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A alienação de ativos na recuperação judicial a luz da teoria econômica institucional

Importante destacar que está fora do objeto deste ensaio a análise das alterações realizadas pela lei 14.112/20 para a consequência da alienação de ativos na seara da recuperação extrajudicial.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:37

Introdução

A Lei de Recuperação da Empresa e Falência (LREF) é um conjunto de normas aplicáveis a alguns agentes econômicos que passam por situações de crise econômico-financeira.

De um modo geral, a sistematização da lei 11.101/05 permite afirmar que a racionalidade das suas normas busca viabilizar reorganizações, minimizar as perdas dos credores e dos stakeholders e maximizar os ativos por meio da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência.  A existência da insolvabilidade (dificuldade financeira sistêmica) implica em socialização de custos, a exemplo da utilização do Poder Judiciário, riscos à segurança das atividades creditícias, prejuízo de tempo e eficiência produtiva ou alocativa, seja no sistema de ações de execuções individuais contra devedores insolventes, seja no sistema de concurso universal de credores.

Uma das questões mais relevantes para um bom funcionamento de um sistema falimentar e de recuperação de empresas diz respeito a alienação de ativos por parte da sociedade em dificuldades financeiras.

No sistema norte-americano, Douglas Baird e Robert Rasmussen ao estudar o estado das coisas no direito norte-americano, concluíram que o tratamento das situações de crise é essencialmente efetivado pela venda de ativos1. Apesar da resposta de Lynn M. Lopucki2, reconhecendo nos processos de crise um importante papel de reorganização negocial, é certo que a alienação de ativos é uma parte fundamental do tratamento das crises.

A disposição do programa normativo3 da alienação de ativos na LREF possui uma topografia peculiar4 e, mesmo com a reforma de 2020, a sua sistematicidade não foi resolvida pelo legislador reformista5, de modo que este ensaio buscará analisar os arts. 50, XVIII, 60, 60-A, 66, 66-A, 73, VI, 74, 131, 141 e 142, que, de algum modo, guardam relação com a alienação de bens da recuperanda ou do falido, ainda que não estejam no capítulo das disposições comuns a recuperação judicial e a falência.

Com a clareza sobre as regras atinentes a alienação da unidade produtiva isolada e também da venda integral da empresa na recuperação judicial, além das consequências sobre a questão da sucessão das obrigações e a preservação do negócio realizado, o ensaio buscará conhecer o âmbito de aplicação das normas, isto é, a obtenção dos dados da realidade que evidenciam a utilização ou não da alienação de unidades produtivas isoladas. O levantamento quantitativo dos dados será feito por intermédio da pesquisa promovida pelo Observatório da Insolvência,6 quando foram coletados dados de processos de recuperações judiciais distribuídas nas comarcas do Estado de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul no período aproximado da última década de vigência da LREF, entregando resultados importantes para a análise que se busca desenvolver.

O sistema da recuperação judicial da empresa visa a adoção de comportamentos socialmente desejáveis, razão pela qual é possível dizer que a política pública busca um desenho institucional alinhada com a modelagem da Análise Econômica do Direito, que vem a ser "a aplicação do instrumental analítico e empírico da economia, em especial, da microeconomia e da economia de bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico".7

Para análise dos dados encontrados, o trabalho levará em consideração a fundamentação da obra do economista Douglas G. North sobre a influência das instituições e da mudança institucional para as consequências de um desempenho econômico desejável no ambiente negocial das alienações de bens na recuperação judicial.

Ultrapassado mais de 15 anos da edição da lei que introduziu a ação de recuperação judicial no ordenamento jurídico brasileiro e sendo esta reformada em 2020, acredita-se que seja atual e relevante analisar o modo pelo qual o mercado vem admitindo e precificando a alienação de ativos no bojo da recuperação judicial. A obtenção da descrição dos dados da realidade servirá para subsidiar a análise normativa do tipo de realidade perfeita (ex post), como também um juízo de prognose ex ante, isto é, de uma perspectiva futura, de previsão do que poderá vir a ocorrer com as reformas implementadas, tendo em conta que ainda não há como saber a influência na prática das mudanças promovidas em 2020.

Importante destacar que está fora do objeto deste ensaio a análise das alterações realizadas pela lei 14.112/20 para a consequência da alienação de ativos na seara da recuperação extrajudicial.8

Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.

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1 BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert. The End of Bankruptcy. U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper No. 173; Vanderbilt Law and Economics Research Paper No. 02-23, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=359241 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.359241.

2 LOPUCKI, Lynn M., The Nature of the Bankrupt Firm: A Reply to Baird and Rasmussen's 'the End of Bankruptcy'.Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=397780 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.397780

3 O pós-positivismo jurídico da Teoria Estruturante do Direito trabalha, metodologicamente, com dois entes jurídicos, identificados como programa normativo e âmbito normativo. O programa da norma se origina do texto literal, que garante a estrutura básica que vai influenciar e se relacionar com o âmbito normativo. O âmbito da norma é obtido pelos dados da realidade, que se comunicam com o programa da norma, sendo um componente da norma jurídica tal como o seu programa. MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

4 "A legislação falimentar, mesmo para os iniciados, é um intricado de idas e vindas, com constantes remissões a outros capítulos e artigos, que não permite a visão metódica e sequencial que outras leis admitem". BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 comentada artigo por artigo. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 48.

5 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 463.

6 O Observatório da insolvência é uma iniciativa do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência (NEPI) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).

7 GICO JR., Ivo. Introdução ao direito e economia. In: TIMM, Luciano Beneti (org.). Direito e economia no Brasil. 4. ed. São Paulo: Foco. 2021. p. 13-14.

8 A guisa de exemplo da complexidade da abordagem da alienação de ativos na recuperação extrajudicial, destaca-se a divergência de posições sobre a não sucessão das obrigações do falido pelo adquirente de unidades produtivas isoladas ou filais: "Também no presente caso, não há sucessão pelas obrigações da recuperanda, inclusive de natureza tributária ou trabalhista. O devedor em recuperação extrajudicial e seus credores devem ser tratados com plena isonomia em relação ao devedor que ingressa com a recuperação judicial e os credores deste." COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 498. Em sentido contrário: "Além de impor meio mais oneroso e moroso para que a alienação do estabelecimento seja realizada, não assegurou a Lei nenhum benefício a essa realização. Mesmo que a alienação seja realizada, não houve nenhuma determinação legal de que os ativos serão adquiridos livres de toda e qualquer sucessão pelos arrematantes ou exceção ao regramento geral para a alienação perante o plano de recuperação extrajudicial" SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 623.

Marlon Tomazette

Marlon Tomazette

Advogado no escritório Tomazette, Franca e Cobucci Advogados.

Tadeu Alves Sena Gomes

Tadeu Alves Sena Gomes

Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). LL.M em Direito Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Pós-Graduado em Processo Civil pelo Centro de Cultura Jurídica da Bahia (CCJB). Advogado da Tadeu Alves Sena Gomes Sociedade de Advogados.

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