MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho

A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho

Yara Leal Girasole e Mariana dos Santos Silva

A intenção do legislador não é e nunca foi condicionar o incidente ao simples inadimplemento da empresa principal, mas sim, penalizar o abuso da personalidade jurídica.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Atualizado às 13:18

A Justiça do Trabalho é conhecida por ter procedimentos céleres e efetivos, já que as verbas trabalhistas têm caráter alimentar, que garantem o sustento e a sobrevivência digna do trabalhador.

Como consequência dessa premissa, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é utilizado, na Justiça do Trabalho, como ferramenta para atingir o pagamento das verbas devidas por meio do patrimônio dos sócios.

A Reforma Trabalhista (lei 14,749/17), incluiu o art. 855-A na CLT, que estipulou regras e procedimentos prévios ao bloqueio ou a restrição de valores ou bens dos sócios, os quais, não raras vezes, sofriam com ações cruéis da Justiça do Trabalho, que geravam graves consequências na vida dos empresários, pessoas físicas com responsabilidades sociais, pessoais, familiares e profissionais!

Na prática, o pedido de incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser instaurado na instrução processual (fase de conhecimento do processo), quando a devedora principal apresenta histórico recente de inadimplementos e insolvência.

Quando falamos de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução trabalhista, com decisão condenatória definitiva, o processo já sofreu com inúmeras ferramentas frustradas de pagamento do crédito do trabalhador, pois a empresa reclamada não pagou a dívida decorrente da condenação e o juiz já expediu ofício a convênios como Bacenjud, Renajud e Infojud, e os resultados dessas medidas não trouxeram respostas suficientes ou positivas para o pagamento integral do débito.

Entrando no mérito do tema, a base para a desconsideração da personalidade jurídica surgiu com o Direito do Consumidor, em que a mera insolvência da pessoa jurídica autoriza o redirecionamento da execução para os sócios da empresa, nas pessoas físicas (Teoria Menor).

Já no Direito Civil, para que ocorra o deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, é necessário que estejam presentes um dos elementos do art. 50 do CC, quais sejam: (i) abuso da personalidade jurídica, (ii) desvio de finalidade ou (iii) confusão patrimonial (Teoria Maior).

Destaca-se que o intuito do legislador ao criar o incidente para a desconsideração da personalidade jurídica era de coibir mecanismos relacionados ao uso abusivo da autonomia da personalidade jurídica para atos ilícitos em detrimentos dos direitos daqueles que se relacionam.

Neste sentido, caso a empresa reclamada venha a se tornar insolvente e os sócios sejam incluídos no polo passivo na demanda trabalhista, é necessário averiguar a existência de causas elementares relacionadas ao abuso de personalidade ou desvio de finalidade, ou se trata de situação oriunda de força maior, caso fortuito ou má-administração.

Um exemplo recente de caso fortuito é a pandemia do Novo Coronavírus, que por circunstâncias alheias à vontade do empreendedor, os seus negócios decaíram, já que a circulação de vendas no comércio diminuiu ou estagnou. Neste contexto pandêmico muitas empresas tornaram-se insolventes e aumentaram o passivo trabalhista, tornando-se comum a inclusão dos sócios nas demandas judiciais para responderem pelas dívidas da empresa.

No exemplo da pandemia do Novo Coronavírus, se utilizarmos da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, verifica-se que não há elementos suficientes para a responsabilização dos sócios. Contudo, segundo a Teoria Menor, a ausência de pagamento de dívidas trabalhistas pela pessoa jurídica já é suficiente para que o débito seja direcionado e pago pela pessoa física do sócio.

Nestas condições, entendemos que a Teoria Maior merece entendimento prevalente Justiça do Trabalho, já que somente as condições dispostas no art. 50 C.C justificam o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, até porque a intenção do legislador não é e nunca foi condicionar o incidente ao simples inadimplemento da empresa principal, mas sim, penalizar o abuso da personalidade jurídica, o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

Yara Leal Girasole

Yara Leal Girasole

Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com Pós-graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP.

Mariana dos Santos Silva

Mariana dos Santos Silva

Advogada no escritório HSVL Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca