Qual a responsabilidade civil dos hospitais nos casos de infecção hospitalar?
Um estabelecimento hospitalar pode demonstrar que utilizou de todos os meios para que o paciente não apresentasse um quadro infeccioso relacionado à assistência à saúde?
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
Atualizado às 17:43
Nos últimos anos há um crescente número de ações judiciais propostas por pacientes envolvendo a responsabilidade civil dos hospitais por um quadro de Infecção Hospitalar o que torna extremamente relevante a discussão, pois de um lado temos a sociedade que acredita que a ocorrência de um quadro de ' infecção hospitalar' significa necessariamente que houve alguma falha nos serviços médicos prestados e por outro temos que, apesar de todos o conhecimento médico atual, não há nenhum hospital do Mundo no qual a taxa de 'infecção hospitalar' seja igual a zero, mesmo com todos os recursos e adequação às medidas de segurança.
E por que isso ocorre?
Na verdade, o termo 'infecção hospitalar' mudou para 'Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS). Essa mudança na denominação é muito significativa pois o nome atual traduz melhor como essas infecções ocorrem. O conceito de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde permanece o mesmo: qualquer infecção adquirida após a internação de um paciente em hospital e que se manifeste durante a internação ou mesmo após a alta, quando puder ser relacionada com a hospitalização. Contudo, relacionar a ocorrência de um quadro de infecção hospitalar automaticamente como uma falha no serviço prestado é, sem sombra de dúvidas, um grande erro, pois as infecções relacionadas à assistência à saúde apresentam fatores de risco que podem ser modificados e fatores que não podem ser modificados.
De forma geral aproximadamente 20% a 30% das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde são consideradas preveníveis por meio de programas de controle e higiene intensivos, segundo o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC, 2016), o que nos indica que até 80 % das infecções não são passíveis de prevenção por qualquer tipo de ação.
E isso acontece porque a grande parte das infecções são facilitadas por condições clínicas dos pacientes ou pela necessidade de múltiplos tratamentos invasivos que rompem a barreira protetora da pele e com isso favorecem a "entrada" de bactérias. Assim, para que fosse possível "zerar" a taxa de infecção não se poderia realizar nenhum tipo de cirurgia ou mesmo utilizar medicações intravenosas, pois esses procedimentos propiciam um quadro infeccioso a despeito das medidas preventivas adotadas.
Levando tudo isso em consideração, então como um estabelecimento hospitalar pode demonstrar que utilizou de todos os meios para que o paciente não apresentasse um quadro infeccioso relacionado à assistência à saúde? Ou seja, que a infecção não era um evento evitável? Isso só é possível por meio dos indicadores de infecção relacionados à assistência à saúde que são obtidos por meio de ações de Vigilância Epidemiológica. Esses indicadores medem a ocorrência das mais diversas infecções ao longo de um período de tempo e traduzem de forma objetiva se a instituição hospitalar está implementando medidas que visam o controle do número de infecções. Essas taxas são fundamentais pois demonstram a realidade que atinge todos os pacientes, pois caso o ambiente hospitalar não apresente as adequadas condições de prevenção isso refletirá em todos os pacientes, com a consequente elevação da taxa de infecção hospitalar.
E a importância de justificar isso é porque há jurisprudência reconhecendo que a infecção questionada judicialmente não era um evento evitável e com isso afastando a responsabilização do hospital que adotou todas as medidas disponíveis para se evitar a contaminação.
Larissa Oliva
Sócia-Fundadora e Médica com título de especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, formada pela Faculdade de Medicina de Santos em 1999, especialista em Medicina do Trabalho pela Faculdade de Medicina da USP em 2010, especialista em Infectologia pelo Hospital Emílio Ribas em 2003.