O princípio constitucional da isonomia como fator determinante para aplicação dos efeitos jurídicos da filiação socioafetiva
Somente com a Constituição Federal de 1988 é que todos os filhos puderam ter direitos sucessórios, porque antes existia distinção entre os filhos, e alguns não podiam ser os herdeiros dos seus pais. Os filhos adotivos só possuíam direito à metade do que o filho legítimo tinha direito. Como podemos visualizar, hoje não são feitas tais distinções.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023
Atualizado às 08:09
A filiação socioafetiva traz em seu escopo efeitos jurídicos em relação à paternidade. Desta forma, o filho socioafetivo é considerado filho e por essa razão essa relação é constituída de direitos.
Destarte, a filiação socioafetiva quando é construída não poderá ser desconstituída posteriormente.Isso serve para proteger o filho que é o elo mais fraco dessa relação. Tomando como exemplo casos em que o filho socioafetivo é abandonado pelos pais, importante analisar esses casos pela ótica do filho que teve uma história de vida, sabia exatamente quem era sua família e de repente se ver diante da situação que não existe mais isso. O filho que passou anos e anos sendo considerado como filho de alguém e depois, de repente, deixa de existir essa referência, é algo traumatizante!
Portanto, para garantir os direitos desses filhos, a filiação socioafetiva também possui efeitos jurídicos a partir da construção do vínculo paterno-filial.
A ação de investigação da filiação socioafetiva serve para que a filiação seja reconhecida judicialmente e assim garantir que os filhos socioafetivos possuam direitos que estão estabelecidos na legislação brasileira.
Essa ação de investigação da filiação socioafetiva pode ser feita através de ação declaratória ou investigatória de paternidade/maternidade. O autor Christiano Cassettari (2014) entende que as duas formas podem ser utilizadas, entretanto, tem preferência pela ação declaratória já que essa garante que outras pessoas possam ter legitimidade para ingressar com a ação. Já a investigatória possui caráter personalíssimo, sendo assim, somente os filhos possuem legitimidade para mover a ação. Outra forma para a investigação de paternidade/maternidade ocorre com a ação de alimentos.
Importante lembrar que no passado a mãe foi tida como sempre certa, e o pai como incerto. Com o avanço da tecnologia em relação à reprodução, não podemos mais fazer uso da expressão mater is est, agora que contamos com a implantação da técnica de reprodução chamada maternidade de substituição.
Ademais, Essa técnica trata- se de uma nova terminologia para uma técnica bastante conhecida na sociedade como "barriga de aluguel". É necessário dizer que a mãe substituta não pode obter vantagens econômicas para realizar o procedimento, e é aconselhável que ela seja da família das pessoas que serão os verdadeiros pais da criança. Ela sempre é apenas a genitora, a mãe será a que tiver a relação socioafetiva com o filho.
Por isso, atualmente a ação de investigação de filiação socioafetiva serve tanto para o reconhecimento do pai quanto da mãe. Ainda mais devido a maior movimentação dos tribunais para que seja constituída a filiação socioafetiva, diminuindo a prevalência do vínculo biológico nos tribunais brasileiros.
Quando se tem a irrevogabilidade da adoção, e ela é uma das espécies de filiação socioafetiva, por analogia, podemos considerar também que a filiação socioafetiva não pode ser desfeita, tornando-se assim, irrevogável.
A jurisprudência tem o entendimento de que não é possível a impugnação da filiação socioafetiva:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA. DESCONSTITUIÇÃO DA FILIAÇÃO PELA NULIDADE DO ASSENTO DE NASCIMENTO. RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO E CONSCIENTE DA PATERNIDADE. VÍCIO DE CONSENTIMENTO INEXISTENTE. REALIZAÇÃO DE TESTE DE PATERNIDADE POR ANÁLISE DE DNA. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE SÓLIDO VÍNCULO AFETIVO POR MAIS DE 23 ANOS. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA DEMONSTRADA. DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE VEDADA.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É irrevogável e irretratável a paternidade espontaneamente reconhecida por aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o pai biológico da criança, mormente quando não comprova, estreme de dúvidas, vício de consentimento capaz de macular a vontade no momento da lavratura do assento de nascimento. A filiação socioafetiva, fundada na posse do estado de filho e consolidada no afeto e na convivência familiar, prevalece sobre a verdade biológica. (TJ- SC - AC: 50504 SC 2011.005050-4, Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 10/05/2011, Terceira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Lages)
Ademais, o art. 1.610 do Código Civil assegura que uma vez sendo reconhecido o filho, a filiação não mais pode ser desfeita, nem com testamento.
A partir do momento que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a igualdade jurídica entre os filhos, entendemos que os filhos socioafetivos estão incluídos nessa igualdade. Com isso, se os filhos biológicos e os adotivos possuem o direito de pedir alimentos aos pais, esse direito deve ser estendido para os filhos socioafetivos.
O entendimento da jurisprudência é que os filhos possuem direito a pedir alimentos. É o que diz o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. VERBA ALIMENTAR PROVISÓRIA. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. Ainda que o exame de DNA tenha concluído pela ausência de parentesco entre as partes, o laudo não tem o condão de afastar possível vínculo socioafetivo, questão que depende de ampla dilação probatória, para oportuna sentença. Não estando afastada a paternidade socioafetiva, devem ser mantidos hígidos os deveres parentais, dentre os quais o de prestar alimentos ao filho, mormente recém iniciada a ação negatória da paternidade. (TJ-RS - AC: 70039710645 RS , Relator: Roberto Carvalho Fraga, Data de Julgamento: 11/05/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/05/2011)
Consoante a isso é o que diz o art. 229 da Constituição Federal que assevera que os pais precisam assistir os filhos menores na educação, criação e sobrevivência, incluindo-se o aspecto financeiro, assim como filhos precisam assistir os pais na velhice, quando se encontram enfermos ou carentes. Baseado nisso é que é esposado o entendimento é que os pais socioafetivos também possam pedir alimentos aos seus filhos socioafetivos.
A parentalidade não existe só entre os pais e os filhos, ela é levada para toda a família, isso faz com que o art. 1.694 do Código Civil que assevera a obrigação de dar alimentos não exista só entre pais e filhos, mas também exista entre parentes no âmbito da filiação socioafetiva.
Somente com a Constituição Federal de 1988 é que todos os filhos puderam ter direitos sucessórios, porque antes existia distinção entre os filhos, e alguns não podiam ser os herdeiros dos seus pais. Os filhos adotivos só possuíam direito à metade do que o filho legítimo tinha direito. Como podemos visualizar, hoje não são feitas tais distinções.
Por conta dessa igualdade jurídica entre os filhos, o entendimento é que os filhos socioafetivos também possuem direito à herança do de cujus com quem foi estabelecida uma parentalidade socioafetiva.
Relevante explicitar que tais filhos socioafetivos possuem direito à herança, mas a parentalidade não pode ser baseada em interesses econômicos. A filiação socioafetiva é fruto somente do afeto, o amor é o elo que liga as pessoas.
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 08 agosto 2022.
Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2014.
TJ-RS - Apelação Cível: 70039710645 RS , Relator: Roberto Carvalho Fraga, Data de Julgamento: 11/05/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/05/2011. Disponível em:
TJ-SC - Apelação Cível: 50504 SC 2011.005050-4, Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 10/05/2011, Terceira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Lages. Disponível em:
Marcus Vinicius Alencar Barros
Advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário na Universidade Estácio.
Nadejda Ferres
Advogada associada do escritório Barreto Dolabella Advogados. É graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e pós-graduada em Direito Previdenciário e Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale. A profissional cursa Especialização em Prática Previdenciária e Marketing Digital Jurídico na Faculdade Legale e Gestão, Empreendedorismo, Tecnologia.