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Os guardas municipais têm direito ao porte de arma?

Com efeito, a posição ocupada pelas Guardas Civis no cenário da segurança pública nacional é bastante controversa.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Atualizado às 15:19

Como se sabe, as Guardas Civis Municipais (GCMs) possuem a importante incumbência de proteção dos bens, serviços e instalações dos Municípios brasileiros. É o que prevê o §8º do art. 144 da CF/88.

A disposição acima é repetida pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais (lei 13.022/2014), que, em seu art. 4º, estabelece como sendo de "competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações dos municípios".

Além disso, o sobredito Estatuto prevê uma série de atribuições específicas das GCMs, a exemplo da colaboração integrada com os órgãos de segurança pública em ações conjuntas, capazes de contribuir para a paz social (art. 5º, inciso V).

Com efeito, a posição ocupada pelas Guardas Civis no cenário da segurança pública nacional é bastante controversa.

Recentemente, a 6ª Turma do STJ, em paradigmático julgamento, de relatoria do Min. Rogerio Schietti, asseverou que: "a Constituição Federal de 1988 não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem verdadeiras 'polícias municipais', mas tão somente a proteção do patrimônio municipal [...]. A exclusão das guardas municipais do rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública (incisos do art. 144 da Constituição) decorreu de opção expressa do legislador constituinte - apesar das investidas em contrário - por não incluir no texto constitucional nenhuma forma de polícia municipal1".

Na ocasião, a Corte, demonstrando preocupação com a expansão desenfreada das atribuições das Guardas Municipais em muitas cidades brasileiras, pontuou que seus agentes possuem função "sui generis de segurança", porquanto, ainda que não possam realizar "tudo que é autorizado às policias [...], também não estão plenamente reduzidos à mera condição de 'qualquer do povo'; são servidores públicos dotados do importante poder-dever de proteger o patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações".

No STF, por sua vez, a delimitação das atribuições das Guardas Municipais será enfrentada no Recurso Extraordinário n. 608.588/SP, com repercussão geral conhecida (Tema 656), e no qual se discute o alcance do art. 144, §8º.

A divagação realizada nas linhas pretéritas é de suma importância para uma melhor compreensão do questionamento realizado no título do presente artigo.

O Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/03) indica, em seu art. 6º, ser proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, exceto para os casos previstos em legislação própria e para:  

[...] III - os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento da Lei 10.826/03; IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; [...]

Uma análise atenta dos incisos indicados acima conduz a três conclusões.

Para o texto legal: (a) os membros da GCMs de capitais e municípios com mais de 500 mil habitantes podem ter o porte geral, ou seja, durante o serviço e fora dele; (b) os membros das GCMs de municípios com mais de cinquenta mil e menos de quinhentos mil habitantes só têm direito ao porte de arma quando em serviço e; (c) os integrantes das GCMs de municípios com menos de cinquenta mil habitantes não terão o porte de arma, tanto em serviço quanto fora dele.

Diante disso, indaga-se o seguinte: a distinção feita pelo Estatuto do Desarmamento é constitucional? Condicionar o porte de armas pelos guardas municipais ao número de habitantes locais é compatível com o Texto Constitucional?

A questão foi objeto de recente apreciação pelo STF.2

Para a Suprema Corte, os critérios adotados pelo Estatuto do Desarmamento, além de não serem razoáveis, ferem a isonomia. Afinal, segundo demonstrado pelo Min. Alexandre de Moraes, "dados estatísticos oficiais confirmam que a população de um município não é um critério decisivo para aferir a necessidade de maior proteção da segurança pública".

Ou seja, o Pretório criticou a escolha feita pelo legislador (pautada unicamente no número de habitantes), critério considerado aleatório, sem qualquer respaldo técnico-científico.

Por isso que, na linha da argumentação indicada nas linhas acima, o STF declarou a inconstitucionalidade do inciso III do art. 6º do Estatuto do Desarmamento, invalidando as expressões "das capitais dos Estados" e "com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes", bem como também declarou como sendo inconstitucional o inciso IV do art. 6º do Estatuto do Desarmamento.

Em resumo, decidiu o STF que:

Todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço, independentemente do número de habitantes do Município. STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021.

A bem da verdade, deveria o legislador ter estabelecido critérios baseados em dados técnicos extraídos, por exemplo, da quantidade e da gravidade de ocorrências policiais; circunstâncias revestidas de menor aleatoriedade do que aquelas afetas aos índices demográficos.

Por fim, mesmo a partir da orientação firmada pelo STF, é benfazejo ressaltar que o porte de armas pelos guardas municipais não se dá de modo amplo e irrestrito, ficando condicionado à formação de seus membros em estabelecimento de ensino de atividade policial, bem como à existência de meios de fiscalização e controle interno, em condições fixadas por regulamento, observada a necessidade de supervisão pelo Ministério da Justiça (§3º, do art. 6º da lei 10.826/03 e arts. 29-A a 29-D do Decreto 9.847/03).

__________

1 STJ, REsp n. 1.977.119/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 23/8/2022.

2 ADI 5538, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, DIVULG 17-05-2021,  PUBLIC 18-05-2021.

Victor Emídio

Victor Emídio

Advogado Criminalista, professor e pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal. Criador de conteúdos jurídicos para a internet. E-mail: [email protected] e Instagram: @victoremidio.adv

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