Carta aberta aos desavisados brasileiros: A inflação resiste e não quer ir embora
O Brasil caminha sempre na retaguarda das economias bem ajustadas, que não são economicamente perfeitas, mas que proporcionam o padrão de vida mais adequado.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
Atualizado às 08:08
Caros conterrâneos,
Ainda perplexos pela destruição que um grupo insano de terroristas causou, em tremenda destruição nos edifícios sede dos Três Poderes em Brasília - e que agiram como drones mandados por quem tudo orquestrou - passou despercebida de muitos a carta enviada pelo Presidente do Banco Central do Brasil - BCB - ao atual Ministro da Fazenda - que pegou o bonde andando -, na qual explica as razões pelas quais a inflação estourou a meta, o que infelizmente aconteceu pelo segundo ano consecutivo. E o que é pior, pode ser que venha por aí um tricampeonato.
É preciso que as famílias e os empresários tenham muito em conta esse cenário, que afeta a vida de todos e as suas ações no plano econômico-financeiro. Quanto às famílias, será obrigatório dar um breque no endividamento, encurtando os gastos e guardando os seus caraminguás em aplicações seguras. Quanto aos empresários que devem ter uma noção mínima desse quadro, cabe a nós, advogados, estar atentos e assessorá-los para que adotem os devidos cuidados em suas operações e os jurídicos, quanto aos efeitos nas suas empresas, observando a oportunidade de pretendidos aumentos de capital, a tomada de crédito e a celebração de contratos, entre outros, dentro de uma visão estratégica.
A inflação de 2022 foi de 5,79% (IPCA)), enquanto a meta estabelecida era de 3,5% e o intervalo de tolerância na casa de 1,5%. Assim sendo, para ficar dentro da meta a inflação deveria ter se fixado em 5%, extrapolada, como se vê acima. E é a segunda vez que isso acontece pois o mesmo fato se deu no exercício anterior.
Veja-se que o papel do BCB foi adequadamente cumprido. Medidas de correção de rumo avisos não faltaram, dirigidas a ouvidos moucos, pelo visto. O pior de tudo é que talvez venhamos a ganhar o tri com uma terceira carta seguida para o começo de 2024, tendo em conta a meta fixada para 2023 em 3,25% (já estabelecidos 3,00% para 2024 e 2015, haja otimismo). Sem o caneco da copa deste ano, mas com caneco repetido do estouro da meta. Fazer o que?
Claro, temos culpados externos conhecidos: inflação importada (é, o preço do petróleo e de outras comodities que teimam em ter o seu preço em dólar), a covid, a invasão da Ucrânia pelo déspota russo de plantão e uma vontade não muito bem escondida da China de fazer o mesmo com Taiwan (e olhe o problemão que acontece naquele país com a política furada da covid zero, enquanto os braços dos chineses não sentiam os furos das vacinas), tudo isso acarretando uma desconfiança geral do comércio internacional. Esses fatores globais se projetam outra vez para cá, não tem saída. E tem aquele relativamente pequeno efeito inflacionário, fundado numa lei da física: a inércia, que faz com que o carro continue andando, mesmo depois que os freios foram travados.
E o real, ora o real! Perto da casa dos seis por dólar e oscilando como uma gangorra louca, nunca ele esteve tão desmoralizado e a fuga dele para alternativas mais palatáveis somente serviu para aumentar ainda mais a inflação.
Mas os fatores internos não são nada desprezíveis. A falta de chuva na hora e no lugar certo fez subir o preço da eletricidade, os serviços ficaram mais caros, a energia não barateou, os produtos agrícolas foram reajustados em patamares extremamente elevados em alguns casos (segundo o IPCA alguns alimentos tiveram os seus preços reajustados em até 166%!!!!). Daí que muita gente que comia filé de frango passou a chupar os pés das galinhas.
Boa parte da inflação tem se originado da gastança generalizada dos seguidos governos, para os quais prestou os seus serviços, que não a conseguiram segurar, tendo se dado um rombo fiscal de proporções iguais ou maiores aos grandes tsunamis. No tocante ao governo findo, afinal de contas, o seu chefe tinha de ganhar a eleição e aí valeu tudo, fosse visível, fosse secreto.
Os planos sociais fazem parte desse problema, seja quanto ao governo que se acabou (que deixou a sua marca no tal do estouro do teto), seja quanto ao que começou havendo risco de bis. O ministro anterior, tendo andado por Chicago devia saber muito bem que esse caminho é um grande tiro no pé, pois o que se dá de benefício que não tem respaldo com uma mão é tirado pelo peso da inflação com a outra, muitas vezes com a saída maior do que a entrada. Tudo fica na aparência, vivendo o assistido uma verdadeira miragem. Nesse sentido, o que acontecerá no primeiro trimestre de 2023 será muito revelador de um quadro que deverá piorar em seguida, pois os programas sociais adquiriram um relevo intenso como promessa de campanha a realizar, seja com ou sem obediência ao teto de gastos, considerado uma estupidez pelo atual presidente.
A economia não aceita desaforos e nós brasileiros já conhecemos o desfecho daquela novela chamada "A Economia Criativa", transmitida no penúltimo governo, que terminou com a morte de diretores, roteiristas, atores e espectadores (nós, é claro). Se essa novela se repetir certamente nós reviveremos o dilúvio.
Como se percebe, tal e qual o professor teimoso que tenta inutilmente ensinar matemática para os seus alunos, o tema da inflação e os seus reflexos têm sido recorrente nos meus textos, que circulam neste Migalhas. Entre os mais recentes lembro "Pontes Queimadas para Sempre", de 13/12/22 e "A Dona de Casa Prudente, o Teto de Gastos e Você".
Parece que no plano da inflação o brasileiro tomou uma anestesia geral, encontrando-se dela inconsciente ou com os seus sentidos amortecidos na sala de recuperação de uma cirurgia. Reclama-se muito dela, mas com ela se convive como se fosse um cunhado que não se consegue mandar embora de casa, bom aproveitador da cama e das viandas servidas à mesa. Mas, mesmo relativamente baixa, perto dos horrores de tempos passados, tal como cupins que vão comendo a madeira, essa inflação devagarzinho devora os recursos de todos nós, famílias e empresários, nos empobrecendo significativamente no longo prazo, pelo que perdemos e deixamos de ganhar.
Década perdida, após década perdida, o Brasil caminha sempre na retaguarda das economias bem ajustadas, que não são economicamente perfeitas, mas que proporcionam o padrão de vida mais adequado, dentro de um horizonte de risco administrado pelos empresários, lhes proporcionando vender a um custo mais barato e, portanto, benéfica de forma generalizada.
Inflação, quosque tandem?
Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.