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Pejotização nas relações de trabalho

A modalidade de contratação de trabalhadores hipersuficientes, em tese, possui um maior poder de negociação frente as empresas contratantes.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Atualizado em 13 de janeiro de 2023 09:03

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação RCL 47.843 BA, reconheceu a licitude na contratação de médicos por meio de pessoa jurídica, reacendendo a discussão quanto a chamada pejotização nas relações de trabalho.

A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa é um assunto superado nas relações de trabalho após o julgamento do Recurso Extraordinário 958.252-RG pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou lícita essa modalidade de contratação.

A recente decisão proferida pela Suprema Corte abre um caminho importante quanto ao contrato de trabalho de trabalhadores hipersuficientes, como é o caso dos médicos, que geralmente prestam serviços para outras empresas e que possuem uma grande capacidade de negociação.

Sobre esse tema merece destaque parte do voto do Excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso no acórdão objeto da presente análise:

"(...)

Aqui, não acho que estejamos diante de uma questão de proteção de direitos trabalhistas propriamente, inclusive porque não estamos lidando com hipossuficientes que precisam ser substituídos ou representados pelo Ministério Público do Trabalho. Estamos lidando com médicos que, inclusive, e com muita frequência, têm diversos trabalhos e, portanto, não têm uma subordinação direta a um único empregador, a um único hospital ou a uma única empresa de saúde. Constituem empresas para ter um regime tributário melhor - uma decisão tomada por pessoas informadas e esclarecidas, e não hipossuficientes.

(...)

Tanto a terceirização da atividade-fim, genericamente, quanto a própria chamada pejotização, no caso particular, são toleradas pela legislação brasileira. Há aqui a essência da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em dois casos já reiteradamente citados.

(...)

Repito que, se estivéssemos diante de trabalhadores hipossuficientes, em que a contratação como pessoa jurídica fosse uma forma, por exemplo, de frustrar o recebimento do fundo de garantia por tempo de serviço ou alguma outra verba, aí acho que uma tutela protetiva do Estado poderia justificar-se. Gostaria de lembrar que não são só médicos, hoje em dia - que não são hipossuficientes -, que fazem uma escolha esclarecida por esse modelo de contratação. Professores, artistas, locutores são frequentemente contratados assim, e não são hipossuficientes. São opções permitidas pela legislação." Sem destaque no original.

A decisão abre uma discussão quanto ao poder de negociação do trabalhador hipersuficiente, tendo o Ministro redator do julgado abordado uma situação de pejotização e não de terceirização pura, que seria aquela onde o trabalhador é contratado para prestar serviços por uma empresa interposta. Nesse último caso, o empregado é contrato e tem seus direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

O voto vencido da Excelentíssima Ministra Rosa Weber faz a abordagem quanto a diferença dos temas levantados. Em suas razões deixa clara a situação de terceirização e contratação de trabalhador autônomo, também conhecida como pejotização. No caso analisado, para a Ministra, se referia a uma clássica pejotização, já que os médicos eram contratados como autônomos ou por meio de pessoa jurídica.

Após o advento da lei 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista, vem se observando um grande número de contratações por meio da constituição de uma pessoa jurídica, através de contratos de prestação de serviços.

De fato, a reforma trabalhista trouxe uma modernização nas relações trabalhista, abordando possibilidades de negociação entre empresas e empregados considerados hipersuficientes.

Temos como exemplo o parágrafo único do art. 444 da CLT, o qual estende a possibilidade de negociação nos moldes dos acordos coletivos aos empregados que tenham diploma de nível superior e que receba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Nesse caso, trabalhadores que recebam acima de R$ 15.437,38 e que tenham curso superior, são tratados pelo legislador como hipersuficientes, ou seja, capazes de negociar com maior autonomia com seus empregadores.

Contudo, o que se observa é que a flexibilização trazida pelo legislador se refere a empregados. Analisando a norma legal, não se observa qualquer modificação significativa que implique em flexibilização dos arts. 2º e 3º da CLT, tampouco o art. 9º do mesmo dispositivo.

O conceito de empregado está esquadrinhado no art. 3° da CLT, o qual estabelece ser toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário.

Já o conceito de empregador está descrito no art. 2º da CLT, o qual considera empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

É sabido que para a caracterização da relação de emprego é essencial que a prestação dos serviços seja feita pelo empregado com pessoalidade. Sobre o assunto leciona Sérgio Pinto Martins, em seus comentários sobre a CLT, pág. 40:

"Pessoalidade. A prestação de serviços deve ser feita pelo empregado com pessoalidade ao empregador. O contrato de trabalho é feito com certa pessoa, daí se dizer que é intuitu personae. O empregador conta com certa pessoa específica para lhe prestar serviços. Se o empregado faz-se substituir constantemente por outra pessoa, como por um parente, inexiste o elemento pessoalidade na referida relação. Esse elemento é encontrado na parte final da definição de empregador (art. 2º da CLT) e não no art. 3º da CLT."

Outro requisito para configuração do vínculo empregatício é a não eventualidade, caracterizada pela situação em que o empregado presta serviços de maneira contínua, ou seja, em quase todos os dias da semana. A jurisprudência tem entendido habitualidade como a situação em que o serviço é prestado mais de duas vezes na semana.

Salário é um requisito comum a toda e qualquer prestação de serviços, seja ela de trabalho ou emprego, não sendo um requisito essencial para configuração do vínculo, mas necessária sua presença.

O requisito essencial para a caracterização da relação de emprego é a subordinação, pela qual o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho.

A subordinação consiste na atuação do empregador, exercendo seu poder diretivo, comandando o serviço desempenhado pelo empregado, fiscalizando seu trabalho, exigindo a produção de resultados e punindo-lhe as faltas.

 A distinção fundamental entre o empregado e o trabalhador autônomo reside, básica e efetivamente, na subordinação. A autonomia se expressa pela independência quanto ao tempo e ao espaço da atuação dentro da zona de trabalho atribuída para a realização do trabalho, a existência de uma organização própria e mínima, bem como a assunção dos riscos do negócio.

O autônomo trabalha sem se subordinar a horários e rotinas impostas pelo contratante, ou seja, valendo-se de meios próprios para a execução dos serviços.

A decisão analisada aborda claramente uma situação muito peculiar, onde não há uma avaliação aprofundada quanto a existência de subordinação entre os médicos e hospitais. Ao contrário, o Excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso menciona a subordinação direta, mas que essa não se daria a um único empregador.

O entendimento predominante até o momento na Justiça Trabalhista é de que estando presentes os requisitos do art. 3º da CLT, pouco importaria a formalização através de contrato ou mesmo por meio de pessoa jurídica.

Isso porque vigora no direito do trabalho o princípio da primazia da realidade sobre as formas, estampado no art. 9º da CLT, que estabelece a nulidade dos atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas.

A CLT até trouxe, quando de sua última reforma, a previsão da contratação do autônomo. O art. 442-B estabelece que cumpridas todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afastaria a qualidade de emprego prevista no art. 3º da CLT.

Ocorre que estando presente a subordinação jurídica, requisito essencial para configuração da relação de emprego, o contrato de prestação de serviço como autônomo seria, até então, facilmente anulado em uma eventual ação judicial.

A questão aberta pela Primeira Turma da Suprema Corte pode levar a um novo entendimento quando não se referir a uma relação de trabalho envolvendo um hipossuficiente, como nos casos de médico, advogados, engenheiros ou mesmo diretores de grandes empresas.

O certo é que o empregador deve agir com muito cuidado no momento da contratação, vez que a decisão analisada foi tomada por uma das turmas da Suprema Corte, onde três ministros votaram a favor da licitude de uma suposta contratação de médicos por meio de uma pessoa jurídica e outras duas ministras votaram para reconhecer a ilicitude.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal é composto por onze ministros, podendo haver um novo posicionamento caso o mesmo assunto chegue ao plenário da corte.

Mas é certo que a decisão abre caminho para uma discussão importante, que seria a modalidade de contratação de trabalhadores hipersuficientes, os quais, em tese, possuem um maior poder de negociação frente as empresas contratantes.

Portanto, havendo dúvida quanto a melhor forma de contratação, o ideal é procurar um especialista na área trabalhista, o qual é capaz de mensurando todos os riscos envolvidos no negócio.

Ernane de Oliveira Nardelli

Ernane de Oliveira Nardelli

Advogado sócio da Jacó Coelho Advogados. Tem especialização em Direito Civil e Processo Civil pela ATAME/GO; especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ATAME/GO e LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

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