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O atentado à democracia e seus reflexos no contrato de trabalho

Um breve ponto de vista acerca das possíveis consequências no âmbito trabalhista das invasões ocorridas no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília/DF.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:25

No dia 8 de janeiro de 2023 o Brasil e o mundo se depararam com atos criminosos, depredações e espoliações contra a sede dos Três Poderes, em Brasília/DF. Isso porque grupos antidemocráticos e extremistas, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inconformados com o resultado das eleições de 30 de outubro de 2023, invadiram violentamente o Palácio do Planalto - poder Executivo -, o Congresso Nacional - poder Legislativo - e o Supremo Tribunal Federal - poder Judiciário -, buscando suposta "intervenção militar".

Sabe-se que a Assembleia Constituinte de 1987-1988 deu origem à Constituição da República, na qual restou assegurada à inviolabilidade de direitos e liberdades básicas, assim como restabeleceu a democracia plena, com a garantia de direitos e promoção da igualdade.

Não se deve, pois, admitir qualquer mitigação do Estado Democrático de Direito. A indignação desse grupo de extremistas com os resultados das eleições de 2022 não pode ser usada como pretexto para o cometimento de ações criminosas, tal como requerer a retirada forçada de um presidente eleito democraticamente ou a destituição arbitrária de um membro da Suprema Corte, pois, pautas reivindicatórias dessa natureza, não são tuteladas pela garantia constitucional da liberdade de expressão, mas, sim, constituem evidente dilapidação das bases da democracia.

Os atos golpistas, evidentemente atentatórios à democracia e à segurança nacional, ocorridos em 8 de janeiro de 2023, geraram repercussão internacional e manifestações estarrecidas de autoridades, sendo a primeira do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que determinou uma intervenção no Distrito Federal na área da segurança pública.

A imprensa divulgou que na ocasião houve subtrações de documentos do Planalto, armas, HD's externos, e uma réplica da Constituição da República de 1988, que foi devolvida em uma delegacia de Varginha (MG) e entregue pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, no dia 13 de janeiro de 2023, à presidência do STF1.

Além dos furtos, obras de arte foram danificadas, como "As Mulatas" de Di Cavalcanti, avaliada em vinte milhões de reais, dentre outras que compõem o patrimônio público nacional.

A violência não se resumiu à destruição da arquitetura moderna de Niemeyer, de obras de arte, de vidraças e móveis, de lugares e objetos, de conjunto que integra patrimônio histórico-cultural, como também atingiu dezenas de jornalistas que cobriam os fatos e sofreram tentativas de linchamento e ameaças com armas de fogo pelos invasores.2

As cenas de vandalismo foram registradas não somente pela imprensa, mas também pelos próprios invasores, que podem responder pela prática dos crimes previstos nos arts. 2º, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei nº 13.260/16 e nos artigos 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), 147 (ameaça), 147-A, § 1º, inciso III (perseguição), 286 (incitação ao crime), todos do Código Penal.

Já no âmbito trabalhista, quaisquer pessoas que tenham vínculo empregatício e que participaram dos atos terroristas em Brasília/DF podem ser dispensados por justa causa e, no caso de servidor ou empregado público, é possível a exoneração de suas funções, após regular procedimento administrativo disciplinar que garanta o direito a ampla defesa e ao contraditório.

O parágrafo único do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho prevê que "constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional".

O referido diploma legal foi acrescentado pelo decreto-lei 3, de 27 de janeiro de 1966, editado em um período de exceção, no governo militar, e ainda que tal decreto tenha sido revogado, causando controvérsias acerca da validação do parágrafo único do art. 482 da CLT, o que se nota, na realidade, é que mesmo sendo exceção a ocorrência da falta prevista nessa regra a disposição se encontra em plena vigência.

Logo, havendo a prática de falta grave pelo trabalhador, a dispensa pode ocorrer por justa causa. No caso dos atos antidemocráticos em comento, embora ocorridos fora do ambiente laboral, se devidamente comprovada a participação do empregado nos atos de vandalismo e depredação do patrimônio público, o fato se enquadra na hipótese prevista no parágrafo único do art. 482 da CLT, ensejando, assim, a sua dispensa por justa causa. Ressalta-se, ademais, que vídeos e fotos em que aparecem os participantes, postagens em redes sociais e geolocalização por meio da linha telefônica que comprove a presença nos locais das invasões, servem como elemento de prova para que o empregador proceda à rescisão contratual.

Até o momento diversos empregadores suspenderam - para a devida apuração dos fatos - o contrato de trabalho dos seus respectivos empregados presos após a prática dos atos golpistas. Algumas empresas, inclusive, se manifestaram sobre não compactuar com as ações terroristas, frisando o receio de ter sua imagem atrelada à depredação, intolerância e violência, reiterando o respeito à democracia.

Desta feita, sendo aplicada a dispensa por justa causa nos moldes elencados no art. 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas, o empregado não terá direito ao aviso prévio, férias e 13º proporcionais, saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), multa de 40% do FGTS e seguro-desemprego, recebendo apenas férias vencidas e os dias trabalhados no mês da dispensa.

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Réplica da Constituição roubada por bolsonaristas é devolvida ao STF. Acesso em 15 de janeiro de 2023 às 15h32min

2 https://abraji.org.br/noticias/mais-de-40-jornalistas-foram-atacados-desde-domingo acesso em 15 de janeiro de 2023 às 16h15min

Fernanda de Oliveira Ferreira

Fernanda de Oliveira Ferreira

Advogada trabalhista associada do escritório Cascone Advogados Associados. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado: Empresas, Estado e Indivíduos diante da interpretação constitucional, pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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