Resolução CVM 175: um case de regulação responsiva
A atividade regulatória da Administração Pública cada vez mais precisará garantir procedimentos marcados pela participação de todos os potenciais interessados e afetados.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
Atualizado às 09:14
No Direito Administrativo compreende-se a "responsividade" como a capacidade de resposta do Poder Público às demandas e necessidades dos administrados1, isto é, traduz o seu poder de reação ante a constatação de interesses públicos. O tema é de suma importância uma vez que a própria noção de função administrativa expressa atuação em face de coisa alheia e com vistas a objetivos fixados por outrem2, e justamente em razão disso a superação de Administração Pública autocentrada e burocrática tem sido por um dos mais relevantes vetores à reformulação do Direito pátrio3.
Tratando-se mais especificamente da função administrativa ordenadora, a responsividade é muitíssimo importante pois proporciona melhor conhecimento da dinâmica das realidades que se deseja disciplinar e assim estabelece os mecanismos corretos com vistas a modelagem das condutas dos agentes regulados. Além disso, auxilia com relação a necessidade de diálogo entre a Administração e os particulares, valendo-se esta do know how acumulado por segmentos da sociedade e do mercado.
Na prática, esta tendência é observada no artigo 29 da LINDB (incluído pela lei 13.665/18) ao se prescrever a possibilidade de prévia consulta pública para a edição de atos normativos. No mesmo sentido se dá no Decreto nº 9203/2017, cujo conteúdo firma política de governança da administração pública federal, ao listar entre as diretrizes para a formulação de políticas públicas a edição de "atos normativos, pautando-se pelas boas práticas regulatórias e pela legitimidade, estabilidade e coerência do ordenamento jurídico e realizando consultas públicas sempre que conveniente".
Tratando especificamente da hipótese de regulação econômica, tal postura encontra fundamento no artigo 9º da lei 13.848/19 (disciplinadora da gestão das Agências) que define como objeto de consulta pública as propostas de alteração de "atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados".
O resultado almejado é alternativa a modelo regulatório tão somente calcado em premissas trazidas pelo próprio órgão ou entidade reguladora, muitas vezes desconectadas das reais dificuldades e justas aflições sentidas pelos agentes de um dado setor econômico. Igualmente, busca-se sobrepujar sistema de "comando e controle" de viés rigorista e punitivista4.
Não se trata de abrir mão da aplicação de sanções aos infratores e abraçar laxismo liberal, mas sim de criar bases mais aptas a efetiva defesa dos bens jurídicos tutelados pelo Poder Público.
Isto posto, vale considerar um caso em particular: o processo normativo que levou à Resolução CVM 175/225.
Destaca-se a ocorrência de duas audiências públicas, nos anos de 20206 e 20217, contando com ampla participação de agentes das mais variadas origens e naturezas. Desde pessoas físicas - investidores "sardinha" (como coloquialmente chamados) -, até instituições financeiras de relevância mundial e associações com fundamental participação nos mercado de capitais.
Tal pluralidade, além de trazer grande riqueza de perspectivas, mitiga riscos de captura da agência reguladora pelos maiores players do mercado8, evidenciando os variados interesses em jogo e seus potenciais antagonismos.
No caso em tela, o que se pôde evidenciar foi processo decisório bem coordenado que resultou em importante reorganização das normas do setor. De modo que, além de superar a pulverização regulatória (com 38 atos revogados), possibilitou sua melhor sistematização entre regras gerais e específicas, com dispositivos específicos para FIFs e FIDCs.
É certo que muitos pontos da Resolução poderão ter sua efetividade testada pelos anos, sendo fundamentais discussões acerca do conteúdo normativo. Entretanto não se pode perder de vista que a atividade regulatória da Administração Pública cada vez mais precisará garantir procedimentos marcados pela participação de todos os potenciais interessados e afetados. Trata-se de medida de democraticidade e efetividade do agir estatal.
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1 Definição que se depreende do artigo 3º, inciso I do Decreto nº 9203/2017 e de obras sobre o tema como: AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John, Responsive regulation: Transcending the deregulation debate, New York: Oxford University Press, 1992; e VORONOFF, Alice, Direito Administrativo Sancionador. Justificação, interpretação e aplicação, Belo Horizonte: Fórum, 2018.
2 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 6ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 52-53.
3 Cf. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: Reforma do Estado e administração pública gerencial. Orgs. Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Kevin Spink; tradução Carolina Andrade. 7. Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 247.
4 Cf. CARNAES, Mariana. Breve reflexão sobre a regulação responsiva. Consultor Jurídico. Disponível às 16:08 de 13/01/2023 em https://www.conjur.com.br/2021-jun-20/artx-publico-pragmatico-breve-reflexao-regulacao-responsiva.
5 Vale recordar que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) não se encontra no rol de agências reguladoras definido pelo artigo 2º da Lei nº 13.848/19.
6 Documentação e histórico disponibilizados pela CVM em https://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2020/sdm0820.html
7 Documentação e histórico disponibilizados pela CVM em https://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2021/sdm0821.html
8 Entende-se por captura regulatória "a submissão da atuação de agência regulatória aos interesses mais imediatos de empresas de setores regulados que, por concentrarem informações privilegiadas, exercem pressão e acabam determinando o conteúdo da regulação que sofrerão em detrimento de interesses coletivos". In. NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012. p. 559.