Como é a Síndrome de Estocolmo
A vítima se vê incapaz de abandonar o abusador, mesmo que possua mecanismos suficientes para tal.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023
Atualizado às 14:41
A Síndrome de Estocolmo explica por que a vítima, em contexto de terror, e crendo que o desfecho irá acontecer, interpreta o gesto do agressor como um ato de amor para com ela. Ela pode se apresentar em diferentes contextos, como nas relações familiares, românticas, interpessoais, onde o abusador se encontra em uma posição de controle e autoridade.
As características se instauram, frente às seguintes condições:
- Eventos traumáticos: assalto, sequestro, roubo, abuso sexual, violência, acidente, catástrofe sendo estes em contexto com ameaça física ou psicológica.
- Crença de que o desfecho irá acontecer.
- A vítima, no contexto de terror, percebe um mínimo gesto de atenção, carinho, amabilidade, gentileza e outros por parte do agressor.
- Sentimento de impotência para escapar.
Quando uma pessoa experiencia esta situação em que sua existência fica completamente dependente de outro indivíduo, que detêm o poder, podendo ser até de vida ou morte sobre ela, pode e ocorre de ser estabelecida uma relação de dependência psicológica entre a vítima e o agressor.
Nesse cenário, a vítima pode estabelecer uma espécie de paixão ou amor decorrente de um processo inconsciente de autopreservação, que possuiu o mecanismo, mais evidente pela idealização, expressa pela identificação projetiva onde características pessoais do abusador são absorvidas pela vítima.
A Síndrome de Estocolmo corresponde a um conjunto de características relacionadas a um determinado estágio psicológico, particularmente associado a situações de tensão, medo ou mesmo tortura. A vítima, por vivenciar todos os medos, frustrações e anseios dentro da situação, passa a criar afeto positivo pelo seu agressor.
Trata-se de um estado psicológico em que a vítima é submetida a uma série de episódios em que há sentimentos como medo e tensão, devido a: um longo período em cárcere, vivências crônicas de violência doméstica, intenso sofrimento mediante violência psicológica ou relacionamento abusivo, sendo irrelevante o tempo em que esses abusos perduraram.
As características pessoais da vítima podem ser internalizadas pelo agressor, como uma maneira de manter o controle da situação e de se defender de um mal grave e inesperado que possa ser causado à vítima.
A vítima que padece de Síndrome de Estocolmo apresenta como algumas das seguintes características:
- Mantêm um vínculo bidirecional com o agressor.
- Sente-se agradecida pelos mínimos favores do algoz.
- Nega ou racionaliza as agressões contra ela promovidas.
- Não consegue sentir ódio contra o agressor.
- Fica em constante estado de alerta, para satisfazer as necessidades do agressor e deixá-lo contente.
- Percebe as pessoas que desejam ajudá-la como más e o agressor como bom.
- Sente-se como se o agressor a protegesse e cuidasse.
- Tem dificuldades de abandonar o agressor, mesmo depois de estar livre.
- Apresenta medo de que o agressor volte por causa dela, mesmo depois de preso ou morto.
A vítima que desenvolve essa síndrome sendo ela constatada por um profissional, dificilmente conseguirá sair do ciclo de violência - física ou psicológica - em que seu agressor a submete. Tornando-se a certo ponto incapaz de oferecer queixa ou até mesmo prosseguir com um processo contra o agente das agressões. Porém, embora seja dificultoso não é impossível.
O universo em que envolve a psicologia jurídica, bem como a vitimologia é algo vasto e pouco explorado.
A síndrome de Estocolmo embora aconteça de forma mais corriqueira do que se possa imaginar, não é uma condição em que tende a ser pesquisada nos trabalhos periciais. Esta vem ganhando altas dimensões com a ascensão do espaço ativo feminino e do crescente número de adeptos a defender vítimas dependentes de tal síndrome.
A metodologia mais indicada para constatar a presença da Síndrome de Estocolmo ainda é a hipotético-dedutiva. Ocorre mediante da constatação de dependência e dissolução do ciclo vicioso, que resulta do medo e tensão causados pela violência, tortura ou cárcere.
Por se tratar de assunto tão delicado para as vítimas, para a preservação da intimidade e da integridade física dispensa-se pesquisas diretas, a fim de evitar a revitimização, focando nas pesquisas buscas e desenvolvimentos empíricos por profissionais especializados da área.
O ciclo evidenciado nos casos em que a Síndrome de Estocolmo está presente se evidencia pelas seguintes etapas:
- Aumento de tensão: o agressor apresenta-se tenso, irritado e com raiva. Humilha e ameaça a vítima.
A vítima por sua vez, evita atitudes que possam desagradá-lo. A negação da vítima justifica os comportamentos violentos do agressor.
- Ato de violência: a falta de controle do agressor diante da tensão resulta no aumento dos comportamentos violentos.
A vítima sente ódio, vergonha e ansiedade e por um breve período pensa em tomar decisões mais ajustadas, em busca de ajuda, embora não consiga sustentar e operacionalizar esse desejo.
- Arrependimento e Comportamento carinhoso: conhecida como a fase da "lua de mel".
Nesse estágio o agressor demonstra arrependimento para a vítima, tornando-se uma pessoa amável, visando reconciliação.
A vítima que antes estava pressionada e temerosa se sente aliviada, feliz e grata pela mudança de comportamento do agressor. Existe um misto de culpa e medo, fazendo com que a tensão volte e por consequência as agressões, e o ciclo se reinicia.
Com a realização do ciclo por inúmeras vezes, a vítima se vê incapaz de abandonar o abusador, mesmo que possua mecanismos suficientes para tal. A condição psicológica em que a síndrome a coloca faz com que esta acredite nas palavras do sujeito e sinta-se protegida e amada por ele, esperando a todo instante a recompensa prometida e buscando sua aprovação.
Elise Karam Trindade
psicóloga inscrita no CRP sob nº 07/15.329; graduada em Psicologia (Universidade Luterana do Brasil - ULBRA); especializada em técnicas psicoterápicas psicanalíticas com crianças e adolescentes (NUSIAF - Universidade de Coimbra, Portugal); diplomada em Estudos Avançados (DEA - Universidade da Extremadura, Espanha); doutoranda na área de intervenção psicológica em saúde e educação (Instituto Superior Miguel Torga, Portugal); especialista em Psicologia Forense (IMED); Neuropsicóloga (Hospital Albert Einstein - São Paulo) e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica (SBPJ), com atuação técnica indireta.