Programa de compliance e a mitigação de riscos no âmbito jurídico: a aplicação efetiva para a exclusão de responsabilidade civil
O compliance está inserido no contexto de administração de riscos que as instituições estão inseridas, sendo essencial a aplicação de medidas, tanto preventivas, como reativas, para a redução do risco do negócio.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2022
Atualizado às 09:08
O presente artigo tem como objetivo a análise da aplicação do compliance como ferramenta hábil para a exclusão da responsabilidade civil, visto que a efetiva aplicação pode ensejar no afastamento do nexo de causalidade entre o fato e o dano causado.
Para melhor análise sobre a mitigação de risco, e exclusão da responsabilidade civil da pessoa jurídica, se faz necessário primeiramente conceituar o termo compliance e os requisitos de responsabilidade civil.
O significado da palavra compliance é estar em conformidade. Todavia, o simples significado traz um conceito amplo, sendo que no âmbito corporativo significa estar em conformidade com normas, leis, regulamentos, políticas e diretrizes internas da corporação.
Do conceito supracitado se extraí os objetivos desta ferramenta, quais sejam: reativo e preventivo. Ou seja, a sua aplicação deve-se buscar a prevenção de condutas ilegais, e na hipótese do seu descumprimento, a aplicação de medidas corretivas.
Desta forma, o compliance está inserido no contexto de administração de riscos que as instituições estão inseridas, sendo essencial a aplicação de medidas, tanto preventivas, como reativas, para a redução do risco do negócio.
Nesta linha de raciocínio, a Febran - Federação Brasileira de Bancos elaborou um guia de "Boas Práticas de Compliance", e entre os assuntos dispostos no manual, merecem destaque dois pontos1:
i) Não existe um modelo padrão de abordagem de risco, isto porque, esta deve ser realizada conforme o modelo de negócio, risco e o ambiente regulatório que a instituição esteja sujeita.
ii) O compliance possui algumas áreas, sendo que para o debate em questão, merece ser mencionado o compliance e o jurídico, ou seja, um departamento jurídico que entre suas funções elabora parecer em relação aos riscos legais que envolvem determinado produto, utilizando-se como parâmetro a doutrina e jurisprudência.
Isto posto, entre as áreas que o compliance está inserido, a corporação deve analisar os riscos legais no âmbito jurídico, e como consequência, a eventual responsabilização civil.
A responsabilidade civil está prevista no Título IX entre os artigos 927 a 954 do Código Civil, e como regra geral, aplica-se a responsabilidade subjetiva, ou seja, para acarretar o dever de indenizar do agente, deve haver comprovação da culpa, nexo de causalidade e o dano.
Esclarece-se que o artigo 927, parágrafo único, do mesmo diploma legal, há a ressalva de casos específicos em que não é necessário a comprovação de culpa, caracterizando-se, assim, a responsabilidade civil objetiva, destacando-se quando há aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Em ambos os tipos de responsabilidade civil há a previsão de excludente de nexo de causalidade: (i) culpa exclusiva da vítima; (ii) fato de terceiro e (iii) caso fortuito e força maior. Nota-se que hipóteses supracitadas não há previsibilidade do ato ilícito e do evento danoso.
Assim, a organização ao aplicar mecanismos de compliance, deve implementar uma série de procedimentos, a fim de evitar condutas ilegais, ou mesmo, na hipótese de ocorrê-los, que seja minorado qualquer dano, pois importante mencionar que sua aplicação não necessariamente reduz os riscos a zero.
Nesta linha, para análise de exclusão de nexo de causalidade, com a aplicação do compliance, deve ser observado se o evento danoso tinha previsibilidade, ou se trata de uma conduta isolada.
Sobre evento danoso imprevisível pode ser mencionado, por exemplo, casos de análise sobre a responsabilidade civil de instituições bancárias na hipótese de boleto falso. Nesse exemplo, por mais que a instituição bancária adote medidas preventivas contra fraude, em muitos casos, a falsificação do boleto é realizada fora do âmbito da atuação da instituição, de modo que não haveria nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano causado pelo fraudador.
Destaca-se que entender que um programa de compliance efetivo, além de afastar a excludente de responsabilidade de instituições, também é uma forma de fomentar o aprimoramento das medidas.
Nas palavras de Marcelo Alexandre Andrade de Almeida, considerar o programa de compliance como excludente de responsabilidade civil é uma forma de incentivo de sua própria aplicabilidade:
"Considerar o compliance como mecanismo excludente de nexo de causalidade da responsabilidade civil funciona como mecanismo de incentivo para que as empresas os adotem. Ora, o investimento na implementação do mecanismo de compliance não pode ser em vão, devendo ser prestigiado. A realidade do mercado contemporâneo necessita de atitudes regulatórias que fomentem benefícios de longo prazo. Gerar mecanismos de compliance ineficientes para valorizar de forma imediata as ações na bolsa pode não ser recompensador se, dias depois, se descobrir condutas fraudulentas em emissões de valores mobiliários que se desvalorizam na sequência."2
Portanto, no caso concreto, a análise da aplicação efetiva do compliance para a constatação de responsabilidade civil torna-se um assunto relevante, tanto no aspecto de constatar se há conduta ilícita, o qual a corporação teria previsibilidade para evitar tal prática, como para fomentar o aperfeiçoamento da ferramenta de compliance como ferramenta de desenvolvimento para ensejar a redução e prevenção de condutas ilegais, que possam ocorrer a depender do modelo de negócio da corporação.
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ALMEIDA, M. A. O compliance efetivo como exclusão da responsabilidade civil. REVISTA FOCO, [S. l.], v. 14, n. 1, p. e40, 2021. DOI: 10.21902/jbslawrev. foco.v14i1.40. Disponível em: https://revistafoco.emnuvens.com.br/foco/article/view/40. Acesso em: 5 jun. 2022.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 05 jun. 2022.
FEBRAN (Brasil). GUIA | BOAS PRÁTICAS DE COMPLIANCE. 2018. Disponível em:https://cmsarquivos.febraban.org.br/Arquivos/documentos/PDF/febraban_manual_compliance_2018_2web.pdf. Acesso em: 05 jun. 2022.
MORAES, Rodrigo Jorge. A responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Contextualização histórico-evolutiva, características e aspectos distintivos, modalidades, aplicabilidade no direito privado, público e difuso. 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/284802/a-responsabilidade-civil-subjetiva-e-objetiva--contextualizacao-historico-evolutiva--caracteristicas-e-aspectos-distintivos--modalidades--aplicabilidade-no-direito-privado--publico-e-difuso. Acesso em: 05 jun. 2022.
TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Editora Método, 2018.
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1 - FEBRAN (Brasil). GUIA | BOAS PRÁTICAS DE COMPLIANCE. 2018. Disponível em: https://cmsarquivos.febraban.org.br/Arquivos/documentos/PDF/febraban_manual_compliance_2018_2web.pdf. Acesso em: 05 jun. 2022.
2 - ALMEIDA, M. A. O compliance efetivo como exclusão da responsabilidade civil. REVISTA FOCO, [S. l.], v. 14, n. 1, p. e40, 2021. DOI: 10.21902/jbslawrev. foco.v14i1.40. Disponível em: https://revistafoco.emnuvens.com.br/foco/article/view/40. Acesso em: 5 jun. 2022, p. 16.