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Americanas, Itapemirim e outras - A inconsistência da prática da recuperação judicial no Brasil

De 2005 até agora continua o país a carecer de uma legislação que dê à sociedade regras mais sólidas para as recuperações judicias.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Atualizado às 08:05

Muito oportuno o texto do dr. Gustavo Rossetto Mendes Batista ("Americanas: é chegada a hora de encararmos a recuperação judicial de frente" - Migalhas 23/1/23).

Há anos a recuperação judicial vem tendo sua aplicação totalmente desvirtuada pela forma como os operadores do Direito conduzem os casos, que se estendem por larguíssimos períodos que são incompatíveis com a pretensão básica que é a de viabilizar a recuperação econômica do empreendimento.

De fato, como bem aponta o dr. Gustavo, o primeiro problema é se tratar o art. 47 da lei 11.101/05 como um direito cogente, ou seja, tornar a recuperação judicial um princípio a ser preservado a todo custo, não importando a qualidade das informações econômicas, a inexistência de trabalhos que apontem a razoabilidade mínima dos planos de recuperação judicial etc.

Não basta, aqui, que o STJ venha, posteriormente, em razão de recursos que a ele chegam, dizer que não há preservação a qualquer custo, que as empresas devem quebrar, isto porque tais decisões ocorrem muito tempo depois do que elas seriam necessárias.

Por que há tanta facilidade em distribuir, e serem aceitos, pedidos de recuperações judiciais nas varas onde se localiza a sede jurídica da empresa e não onde está o principal estabelecimento do devedor (art. 3º da lei 11.101/05), esta sim norma cogente, por se tratar de norma sobre competência processual? Só as brigas pelas competências arrastam recuperações anos a fio em desfavor do próprio procedimento.

Se a essência da recuperação judicial recai no plano de recuperação, o Judiciário, considerando a formação histórica da magistratura, está capacitado a compreender os aspectos econômicos que isso envolve, as nuances contábeis?

Por que as dívidas tributárias, em geral as maiores, não estão claramente identificadas nos relatórios apresentados? Por que em geral isto só aparece quando há falência?

Por que os planos propõem longos prazos de duração, amparados por deságios enormes, sem que eles tenham a mínima identificação de como o fluxo de caixa será assegurado para cumprir o plano, as obrigações posteriores? Diminuir dívida não é por si só, garantia de recuperação. De fato, não está no inciso I do art. 53 da Lei que o plano deve conter "discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser (sic!) empregados"?

Quais são as métricas que devem balizar o controle do andamento de uma recuperação judicial? Relatórios mensais de administradores judiciais são suficientes? Retorno, então, à questão, os juízes e, de fato, o Judiciário está aparelhado para trabalhar com esses conceitos?

E o papel dos administradores judiciais? Estão eles capacitados a exercerem o mister que envolve múltiplas competências, jurídicas, econômicas, financeiras, contábeis, mercadológicas, que os habilitem a entender as razões que levaram aos pedidos de recuperação, as propostas de solução e os avanços das recuperações (o cumprimento dos planos) e até requer a quebra quando há descumprimento do plano? Onde se pode verificar a capacitação global de um administrador judicial?

Nessa linha, qual o limite de descumprimento de plano que deve levar os administradores a pedir a quebra e os juízes determinarem a quebra?

Por que os credores, em sua grande maioria, tendem a ser tão lenientes, não exercendo com força seus direitos, como por exemplo, criando comitê de credores? Será que as regras tributárias que permitem aos credores, com privilégios para aqueles do setor bancário, lançar as perdas com recuperações judiciais de forma muito ágil em seus balanços, ao contrário dos credores normais, não são um estímulo a deixarem de ser ativos nos processos, até porque acabam transferindo seus créditos para fundos de recebíveis?

Por que os advogados dos credores não são mais proativos em exercer direitos de seus clientes ou, no mínimo, exigir atuações mais efetivas dos magistrados?

Por que a novação prevista pelo art. 59 da lei 11.101/05 na prática é ineficaz na medida em que se entende que ela não se aplica àqueles créditos para os quais há garantias tais como fianças, avais etc.? Por que essa regra parte da ideia de que nas relações negociais o melhor é contratar com garantias do que sem garantias? Se a recuperação judicial é pró-sociedade, porque os quirografários não são todos iguais, ainda que haja garantias?

Qual a capacidade para se entender o que seja uma recuperação judicial de um grupo econômico e a necessidade de todo ele ser abarcado no procedimento? E se, na constância da recuperação, a recuperanda decidir mudar seu foco para algo que jamais fez e que irá drenar recursos? Como medir os efeitos disto sobre o plano de recuperação?

Como pode a lei tratar de modo igual um pequeno negócio e aquele que se estrutura numa sociedade anônima de capital aberto, com acesso amplo a mercados financeiros nacionais e internacionais, com Conselho de Administração, Conselho Fiscal, auditoria externa independente, fiscalização pela CVM?

O caso Americanas é um dentre inúmeros, sendo que é interessante citar o caso da Itapemirim, cuja recuperação judicial, que agora foi convolada em falência (contra o que ainda se briga), é moldada por inconsistências de todos os lados e, em certa dose, com situações mais grotescas do que as das Americanas.

Não é por outra razão que as recuperações judiciais, em geral, não têm sucesso, a despeito de suas intenções e das suas atualizações normativas. De fato, boa parte disso decorre da visão tacanha de que problemas de insolvência econômica são resolvíveis por métodos judiciais, isto porque na liturgia judicial não há conteúdo real efetivo.

Assim, de 2005 até agora continua o país a carecer de uma legislação que dê à sociedade regras mais sólidas para as recuperações judicias, ainda que o STJ assim se manifeste: Min. Nancy Andrighi no AgRg no CC 100250-DF):

"[...]não existe, no direito brasileiro, ou em qualquer outro, o princípio da preservação da empresa a todo custo [...].

Empresas que entram em crise por serem inviáveis devem mesmo falir, abrindo espaço para que outras empresas saudáveis ocupem com mais competência e competitividade essa porção do mercado. Nesses casos o Estado não deve atuar para forçar a manutenção em funcionamento de empresas que não fazem, nem farão, gerar benefícios sociais reflexos do exercício de sua atividade.[...].)( vide fls. 74923 e 74924 - 1ª Vara de Recuperações e Falências de São Paulo, SP, processo 0060326-87.2018.8.26.0100); 

mas não se olvidando que os operadores do Direito podem, e deveriam, usar a atual legislação de modo organizado e em sua plenitude.

José André Beretta Filho

José André Beretta Filho

Advogado empresarial.

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