina no parágrafo 1º do artigo 1º que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada.

Na leitura do referido parágrafo, temos uma situação simples de identificar: o procedimento administrativo que ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, opera-se o fenômeno da prescrição intercorrente, devendo o ser arquivado de ofício pelo órgão ou a requerimento da parte interessada.

Importante consignar que, salvo melhor juízo, não é que o processo tenha que durar menos de três anos para não ocorrer a prescrição intercorrente, mas ele tem que ficar pendente de despacho ou julgamento por esse período.

Ocorre que, a dita lei estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva somente no âmbito da Administração Pública Federal, direta e indireta. Não se aplicando, portanto, aos procedimentos dos Procon's que são estaduais ou municipais.

É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que essa lei não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. Entendimento esse firmado no julgamento do Recurso Especial 1.115.078/RS, sob a sistemática dos recursos repetitivos e replicado em tantos outros.5

Desta feita, para a aplicação da prescrição intercorrente no âmbito dos Procon's estaduais ou municipais, deve haver norma específica nos respectivos entes federativos neste sentido.

O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, possui tal regramento na lei 5.427/096 que em seu Art. 74, §1º espelha a norma federal supracitada. Assim, em se tratando de procedimento administrativo punitivo em trâmite no Procon-RJ que fique parado por 3 anos aguardando despacho ou decisão, autorizado está a parte interessada a requerer o arquivamento.

Assim, a pergunta que fica é: se em algum estado ou município da federação que não há lei prevendo a prescrição intercorrente, pode o Procon ficar ad eternum sem concluir o procedimento? Inobstante a previsão constitucional de que são assegurados a todos, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação7, pelo entendimento do STJ, sim, por falta de amparo legal.

O STJ entende caber a máxima "inclusio unius alterius exclusio", isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la" (REsp 685.983/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20/6/2005, p. 228). Logo, repita-se, se não há lei estipulando o prazo de prescrição intercorrente nos Estados e Municípios, não cabe ao aplicador/intérprete cria-la.

Inobstante o entendimento do STJ, alguns Procons estão declarando a prescrição intercorrente de seus procedimentos sancionatórios após 5 anos com base no Art. 1º do decreto 20.910. Salvo melhor juízo, para atender o preceito constitucional de duração razoável do processo, esse procedimento está correto. Não pode o fornecedor/demandado ficar aguardando indefinidamente a conclusão do procedimento administrativo.

Avançando em nosso estudo, aplicada a multa no fornecedor, quanto tempo tem a Fazenda Pública para cobrar a dívida e a partir de quando?

O regramento aplicável é o já mencionado decreto nº 20.910 que em seu art. 1º assim versa:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Notem que numa interpretação literal, o referido dispositivo disciplina a hipótese de quando a Fazenda Pública é devedora e não credora. Porém no mesmo Resp 1.115.078/RS está confirmado o entendimento de que a jurisprudência do STJ preconiza que o prazo para a cobrança da multa oriunda de infração administrativa é de cinco anos, nos termos do referido decreto 20.910/32, aplicável por isonomia por falta de regra específica para regular esse prazo prescricional.

Aqui poderia haver uma crítica ao STJ pois para o caso da prescrição intercorrente, o entendimento é que não há lei para tal não sendo possível aplicar por analogia a lei 9.873/1999, porém no caso da prescrição ordinária que também não há regramento específico, aplica-se o decreto 20.910/32, mas a justificativa da corte para essa postura é que, na segunda hipótese, a aplicação do decreto se dá por isonomia. Não seria razoável haver um prazo para os casos que a Fazenda é devedora e não haver um prazo para a Fazenda credora.

Importante ressaltar que, inobstante o Resp 1.115.078/RS tratar de infração administrativa relativa ao Meio Ambiente, é também entendimento da corte, a aplicação do decreto 20.910/32 por analogia não só sobre casos sobre esse ramo do direito como também para casos consumeristas tratados pelos Procons. (AgInt no REsp 1.608.710/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/08/2017;

Na mesma esteira de aplicação analógica pelo STJ, temos a incidência da súmula 467 que também trata de prescrição de cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental cujo o entendimento jurisprudencial da corte é para aplicação também em outras matérias. (REsp n. 1.662.786/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/5/2017, DJe de 16/6/2017.)

Dito isso, podemos dizer, sem medo de errar que, o prazo para a Fazenda cobrar a dívida oriunda da multa aplicada pelo PROCON é quinquenal, ou seja, de 5 anos e contados do final do procedimento administrativo.

Assim, no prazo de 5 anos, a Fazenda Pública tem que inscrever o débito em dívida ativa e ajuizar a execução fiscal do referido crédito não tributário.

Importante mencionar que para a cobrança da dívida via Execução Fiscal, aplica-se a lei 6.830/80.

A referida lei dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública e é através dela que os entes federativos bem como as autarquias podem cobrar os créditos tributários e não tributários dos quais são titulares.

A dita norma, em no seu art. 2º, §3º, estipula que inscrição do crédito na dívida ativa suspenderá a prescrição, por 180 dias8.

Com esse dispositivo expresso de suspensão do prazo prescrição, podemos concluir o nosso estudo dizendo que existem dois prazos prescricionais de débitos oriundos de multas aplicadas pelo Procon: 5 anos e 180 dias se ocorrer a inscrição do débito em dívida ativa ou somente 5 anos se não ocorrer a referida inscrição.

_____________

1 LORENZETTI, Ari Pedro. A prescrição no direito do trabalho. São Paulo: LTR, 1999

2 LORA, Ilse Marcelina. A prescrição no direito do trabalho: teoria geral e questões polêmicas. São Paulo: LTR, 2001

3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. V. 1.

4 LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

5 RECURSO ESPECIAL Nº 1.662.786 - PR (2017/0064747-1). AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1838846 - PR (2019/0279849-4)

6 Lei nº 5.427 de 01 de Abril de 2009- ESTABELECE NORMAS SOBRE ATOS E PROCESSOS ADMINISTRATIVOS NO ÂMBITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

7 Art. 5- LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação

8 § 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

Marcos Torres Sirotheau Barbosa

Marcos Torres Sirotheau Barbosa

Advogado sênior na TIM. Especialista em Direito do Consumidor pela UNESA e Direito Empresarial pela FGV.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca