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Suspensão da regra de detração, retorno a situação "abusiva e inconstitucional"

A opção pela suspensão da norma, em vez dos processos contíguos à detração da inelegibilidade, traz de volta o caos da imprevisibilidade no cumprimento da sanção de suspensão dos direitos políticos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Atualizado às 09:12

Ao suspender cautelarmente  o parágrafo 10 do art. 12 da lei de Improbidade Administrativa, o Exmo. Ministro Alexandre de Moraes fez com que, por ora, ressurgisse no ordenamento a falta de previsibilidade, desde a decisão colegiada condenatória, dos prazos para cumprimento da sanção de suspensão dos direitos políticos.

O deferimento da liminar baseou-se essencialmente na distinção entre a suspensão dos direitos políticos e a inelegibilidade prescrita na LC 64/90, ainda que ambos os institutos imponham vedação à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), verdadeiro objeto de preocupação do legislador ao criar a regra de detração através da lei Federal 14230/21.

Vale dizer que o e.STF já se debruçou algumas vezes sobre a compatibilidade da Constituição com o cumprimento de sanções desde a decisão colegiada, como nas ADCs 29 e 30, na ADIn 4578, e mais recentemente na ADIn 6630.

"Situação abusiva e indesejável constitucionalmente", disse o Exmo. Ministro Luís Roberto Barroso ao proferir seu voto na ADI 6630 - não conhecida por questão processual - apontando ser irrazoável que condenações no âmbito da LC 64/90, alterada pela lei da Ficha Limpa, tivessem prazos extensos e imprevistos, haja vista o hiato entre a decisão colegiada e o início do cumprimento da sentença.

Argumentou ainda que uma pessoa condenada a 01 (um) ano de suspensão dos direitos políticos, por exemplo, ficaria incríveis 14 (quatorze) anos privado de sua capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado). Isso porque, em média, é de 05 (cinco) anos o prazo para o julgamento dos recursos entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado, além da pena acessória de 08 (oito) anos acrescida pela lei da Ficha Limpa.

O exemplo criado pelo Ministro Barroso demonstra como a sistemática da condenação decorrente das alterações trazidas pela lei da Ficha Limpa pode ser desproporcional, principalmente em razão do período nebuloso entre a condenação colegiada e o trânsito em julgado, no qual inexiste previsibilidade do prazo de julgamento de eventuais embargos, recurso extraordinário e/ou recurso especial.

Sobre o julgamento da ADI 6630, cabe abreviar que fora uma tentativa de rediscutir a inconstitucionalidade parcial do artigo 1°, inciso I, alínea 'e', da LC 64/90, com o fito de realizar, através de princípio constitucional, a detração da suspensão dos direitos políticos entre o período compreendido entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado.

Para não discutir seu mérito, em março de 2022, o pleno do e.STF decidiu por não conhecer da ação direta, apesar do Exmo. Ministro Relator Nunes Marques ter inicialmente suspendido em cautelar a expressão "após o cumprimento da pena" do dispositivo impugnado no âmbito dos processos de registro de candidatura das eleições de 2020.

O voto vencido do Ministro Barroso defendeu que a questão fosse reavaliada, haja vista que no momento do julgamento conjunto das ADCs 29 e 30, e da ADIn 4578, tratava-se "de lei nova que foi interpretada em tese logo depois da sua promulgação, [sendo] perfeitamente razoável que o tribunal verifique ao longo do tempo que algumas incidências daquela norma possam produzir resultados injustos ou incompatíveis com a Constituição".

Apesar de não ter sido possível dirimir a questão por princípios constitucionais, no intercurso da tramitação da ADI 6630, visando dar fim a situação inconstitucional da falta de previsibilidade do prazo de suspensão da capacidade eleitoral passiva, o Congresso Nacional votou e aprovou a lei 14.230/21, que incluiu o § 10, no art. 12 da lei de Improbidade Administrativa.

Eis o novel dispositivo:

LIA, art. 12, § 10. Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Com efeito, relevante afirmar a constitucionalidade da norma, que atende com perfeição o comando do §9º, do art. 14, da Constituição da República, que exige a previsibilidade de prazos à cessação da suspensão dos direitos políticos - vide art. 15 da CRFB/88. Comando reflexo do inc. XLVII, b) do art. 5º da CRFB/88, que veda a aplicação de sanções por prazo indeterminado.

É dizer que, do instante em que o Tribunal profere a primeira decisão condenatória colegiada, começa a ser contabilizado o cumprimento da sanção da futura sentença, porque, por óbvio, começa daquele instante a vedação à capacidade eleitoral passiva.

E diga-se que essa regra de detração corrige apenas em parte uma das incongruências do processo, haja vista que existirão casos de improbidade, por exemplo, em que a condenação não cumulará dano ao erário e enriquecimento ilícito - o que redundará em não haver o acréscimo da inelegibilidade da ficha limpa - sendo que, a depender do prazo de julgamento dos recursos especial e extraordinário, este poderá ser até maior que o prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos cominada.

Como se nota da literalidade do § 10, do art. 12, da LIA, a regra de detração da suspensão dos direitos políticos deve ser aplicada após a sentença transitar em julgado, ou seja, na sua fase de cumprimento, vez que a contagem do prazo da sanção considera o intervalo entre a decisão colegiada e o trânsito, num computo retroativo.

Portanto, há de se reconhecer que o dispositivo novel e benéfico seria aplicável a qualquer processo em curso, desde que na fase do cumprimento de sentença, independendo de retroação, e tampouco tendo sido alcançado pelo que decidiu o STF no ARE 843989, com repercussão geral reconhecida, que se limitou a tratar da irretroação (i) na questão prescricional; e (ii) na análise do elemento dolo acerca da conduta do agente.

Interpretação que se confirma inclusive pela cautelar deferida na ADIn 7236, já que o Exmo. Ministro Alexandre de Moraes não considerou prejudicada a análise da norma de detração a partir do que se decidiu no tema 1199, como o fez com dolo e prescrição.

Sobre mais, a regra de detração tem aplicação imediata porque exclusiva do regime de cumprimento das sanções, sob o manto do que determina os arts. 1º e 2º da LINDB, em obediência ao princípio de que o tempo rege o ato.

Sob tal ótica, inexistiria óbice processual-normativo à aplicação do §10º, do art. 12 da LIA a todos os casos em curso, norma que chega com uma década de atraso, mas que poderá minorar os prejuízos aos direitos fundamentais dos sancionados, em verdadeira proibição ao excesso.

Como se nota da redação do dispositivo, o legislador tratou o termo "suspensão dos direitos políticos" de forma lato, a abranger tanto a suspensão propriamente dita quanto a inelegibilidade, institutos que se conectam por um núcleo essencial: a capacidade eleitoral passiva.

Por isso, se restam dúvidas quanto à detração da inelegibilidade, a cautelar não deveria ter sido de suspensão do dispositivo, mas dos processos em que esteja sendo pleiteado o desconto dos prazos das sanções oriundas da LC 64/90. Nesse sentido, quem sabe, faria melhor o pleno do e.STF se convertesse a liminar no ponto específico do §10º, do art. 12 da LIA para este único efeito.

Marcos André Ceciliano

Marcos André Ceciliano

Advogado inscrito na ordem dos advogados do Brasil e na Ordem dos advogados de Portugal, especialista em Direito Penal Econômico Europeu e Internacional pela Universidade de Coimbra.

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