"Sistema Eleitoral Proporcional" - As regras que não elegeu a candidata com a maior votação à Câmara dos Deputados
Pelas regras eleitorais vigentes, a candidata Rosa Neide que disputou a reeleição ao cargo de deputada federal pelo estado de MT, mesmo sendo a mais votada com 124.671 votos, que representa 7,2% dos votos válidos, não foi eleita.
terça-feira, 29 de novembro de 2022
Atualizado às 14:40
O Estado de Mato Grosso possui 8 (oito) assentos que é o número mínimo por Unidade da Federação entre os 513 que compõem a Câmara dos Deputados, nas eleições gerais do corrente ano de 2022, a candidata Rosa Neide Sandes de Almeida que já é deputada federal eleita pelo PT nas eleições de 2018, disputou a reeleição pela Federação Brasil da Esperança, composta pelos partidos PC do B, PT e PV, foi a mais votada com 124.671 votos que representa 7,2% do total dos votos válidos, contudo, não foi eleita e nem mesmo ficou de suplente.
O "fenômeno" não é novidade para os Brasileiros/Mato-grossenses, afinal, fato semelhante aconteceu nas eleições de 1990, quando o candidato Dante Martins de Oliveira1 obteve a maior votação para deputado federal conquistando 49.889 votos pelo PDT, todavia, também não se elegeu, pois, sua Coligação Frente Popular (PDT, PMDB, PT, PSB, PCB e PC do B), não atingiu o quociente eleitoral, à época de 90 mil votos.
Como é possível receber a maior votação entre todos os concorrentes e não ser eleito(a)? A resposta está na legislação eleitoral, especificamente no Código Eleitoral - lei 4.737 de 15 de julho de 1965, com as alterações introduzidas até lei 14.211, publicada em 1º de outubro de 2021.
A fórmula de distribuição das vagas da Representação Proporcional está contida no Capítulo IV do Título I da Parte Quarta do Código Eleitoral, que englobam os artigos 106-113.
O art. 106 versa sobre o chamado "quociente eleitoral - QE" onde "Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração".
A definição de "votos válidos" para fins de totalização dos cargos proporcionais, são considerados somente os votos nos candidatos e nas legendas, excluídos os votos em branco e nulos, conforme previsto no art. 5º da lei 9.504/97 (lei das Eleições).2
No caso de Mato Grosso, os votos válidos totalizaram 1.730.277 votos. Desse modo, dividindo-se o número de votos válidos pelo número de vagas (08), o quociente eleitoral é de 216.285 votos, ou seja, conquistarão vaga (s) somente os partidos (e/ou federações) que atingirem esse número de votos.
O passo seguinte é calcular o "quociente partidário" que, conforme art. 107, "Determina-se para cada partido o quociente partidário dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda, desprezada a fração".
Pelo comando do art. 108 do CE, "Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido (e/ou federação) que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido".
No caso de Mato Grosso, os partidos que obtiveram as maiores votações, em ordem decrescente e seus respectivos QP foram:
- Partido Liberal - PL - 377.474 votos - QP = 1,74
- Movimento Democrático Brasileiro - MDB - 272.659 votos - QP = 1,26
- União Brasil - UNIÃO - 249.328 votos - QP 1,15
- Federação Brasil da Esperança - FE BRASIL - 159.866 votos - QP = 0,74
- Republicanos - 155.513 votos = QP = 0,72
- Partido Socialista Brasileiro - PSB - 150.534 votos - QP = 0,70
Desse modo, pela regra vigente, somente os partidos PL, MDB e União atingiram o Quociente Partidário de uma unidade cada, portanto, elegendo uma vaga cada um, enquanto os demais, ficaram abaixo de 1 (um), portanto, sem nenhuma vaga. Foram eleitos pelo QP:
- Fábio Paulino Garcia - UNIÃO - 98.704 votos;
- Abílio Jacques Brunini Moumer - PL - 87.072 votos;
- Juarez Alves da Costa - MDB - 77.528 votos.
As 5 (cinco) vagas restantes, são distribuídas pela proporcionalidade segundo a regra do art. 109 e consiste em "dividir o número de votos válidos atribuídos a cada partido pelo número de lugares por ele obtido mais 1 (um), cabendo ao partido (ou federação) que obtiver a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima" (inciso I), "repetindo-se a operação para cada um dos lugares a preencher" (inciso II).
A partir da vigência da lei 14.211 de 2021, o § 2º do art. 109 passou a prever que "Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtidos votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente", ou seja, os partidos que não atingiram o QE e não elegem representantes na distribuição pelo QP, poderão participar das vagas de "sobra" desde que tenham atingido pelo menos 80% do QE.
No caso de Mato Grosso, nenhum dos demais partidos conseguiram atingir o mínimo de 80%, de forma que as demais vagas foram redistribuídas entre os mesmos partidos que obtiveram as 03 (três) vagas pelo QP e desse modo, a candidata Rosa Neide Sandes de Almeida do PT que concorreu pela Federação Brasil da Esperança, mesmo obtendo a maior votação proporcional com 124.6714 votos (7,2% do total dos votos válidos), não conseguiu ser eleita nem mesmo pelas vagas remanescentes, pois a Federação atingiu somente 74% do QE e as vagas remanescentes ficaram assim distribuídas:
Primeira vaga (01/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 188.737
- MDB - 272.659 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 124.664
A primeira vaga ficou para o PL elegendo "por média" o candidato José Antônio dos Santos Medeiros - 82.182 votos;
Segunda vaga (02/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (02 + 01 = 03) = 125.824
- MDB - 272.659 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 124.664
A segunda vaga ficou para o MDB elegendo "por média" o candidato Emanuel Pinheiro da Silva Primo Teixeira (Emanuelzinho) - 74.720 votos;
Terceira vaga (03/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (02 + 01 = 03) = 125.824
- MDB - 272.659 votos ÷ (02 + 01 = 03) = 90.886
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 124.664
A terceira vaga ficou também o PL elegendo "por média" a candidata Amália Scudeler de Barros Santos - 70.294 votos;
Quarta vaga (04/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (03 + 01 = 04) = 94.368
- MDB - 272.659 votos ÷ (02 + 01 = 03) = 90.886
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 124.664
A quarta vaga ficou para o UNIÃO elegendo "por média" o candidato Josenildo José de Assis (Coronel Assis) - 47.479 votos;
Quinta vaga (05/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (03 + 01 = 04) = 94.368
- MDB - 272.659 votos ÷ (02 + 01 = 03) = 90.886
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (02 + 01 = 03) = 83.109
A quinta e última vaga remanescente ficou com o PL elegendo "por média" acandidata Rúbia Fernanda Diniz Robson Santos de Siqueira (Coronel Fernanda) - 60.304 votos.
A soma de todos os eleitos é de 598.273 votos, o que representa 34,58% do total dos votos válidos concentrados em 3 (três) partidos que irão compor a bancada Mato-grossense na Câmara dos Deputados: (PL - 4 vagas; MDB -2 vagas e UNIÃO - 2 vagas).
Até as eleições de 2016, somente poderiam concorrer as distribuições das vagas, os partidos ou coligações que alcançaram o quociente eleitoral e dessa forma, o resultado seria o mesmo.
Contudo, em 6 de outubro de 2017 foi sancionada a lei 13.448, alterando o § 2º do art. 109 do Código Eleitoral que passou a ter a seguinte redação: "Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participarem do pleito", ou seja, tanto os que atingiram o QE quanto os demais, independentemente da quantidade de votos obtidos.
A regra, porém, teve vigência somente nas eleições de 2018 (eleições gerais) e nas eleições de 2020 (municipais), pois, em 2021 o Congresso Nacional alterou novamente o dispositivo e com a publicação da lei 14.211 publicada em 1º de outubro de 2021, o § 2º do art. 109 passou a ter a redação que está vigente atualmente, impondo a cláusula de barreira de 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral para o partido ou federação concorrer às vagas remanescentes.
Sobre a matéria, em 12/8/22 o Partido Rede Sustentabilidade - REDE protocolou no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade(ADI) 72283, distribuída sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, questionando a constitucionalidade das alterações do Código Eleitoral promovidas pela lei 14.211/11, sob o entendimento de que, a alteração impôs uma espécie de cláusula de barreira para a disputa das vagas de sobra, ao prever o mínimo de 80% do quociente eleitoral ao partido e 20% desse quociente ao candidato para fazer jus a disputa da (s) vagas remanescentes.
Independentemente do mérito, o partido sustenta a inconstitucionalidade formal da norma pois, a seu ver, representa o fim do sistema proporcional, com reais e efetivas disfunções de inúmeras ordens, evidenciando, no seu entendimento, uma implementação "a força" do modelo "distritão", que somente pode ser alterado por via de Emenda à Constituição, que, aliás, foi tentado e rejeitado pela Câmara dos Deputados em 2021.
Face ao exposto, fizemos uma simulação de redistribuição das vagas com base na redação vigente antes da alteração de 2021, àquela em foi aplicada duas últimas eleições, ou seja, todos os partidos participam da distribuição e o resultado, aponta que haveria alteração em 03 (três) dos 08 (oito) eleitos, dentre eles, a candidata mais votada e mais ainda, todos de novos e partidos diferentes, o que ampliaria a representação partidária, passando de 03 (três) para 06 (seis), o que faz (faria) total diferença, vejamos:
As cadeiras conquistadas pelo Quociente Partidário - QP, obviamente não alteraria:
- Fábio Paulino Garcia - UNIÃO - 98.704 votos;
- Abílio Jacques Brunini Moumer - PL - 87.072 votos;
- Juarez Alves da Costa - MDB - 77.528 votos.
Quanto às 5 (cinco) vagas remanescentes, ficariam assim distribuídas:
Primeira vaga (01/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (01 + 01 = 02) = 188.737
- MDB - 272.659 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 124.664
- FE BRASIL - 159.866 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 159.866
- Republicanos - 155.513 votos ÷ (0 + 1 = 1) 155.513
- PSB - 150.534 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 150.534
A primeira vaga ficaria com para o PL e manteria eleito "por média" o candidato José Antônio dos Santos Medeiros com 82.182 votos (reeleição);
Segunda vaga (02/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (2 + 1 = 3) = 125.825
- MDB - 272.659 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 124.664
- FE BRASIL - 159.866 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 159.866
- Republicanos - 155.513 votos ÷ (0 + 1 = 1) 155.513
- PSB - 150.534 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 150.534
A segunda vaga ficaria com para a FE BRASIL e elegeria "por média" a candidata Rosa Neide Sandes de Almeida (PT) com 124.671 votos (reeleição);
Terceira vaga (03/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (2 + 1 = 3) = 125.825
- MDB - 272.659 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 124.664
- FE BRASIL - 159.866 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 79.933
- Republicanos - 155.513 votos ÷ (0 + 1 = 1) 155.513
- PSB - 150.534 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 150.534
A terceira vaga ficaria com o Republicanos e elegeria "por média" o candidato Leonardo Ribeiro Albuquerque (Dr. Leonardo) com 40.222 votos (reeleição).
Quarta vaga (04/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (2 + 1 = 3) = 125.825
- MDB - 272.659 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 124.664
- FE BRASIL - 159.866 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 79.933
- Republicanos - 155.513 votos ÷ (1 + 1 = 2) 77.756
- PSB - 150.534 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 150.534
A quarta vaga ficaria com o PSD e elegeria "por média" a candidata Neuma de Morais (Dona Neuma) com 44.931 votos;
Quinta e última vaga (05/05)
- PL - 377.474 votos ÷ (2 + 1 = 3) = 125.825
- MDB - 272.659 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 136.329
- UNIÃO - 249.328 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 124.664
- FE BRASIL - 159.866 votos ÷ (1 + 1 = 2) = 79.933
- Republicanos - 155.513 votos ÷ (1 + 1 = 2) 77.756
- PSB - 150.534 votos ÷ (0 + 1 = 1) = 150.534
A última vaga ficaria com o MDB e manteria como "eleito por média" o candidato Emanuel Pinheiro da Silva Primo Teixeira (Emanuelzinho) com 74.720 votos (reeleição).
A soma de todos os eleitos seria superior à atual e ficaria em 630.030 votos, o que representaria 36,41% do total dos votos válidos e dobraria a composição partidária para 06 (seis) partidos que iriam compor a bancada Mato-grossense na Câmara dos Deputados: (PL - 02 vagas; MDB - 02 vagas; UNIÃO - 1 vaga; FE BRASIL (PT) - 1 vaga; REPUBLICANOS - 1 vaga e PSB - 1 vaga).
O intuito da simulação é somente argumentativo e informativo, pois, apesar da existência da ADIN proposta pela REDE em trâmite no STF que visa a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral vigente, ao nosso ver, ainda que venha a ser declarada a inconstitucionalidade, o que não acreditamos, os seus efeitos seriam "ex nunc", ou seja, a partir da eventual declaração, salvaguardando os direitos adquiridos, no caso, dos partidos e dos eleitos pela norma vigente.
De todo modo, respeitando as posições contrárias, entendo que o pleito da REDE não terá êxito no judiciário, pois, não há nenhum vício de constitucionalidade na norma sancionada, afinal, o que a Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB/1988 prevê é que "os membros da Câmara dos Deputados, e por consequência, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais (representantes do povo), serão eleitos pelo sistema proporcional" (art. 45), ficando a regulamentação da forma para as normas infraconstitucionais, no caso, o Código Eleitoral que, ao nosso ver, está em perfeita harmonia com o Texto Constitucional.
Por outro lado, não será surpresa se, antes do próximo pleito, o Congresso Nacional que é competente para isso, promova novas alterações retomando ao texto anterior ou a outro meio termo.
Quanto ao mérito, em minha opinião particular, entendo que, nos casos das vagas remanescentes (vagas das sobras), a norma deveria prever a distribuição entre todos os partidos que participaram do pleito, independentemente do percentual do QE, mantido um percentual mínimo de votos nominais aos candidatos a concorrer às vagas.