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Embargos de declaração e uma análise de caso concreto

Os embargos de declaração não podem ser interpretados como condutores de ampla revisão do julgado atacado, pois é um recurso estrito, de fundamentação positivada e vinculada.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Atualizado em 12 de dezembro de 2022 15:34

Os embargos de declaração possuem natureza jurídica de recurso, pois topograficamente posicionados na parte recursal tratada pelo Código de Processo Civil de 2015.

É uma espécie recursal utilizada em larga escala, sendo cabível contra qualquer decisão judicial recorrível.1

Em razão disso, é por vezes utilizado com um coringa, quando o jurisdicionado não foi beneficiado de determinada decisão, e, portanto, antes do recurso de fundo cabível, opõe os embargos, no intuito de rever os motivos da decisão impugnada.

Essa postura não é aceitável, principalmente pela jurisprudência consolidada pelos tribunais brasileiros, ao passo que o recurso em análise possui requisitos específicos e fundamentação vinculada.2

Os embargos de declaração têm a função, única e exclusiva, de esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão acerca de determinado ponto ou questão que o juiz deveria ter se manifestado de ofício ou a requerimento e corrigir erro material.

Além de ser amplamente utilizado em face de qualquer decisão judicial, o recurso tem o desiderato de provocar o próprio juízo prolator da decisão atacada, que deverá se pronunciar, acolhendo ou não os embargos, para aperfeiçoar a fundamentação e o dispositivo de pronunciamento viciado anteriormente proferido.

Importante ressaltar, em que pese jurisprudência que afasta o cabimento dos embargos de embargos de declaração em face de decisão que inadmite o recurso especial ou extraordinário, aqueles são oponíveis contra qualquer decisão judicial, por força legal. (3)

Esse posicionamento se revela inadequado, ao passo que os diversos julgados, a exemplo do item número3 nas referências ao final, apenas replicam que não são cabíveis os embargos ante a decisão que inadmite o recurso especial sem explicar as suas razões.

Nesse sentido, apenas não será manejável o aludido recurso nos casos de intempestividade ou manifesto descabimento.

Pois apenas nesses casos os embargos opostos não interromperão o prazo do agravo em recurso especial, razão pela qual esse agravo chegará intempestivo ao Superior Tribunal de Justiça, tendo sido pacificada a jurisprudência defensiva.

Os despachos excetuam-se a regra de recorribilidade dos embargos, em razão de não possuírem conteúdo decisório a ser sanado, portanto irrecorríveis.

Por não possuírem conteúdo decisório, não possuem o condão de serem integrados por posterior decisão.

Caso a parte possa sofrer algum prejuízo, pelo conteúdo exarado na decisão, então devemos entender alterada a natureza do despacho, sendo, de fato, uma decisão interlocutória.4

Questão interessante diz respeito ao efeito integrativo dos embargos de declaração. Após o proferimento da decisão que os julga, o ato recorrível passará a ser a decisão integrada.

O pronunciamento que acolhe os embargos não substitui aquele recorrido, mas o integra, transformando-se em apenas uma, privilegiando o efeito integrativo do recurso em detrimento até mesmo do efeito substitutivo.

Pois bem. São os requisitos autorizadores, incisos do art. 1.022, que causam certa confusão.

A obscuridade pode ser identificada quando a decisão é imprecisa, causando no operador uma dificuldade acerca do seu entendimento, tornando-a quando não impossível, de muito difícil compreensão pela sua falta de clareza.5

A contradição consiste em uma decisão conflitante, com premissas incompatíveis entre si.

Esse requisito pode ser identificado apenas no corpo da fundamentação de determinada decisão, bem como pela sua fundamentação em confronto com o seu dispositivo.

A omissão, consiste na falta de fundamentação sobre ponto controvertido nos autos e alegado pela parte. A literalidade do termo fala por si.

A simples falta de adesão do magistrado aos argumentos trazidos pela parte para solucionar a demanda, não é passível de enquadramento no termo omissão, autorizadora da interposição do recurso.

Omisso é aquele que deixou de se pronunciar sobre ponto controvertido ou pleiteado pela parte recorrente, em patente hipótese de prestação jurisdicional defeituosa.

O erro material, segundo os dizeres do atual código processual, pode ser questionado pela via dos embargos de declaração.

A meu ver, o inciso inova, mas de maneira vazia, ao passo que o mero erro material pode ser alegado por simples petição, até mesmo após o exaurimento da prestação jurisdicional oferecida pelo juiz.

Feito esse relato essencial e introdutório, é imprescindível dizer que os requisitos autorizadores para a oposição dos embargos de declaração devem ser considerados internamente, ou seja, no bojo da decisão impugnada.

A contradição, obscuridade ou omissão externas, alheias ao conteúdo decisório, não dão ensejo ao recurso. Explico:

Quando são alegados esses vícios com base em elementos externos, o que ocorre é o mero inconformismo da parte vencida em razão da decisão atacada.

A irresignação não é elemento autorizador para a interposição de embargos de declaração, devendo o interessado lançar mão de recurso próprio, recurso de fundo apto a revisão da decisão pelos fundamentos e conclusão adotados.

Senão vejamos precedente elucidativo do Superior Tribunal de Justiça, que reforça que a ocorrência dos requisitos autorizadores para a interposição do recurso devem ser internas:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL C/C DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REPARAÇÃO DE DANOS. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL.

1. A contradição que dá ensejo a embargos de declaração é a que se estabelece no âmbito interno do julgado embargado, ou seja, a contradição do julgado consigo mesmo, como quando, por exemplo, o dispositivo não decorre logicamente da fundamentação, o que inocorre na espécie.

2. Ilidir as conclusões do acórdão recorrido acerca da ausência de violação da boa-fé contratual (instituto da supressio), bem como da existência de motivo justo a ensejar a rescisão do contrato de representação comercial, demandaria nova interpretação de cláusulas contratuais e de matéria fático-probatória dos autos, procedimentos vedados em recurso especial, em razão dos óbices das Súmulas 5 e 7/STJ.

3. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.

4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp 1716758 / DF - Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino - 3ª T - DJe 08/06/21).

O que autoriza a oposição dos embargos diz respeito apenas a estrutura interna da decisão recorrida.

A omissão tem que ser notada no corpo da decisão. A obscuridade, deve ocorrer, também, nos dizeres internos do julgado, tornando-o de difícil compreensão.

Importante mencionar, que a omissão é de fácil constatação, ao passo que o julgador apenas deixa de se manifestar acerca de determinado pedido.

A parte formula um requerimento, de qualquer natureza, e o juiz sequer faz menção a ele no corpo do julgado, ou, fundamentando o pedido no conteúdo decisório, o omite do dispositivo e vice-versa. Ausente é a sua análise.

A obscuridade consiste no requisito de maior complexidade apto a autorizar a interposição dos embargos.

Pode ocorrer que haja falha na articulação do raciocínio jurídico emanado pelo juiz, tanto na fundamentação como no dispositivo, ou em ambos.

A concatenação dúbia de ideias, com a subsequente materialização da falta de conjugação lógica das premissas do julgado, pode levar a uma decisão recorrível pelos aclaratórios, como até mesmo a uma decisão nula, pois o defeito na fundamentação pode se revelar de tamanha gravidade a ser equiparada a falta de fundamentação, e decisão não fundamenta é decisão nula.6

No caso do julgado colacionado, há a alegada contradição externa, na qual o recorrente exalta a incoerência e dissonância ocorrida entre a decisão impugnada e algum fator externo àquela, como alguma prova dos autos ou, até mesmo, decisão diversa.

O Ministro relator, do acórdão acima, reforça o fato de que não é possível a utilização desse mecanismo processual para impugnar contradição externa.

Nesse caso, há de se utilizar meio recursal adequado, aquele apto a atacar a justiça da decisão, repisando todos os demais atos processuais instrutórios, sobretudo as provas colhidas ao longo da marcha processual.

Os embargos de declaração não podem ser interpretados como condutores de ampla revisão do julgado atacado, pois é um recurso estrito, de fundamentação positivada e vinculada.

O que resta claro do julgado colacionado, é que caso fosse permitido o manejo dos embargos de declaração ante eventual contradição externa, se estaria, ao invés de integrar a decisão impugnada, a se reformar, substituir aquela.

Um exemplo autorizador da oposição desse recurso, em estrita contradição interna, diz respeito a decisão que nega seguimento ao apelo especial, fundamentada nas hipóteses autorizadoras de agravo interno dirigido ao próprio tribunal7, que na parte dispositiva inadmite o recurso, sob fundamentos que permitam a interposição do agravo em recurso especial8.

Nesse caso, estaremos diante de uma clara e manifesta contradição interna entre a fundamentação e o dispositivo do julgado, permitindo-se a oposição do recurso integrativo e saneador de embargos de declaração.

Podemos concluir, dessa maneira, que o uso desse recurso único é diferenciado, pois permitido ante qualquer decisão judicial que esteja maculada com os vícios elencados.

___________________

1 - Art. 1.022, do CPC

2 - TERESA ARRUDA ALVIM, Embargos de Declaração, 4ª ed., Revista dos Tribunais, p. 41

3 - AgRg no REsp 1893102/RO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 06/08/2021

4 - MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES, Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3, 9ª ed., Saraiva, 2016, p. 316

5 - JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, Novo Código de Processo Civil Comentado, 4ª ed., RT, p. 1520

6 - RENATO MONTANS DE SÁ, Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed., Saraiva, p. 1809

7 - Art. 1.030, inciso I, do CPC

8 - Art. 1.030, inciso V, do CPC.

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira

Advogado e especialista em direito processual civil.

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