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A aplicação extensiva do punitive damages e o entendimento do STJ

O punitives damages ou Teoria do Valor do Desestímulo - como também é chamada - é uma doutrina do direito comum dos países da common law.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Atualizado em 12 de janeiro de 2023 09:37

A reparação de caráter pecuniário surgiu com o início da Lex Poetelia Papiria (326 a.c.) durante o Império Romano1 Anterior a este diploma, exercia uma forte influência mandamentos jurídicos presente no Império da Babilônia, conhecidas como as leis de talião - olho por olho, dente por dente - no qual o devedor sofria uma punição rigorosa por meio de castigos corporais para quitar a obrigação.           

Com a introdução desse diploma jurídico romano, a obrigação assume um caráter patrimonial, isto é, o devedor deve quitar suas dívidas por meio do seu patrimônio. Tal modelo de cobrança perdura até os dias atuais, que, indubitavelmente, foi responsável por construir a função da responsabilidade civil atual.

Neste ínterim, cumpre destacar que, na seara da responsabilidade civil, a configuração de um ato ilícito do agente é calcada em três elementos imprescindível como: a conduta dolosa ou culposa contrária a norma jurídica, ou seja, no momento do ato o agente tenha tido a intenção de causar o prejuízo - dolo - ou o tenha causado por agir com menor grau de cuidado - culpa; Dano, isto é, a lesão ao bem jurídico, por fim, o nexo causal, a relação entre o dano e a culpa do agente causador do ato.

O punitives damages ou Teoria do Valor do Desestímulo - como também é chamada - é uma doutrina do direito comum dos países da common law. Tal doutrina consiste que, em se tratando da reparação por Dano Moral, há a potencialização do quantum de uma indenização, com o intuito de exercer dupla função tanto de caráter punitivo como também de caráter pedagógico perante o ofensor para que se tenha uma "lição" ao infrator pelo dano causado.

Com isso, essa indenização punitiva é aplicada para se assumir como uma advertência e gerar, na sociedade, um grande impacto com o intuito de inibir a prática de um novo ato ilícito.

No Direito pátrio há a discussão acerca da aplicabilidade, há doutrinadores que consideram que, concernente à indenização de dano moral, a Teoria do Valor do Desestímulo deve ser aplicada como Caio Mário e Sérgio Cavalieri Filho.

Para Caio Mário, por exemplo, uma das concausas para a aferição da indenização por dano moral é a punição ao infrator, isto é, a indenização pecuniária é imposta ao infrator para punir a ofensa ao bem jurídico da vítima

Isto posto, tais doutrinadores enfatizam que a legitimidade de dano punitivo repousa na ideia de que é necessário a majoração do Dano Moral, visto que a jurisprudência e a doutrina admitem, em determinadas situações, esse tipo de punição, respeitando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Neste sentido, após uma análise de pesquisa jurisprudencial, nos 26 estados e no Distrito Federal, nota-se, em algumas decisões, a expressão do caráter punitivo-pedagógico e, em algumas até mesmo o próprio punitive damages, como expressos nas decisões abaixo:

"Apelação Cível 0155510-08.2017.8.19.0001 - TJRJ

É o que ocorre no presente caso, em que a falha na atividade atrai a aplicação da sanção pelo viés dos "punitive damages" (grifo nosso), obviamente não no montante pretendido pela inicial, que se revela desproporcional à conta de ausência de prova de desdobramentos nefastos causados pelo incorreto laudo de exame efetuado.

Apelação 1006108-70.2020.8.26.0408 - TJSP - Consumidor - Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica cumulada com Anulação de Débito e Reparação de Danos [...]

Trecho do Acórdão:

[...]

"A satisfação pecuniária do dano moral deve guiar-se por dois critérios principais: o compensatório, [...]; e o punitivo, com finalidades preventiva, inibitória e pedagógica, na linha dos punitive damages do Direito estadunidense."(grifo nosso)"

De outra parte, Anderson Schreiber, Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin defendem a tese de que a Teoria do Valor do Desestímulo é inconstitucional. Neste contexto, observa-se que a adoção do caráter punitivo fere os incisos V e X do artigo 5º da Constituição da República, uma vez que tais incisos expressam a plena compensação do Dano Moral, enquanto o artigo 944, nota-se o princípio da equivalência entre dano e reparação.

Desta feita, este artigo do Código Civil2, irradia que a indenização se mede em relação a extensão do dano, uma vez que o causador do malfeito é obrigado a repará-lo e restabelecer a condição anterior ao Dano, como se expressa:

"Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.        

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça tem um outro entendimento3, de que somente atos ilícitos oriundos de comportamento de alto grau de reprovabilidade, o punitive damages pode ser aplicada. Dessa maneira, o julgamento do Recurso Especial 210.101/PR, a Quarta Turma, por unanimidade, decidiu da seguinte forma:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL. ESPOSO E PAI DAS AUTORAS. IRRELEVÂNCIA DA IDADE OU ESTADO CIVIL DAS FILHAS DA VÍTIMA PARA FINS INDENIZATÓRIOS. LEGITIMIDADE ATIVA. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESPESAS DE FUNERAL. FATO CERTO. MODICIDADE DA VERBA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA. DESNECESSIDADE DE PROVA DA SUA REALIZAÇÃO.

[....]

6. In casu, o tribunal a quo condenou os recorridos ao pagamento de indenização no valor de 10 salários-mínimos a cada uma das litisconsortes, pela morte do pai e esposo das mesmas que foi vítima fatal de atropelamento pela imprudência de motorista que transitava em excesso de velocidade pelo acostamento de rodovia, o que, considerando os critérios utilizados por este STJ, se revela extremamente ínfimo.

7. Dessa forma, considerando-se as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta Corte na fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, impõe-se a majoração da indenização (grifo nosso) total para o valor de R$100.000,00 (cem mil reais), o que corresponde a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por autora."

Em conformidade com o caso julgado pelo STJ, atropelamento causado por excesso de velocidade no acostamento, configura-se como uma conduta altamente reprovável na sociedade, do que seria, por exemplo, um atropelamento por imperícia do condutor ou um mero descumprimento contratual.

Com isso, com base neste julgado infere-se que o punitive damages só pode ser utilizado como critério de aferição do valor de Indenização Moral, quando a conduta seja de grande reprovabilidade, ou seja, aquela conduta que causa um grande dano à pessoa e que seja extremamente nociva à sociedade.

Dessa forma, não é qualquer dano moral que o caráter pedagógico e punitivo deve estar presente, e, em caso de aplicabilidade desse tipo de indenização, observar-se-á o enriquecimento sem causa do autor, uma vez que há uma vedação expressa no Código Civil deste tipo de enriquecimento.

Precedentes do TJPR, mostram como de fato deve ser aplicado a punitive damages, como segue, in verbis:

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA AUTORA.PRELIMINAR DE CONTRARRAZÕES. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.RAZÕES RECURSAIS QUE ATACAM O COMANDO SENTENCIAL.VÍCIO NO PRODUTO. REFRIGERANTE IMPRÓPRIO AO CONSUMO. PRESENÇA DE PAPEL DE BALA NO INTERIOR DA GARRAFA. PRODUTO QUE NÃO FOI INGERIDO.INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.TEORIA DO VALOR DO DESESTÍMULO. ORIGEM NO INSTITUTO PUNITIVE DAMAGES DO DIREITO NORTE- AMERICANO. UTILIZAÇÃO COMO PARÂMETRO DE FIXAÇÃO DO QUANTUM DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASPECTO INTEGRANTE DA FUNÇÃO PEDAGÓGICA DA INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO, TAMBÉM, NO DIREITO COLETIVO, COMO FUNDAMENTO PARA A REPARAÇÃO DOS DANOS A INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. (grifo nosso). FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. ART. 85, § 11, DO CPC/15. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJPR - 10ª Câmara Cível - AC - Região Metropolitana de Maringá - Foro Regional de Nova Esperança - Rel.: DESEMBARGADOR GUILHERME FREIRE DE BARROS TEIXEIRA)."

Logo, conforme precedentes de tribunais e entendimento do STJ, a teoria do valor do desestímulo é vedada ser aplicada em demasia, ou seja, em qualquer indenização de Danos Morais.

Caso ocorra a aplicação extensiva deste tipo de indenização, observar-se-á, após milénios de evolução, um pouco dos traços punitivos característicos das leis babilônicas, o que se configuraria como um retrocesso na ordem jurídica pátria.  

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1 (José Carlos Moreira Alves. Direito Romano. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. P. 382-463).

2 Código Civil Lei 10.406/2002: 

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

3 "Punitive Damages e sua Aplicabilidade no Brasil" - Autor: Ministro Raul Araújo Filho Ed. Comemorativa 25 Anos:

https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Dout25anos/article/view/1117/1051

Gabriel Rocha de Almeida

Gabriel Rocha de Almeida

Estagiário Jurídico na Diretoria Jurídica - Bradesco Seguros. Graduando em Direito da UERJ. Membro da Septem Capulus - Comunidade de Jovens Empreendedores Jurídicos. Investidor do Mercado de Capitais.

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