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TCU decide pela impossibilidade de interpretação extensiva de norma administrativa sancionadora

Maria Augusta Rost, Mariana Ozaki Marra da Costa e Ana Paula Canova Abinajm

O direito administrativo sancionador está adstrito à legalidade. Não cabe interpretação extensiva das normas sancionadoras ou a sua aplicação por analogia.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Atualizado às 08:51

O direito administrativo sancionador está adstrito à legalidade. Não cabe interpretação extensiva das normas sancionadoras ou a sua aplicação por analogia.

Esse foi o entendimento recente do Tribunal de Contas da União ao rejeitar a proposta da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária e de Aviação Civil de imputação da gravosa penalidade de inidoneidade à empresa que teria manipulado informações nos estudos de viabilidade autorizados em Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).1

Na oportunidade, fixou-se que o PMI é um procedimento autônomo e que não pode ser entendido como parte integrante da fase interna da licitação. Logo, inaplicável a regra do artigo 46 da lei 8.443/922, que dispõe sobre a imputação da sanção de inidoneidade quando verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação.

De fato, a lei 14.133/21 estabelece que o PMI é um procedimento auxiliar das licitações públicas. Trata-se de um chamamento público em que a Administração manifesta o seu interesse no recebimento de estudos, investigações, levantamentos e/ou projetos de soluções inovadoras que contribuam com determinado processo licitatório. Tais documentos de utilidade para o certame estarão à disposição dos interessados, sendo que o vencedor do certame deverá ressarcir os dispêndios correspondentes, como especificado no edital.

Antes mesmo da edição da nova lei de licitações, o PMI já era regulamentado pelo decreto  8.428/15 com o propósito de se estabelecer o procedimento a ser utilizado para a obtenção dos subsídios necessários para auxiliar a Administração em processos complexos como aqueles de desestatização e de contratos de parcerias.  

Não há que se confundir, portanto, tal instrumento de consulta à iniciativa privada com a fase interna das licitações públicas, momento qualificado pela atuação exclusiva do órgão licitante na preparação e na instrução do processo licitatório e exaustivamente regulamentado no Capítulo II da lei 14.133/21.

Além disso, o plenário do TCU deixou claro que o PMI também não se confunde com o procedimento licitatório no sentido de que existe mera autorização precária para a realização dos estudos, projetos ou levantamentos e que não há direito de preferência no certame, eventual e futuro.

Ainda, tanto a lei de licitações como o decreto supracitado impõem à administração o dever de avaliar, técnica e juridicamente, os resultados do PMI, opinar e aprovar a sua legalidade, consistência e suficiência. Assim, os estudos podem ser rejeitados caso não atendam aos interesses da Administração, o que afirma a ausência de garantia do ressarcimento dos valores desprendidos ou mesmo de vinculação do poder público quanto aos resultados.

Logo, resta evidente que eventuais atos ilícitos ocorridos em PMI não se configuram automaticamente em fraude à licitação.

No julgamento, o TCU ainda ressaltou que, no tocante ao PMI, a lei 14.133/21 tipificou como crime as condutas de omitir, alterar ou entregar à administração um levantamento cadastral ou uma condição de contorno claramente distinto da realidade, de modo a prejudicar a competitividade da licitação ou a escolha da proposta mais vantajosa (art. 337-o do Decreto-Lei nº 2.848/1940).

Por outro lado, a prática de fraude a licitação foi tipificada de modo diferente pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, vide arts. 337-F, 337-I e 337-L do decreto-lei 2.848/403. Tal distinção é relevante, pois reforça ainda mais a diferença entre os procedimentos de manifestação de interesse e o licitatório.

Como sedimentado pelo STF4, o direito administrativo sancionador deverá ser tratado como uma autêntica expressão do jus puniendi estatal. Nesse sentido, o entendimento da Corte Federal de Contas andou bem ao ir ao encontro da jurisprudência do Supremo e do STJ5, que vedam a analogia in malam partem às normas sancionadoras.


1- Acórdão nº 2613/2022-Plenário. Representação nº 034.431/2018-7.

2- Cf. a redação: "Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal" (Lei nº 8.443/1992).

3- "Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.

[...] Art. 337-I. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de processo licitatório: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

[...] Art. 337-L. Fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante: I - entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais; II - fornecimento, como verdadeira ou perfeita, de mercadoria falsificada, deteriorada, inservível para consumo ou com prazo de validade vencido; III - entrega de uma mercadoria por outra; IV - alteração da substância, qualidade ou quantidade da mercadoria ou do serviço fornecido; V - qualquer meio fraudulento que torne injustamente mais onerosa para a Administração Pública a proposta ou a execução do contrato: Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.".

4- Rcl 41557, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 10/03/2021.

5- EREsp n. 441.573/SP, Relator Ministro José Delgado, Relatora para acórdão Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 12/3/2007.

Maria Augusta Rost

Maria Augusta Rost

Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e Sócia da Fenelon Barretto Rost Advogados.

Mariana Ozaki Marra da Costa

Mariana Ozaki Marra da Costa

Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB) e advogada do Barretto & Rost Advogados.

Ana Paula Canova Abinajm

Ana Paula Canova Abinajm

Estagiária do Barretto & Rost Advogados.

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