A quinta mulher na direção da ABRAT - Vamos vencer esse jogo!
Não houve chapa de oposição apresentada durante o pleito e, seu nome foi muito bem aceito entre os pares e a própria oposição.
quinta-feira, 24 de novembro de 2022
Atualizado às 10:32
No dia 25 de novembro de 2022, toma posse na direção da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas: ABRAT, a gaúcha, Bernadete Kurtz, sucedendo o paulista, Otavio Pinto e Silva. A Eleição ocorreu no dia 13 de outubro desse mesmo ano, durante o festivo 43º CONAT, realizado na cidade de São Paulo, em meio às acirradas campanhas para o segundo turno eleitoral à presidência da República.
Não houve chapa de oposição apresentada durante o pleito e, seu nome foi muito bem aceito entre os pares e a própria oposição. Bernadete, ou "Berna" para os íntimos é a quinta mulher a presidir a Associação nacional de Advogados Trabalhistas
Deve-se registrar que nos seus 43 anos de fundação, contados do primeiro ato oficial em 1979, Bernadete é a quinta mulher a presidir a ABRAT e, aqui deve-se destacar a força e coragem de todas que assumiram esse desafio. Sendo a primeira mulher a presidir a Associação, Moema Baptista, RJ (embora nascida no Espírito Santo, como gostava de dizer, Cachoeirense) período 1989 /1991, esta não mais entre nós, tendo nos deixado no ano de 2020; a segunda, Clair da Flora Martins, PR, período 1998/2000, que atualmente é diretora legislativa (gestão 2022/2024); a terceira, a gaúcha, Silvia Lopes Burmeister, período de 2014 /2016 e a quarta, Alessandra Camarano, de Brasília, período 2018/2020.
Embora nunca tivesse assumido a direção da Associação anteriormente ,sempre respirou os movimentos associativos tanto da Associação Estadual quanto da naciona, pois, foi uma de suas fundadoras e caminhou ombreando as agruras de uma presidência ao lado de seu companheiro de vida, Reginald Delmar Hintz Felker - (período 1985 /1987 ).
Além disso, ela estava lá nos primeiros diálogos da construção da ABRAT, ocorridos no ano de 1977 durante o III Congresso Estadual de Advogados Trabalhistas do Rio Grande do Sul, sob a direção da Associação Gaúcha de Advogados Trabalhistas - AGETRA, quando Benedito Calheiros Bomfim, já conhecido jurista do Rio de Janeiro e membro da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas - ACAT -, havia sido convidado para proferir palestra de abertura nesse evento.1
A delegação foi constituída por parte do segmento da advocacia trabalhista carioca, entre eles, Moema Baptista, Calheiros Bomfim, Custódio Neto, Paulo Reis, Costa Neto, Celia Belmonte, Carlos Eduardo Azevedo Lopes (Kadu), Nelson Tomaz Braga, Celso da Silva Soares, Gisa Nara Machado, além de outros. Com isso, "fizemos uma grande delegação. Éramos uns 20 do Rio de Janeiro e, lá nesse encontro, eu conheci 60 advogados gaúchos".2 À época, se faziam presentes os advogados do Estado do Rio Grande do Sul, entre outros estados, mencionando-se, além dos cariocas acima registrados, Reginaldo Felker (RS), Bernadete Kutz (RS), Olga Araujo (RS), Heron Araújo (RS), Tarso Genro (PR), Luiz Burmeister (RS), Edésio Passos (PR) e Carlos Arthur Paulo.
Assim, nascia naquele estado, em 1977, o plano de se criar uma associação de âmbito nacional que pudesse abraçar as questões de aderência do Direito do Trabalho, da Justiça do Trabalho; da defesa dos direitos e garantias fundamentais, bem como os interesses do próprio grupo de advogados trabalhistas, já que eram tempos de vilipêndio e abuso. Eram os chamados anos de chumbo, cuja restrição de direitos às liberdades é historicamente conhecida, sem contar o fato de que a advocacia trabalhista era considerada de segunda categoria.
A idéia inicial - embora o interesse do próprio grupo fosse também a busca do maior equilíbrio entre o capital e trabalho, num país de desigualdades - era a organização, a valorização e o fortalecimento dos profissionais que militavam nesse segmento do Direito, com o "intuito de fazer a advocacia trabalhista ser respeitada", segundo Felker3. Assim, confirmando-se com as palavras de quem esteve presente nas primeiras intenções de fundação e que viria a ser o primeiro presidente da Associação, Celso da Silva Soares4 ". Lá, surgiu a idéia de se fundar uma associação nacional e, lá mesmo, se fundou a ABRAT, marcando-se o I Encontro para o ano seguinte, em 1978".
Portanto, o embrião ocorreu no ano de 1977, e com a realização do primeiro ENAT, como se chamavam os CONAT, no ano de 1978, junto com o IV Encontro da AGETRA. Mas, foi efetivamente no ano de 1979, que foi eleita a primeira diretoria por ocasião do II ENAT, (hoje CONAT) -, ocorrido no período de 15 a 19 de julho, na cidade do Rio de Janeiro, quando então a Associação se regularizou, criando-se o primeiro estatuto.5
Revisitar a história inicial da ABRAT e mencionais os membros, é também falar de Bernadete, Moema, Felker, Burmeister (pai de Silvia Burmeister), Bomfim e tantos outros e, portanto, o faço, ainda que de forma reduzida, a fim de que os novos abratianos conheçam a luta inicial empreendidas, mas, também as amizades e dissidências existentes.
O nome inicial escolhido foi de Associação Nacional de Advogados Trabalhista - ANAT -, alterada posteriormente, mediante reforma estatutária ocorrida em 29 de agosto de 1981 para Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas - ABRAT.
A escolha da primeira diretoria já foi definida com divergências. Felker confirmou na entrevista feita para elaboração do livro citado que estavam presentes as duas associações do Rio Grande do Sul, a AGETRA e a ATERGS (hoje SATEGS), "sem unidade e sem consenso quanto à indicação do nome da Olga Araújo para presidente e, portanto, com esse "racha no Sul, o Rio aproveitou e lançou o Celso como presidente, embora o nome seria a Olga".6
O Estado do Rio Grande do Sul, na época já tinha duas associações estaduais: uma congregando os advogados que defendiam os operariados e sindicatos profissionais (AGETRA); outra dos que defendiam somente o segmento do capital (SATERGS), aliás, criada exatamente para fazer frente à primeira que começava a ter expressão.
Fazendo um salto nas gestões, cabe aqui cabe registrar que para o biênio de 1985/19877, a gestão da ABRAT mudou de mãos e de estado. Nesse momento, a batuta estava sob a presidência do advogado e professor gaúcho Reginaldo Felker, cuja gestão, segundo ele mesmo, "foi trabalhosa, mas muito gratificante", já que, do ponto de vista dos acontecimentos no país, com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte. De fato a ABRAT foi ouvida sobre diversos pontos na Assembléia Constituinte, , participando da Subcomissão do Poder Judiciário. Sobre isso, buscou-se localizar documentos que confirmassem e mesmo dessem suporte a esse fato. Para tanto, valeu-se do setor de arquivo do Congresso Nacional, que enviou a cópia integral do registro da entrevista ocorrida à época.8
Nessa gestão, da qual diga-se , Bernadete participou ativamente, embora sem cargo oficial, a ABRAT teve muitas conquistas e a avanços - como melhor descrito no livro - foi criada a Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas ALAL, inicialmente como uma Coordenadoria, da qual fizeram parte Brasil, Cuba, Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Guatemala, Honduras e Venezuela. Essa diretoria teve à frente o então presidente da ABRAT Reginaldo Felker. Nesse período, também foi organizado o I ELAT - Encontro Latino-Americano de Advogados Trabalhistas, ocorrido de 28 a 30 de outubro de 1987, em Porto Alegre, com palestrantes de renomes e participantes de todos os países da América Latina9.
Felker assumiu a coordenação geral da Coordenadoria Latino-americana de Abogados Anos depois, a ALAL foi fundada (ou refundada) e reestruturada, quando se fez necessário unir-se novamente com os países da América Latina. Foram feitas revistas científicas, livros de teses.
É fácil imaginar que Bernadete compartilhava e convivia com esses movimentos abratianos, tanto que é ela mesmo que disse na entrevista feita que " O Felker saia a perambular pelo Brasil e eu segurava o escritório". Ou "muitas vezes fazíamos eventos, congressos com policiais na porta"
Na época, fazer política de ABRAT era muito difícil tendo em vista a ausência de recursos materiais, financeiros e tecnológicos, como a comunicação que se dava por meio de telegramas ou telefonemas, sobretudo porque, nesse período, já havia mais de 20 associações estaduais constituídas. Isso, por um lado, era muito importante para o aspecto associativo e, em contrapartida, reclamava mais movimentação. Com as alianças e como membro do Conselho da Seccional do Rio Grande do Sul, lutou e obteve uma sala para sede da ABRAT, nas instalações da OAB, pelo período em que foi presidente.10
Ainda segundo Felker11, o reconhecimento e a respeitabilidade da Associação não foi coisa simples nem unânime, tanto que a magistratura do Trabalho, no início, não deu importância para as associações de advogados trabalhistas. Depois, entretanto, ele achou que a ABRAT teve uma certa influência e relata um fato ilustrativo que ensaia o espaço sociopolítico para o qual foi convidado, como presidente da ABRAT, para um congresso no Ceará. A despeito de ter commparecido, não colocaram, todavia, a associação em programa nenhum, o que gerou reclamação. Em consequência, a partir de então, passou a ser convidado para todos os eventos ocorridos naquele estado.
Toda história, mesmo a relacionada a uma instituição de advogados, perpassa por situações inusitadas. Assim foi a própria eleição de Reginaldo Felker para presidente12. Inclusive, ele mesmo afirmou considerá-la como "muito curiosa", porque, viajando de fusca com Bernadete Kurtz, de Porto Alegre para Florianópolis, foram comentando sobre os possíveis candidatos à eleição da ABRAT para o biênio subseqüente.Era um CONAT eleitoral. Para ele, o melhor candidato seria o jurista José Martins Catharino, conhecido por Zezé Catharino13. Lá chegando, no entanto, e no processo prévio, instalou-se a divergência entre os advogados trabalhistas de dois estados: "o pessoal de São Paulo" e o "pessoal da Bahia" em especial, uma vez que os paulistas haviam apresentado candidatura de outra pessoa, e os baianos, outro nome14.
Ante essa divergência no Conselho da ABRAT, o candidato indicado pelo Estado da Bahia se retirou. Com isso, Clair Martins, do Paraná15 lançou o nome de Felker, deslocando o centro da disputa para os Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul16. Embora relutando à indicação, propôs que quem vencesse o pleito, o outro candidato, assumiria, então, como vice-presidente. Isso foi aceito por São Paulo, cujo candidato assumiu a vice-presidência da Instituição, visto que o eleito foi, para sua surpresa, o próprio Reginaldo Felker.17
Toddas as diretorias de todo o período, encontram-se nominadas no livro citado.
Calheiros Bomfim, a quem também entrevistei revelou que "a ABRAT teve muita organização, arregimentação - reunindo os advogados do país todo, fazendo congressos - e sorte de ter bons presidentes independentes, com visão social, como o Felker".18
Bom, esses recortes históricos revelam a importância de Bernadete na construção e solidificação da ABRAT e ao aceitar o convite do Grupo para assumir a ABRAT nesta quadra dramática da história do país, com a advocacia trabalhista nacional dividida por influencias, sobretudo, da política partidária; uma onda de ódio separa o país que está mergulhado nos últimos quatro anos com um presidente da república de extrema direita - Jair Bolsonaro - que dissemina o separativismo na nação, nas Instituições, nos grupos e até na familia.
Nada disso a desanima, no auge de seus 76 anos - e ela faz questão de dizer - cheia de vigor, coragem, dinamismo, perspicácia e inteligência. Mãe e avó dedicada.
Durante o processo eleitoral da ABRAT, havia uma incerteza de quem iria presidir o país pelos próximos quatro anos, pois era o interregno entre o primeiro e o segundo turno. Agora, na posse, o Brasil tem de volta o presidente Lula, eleito com uma margem apertada , em meio a uma campanha cheia de fake news e muitos ataques à democracia, que não se dissipou, pois o presidente ainda no poder e seus apoiadores são extremistas e não aceitam a derrota das urnas.
Há uma constante tensão no país em diversos aspectos.
O mundo do trabalho, está mergulhado num alto índice de desemprego e subempregados. Há a lei da reforma trabalhista em vigor - lei 13.467/17 e que durante cinco anos vem sendo alvo de duras criticas pela ABRAT dentre outras instituições, renovando-se, agora a esperança de alteração de alguns pontos ou todos. Esse é o cenário dessa nova gestão da ABRAT, portanto, muitos desafios à ser enfrentado, mas, há uma lema muito utilizado na gestão da presidenta Alessandra " Ninguém larga a mão de ninguém".
Na visão de alguns advogados, o que estava por trás do projeto era retaliação em virtude de muitas reclamatórias contra empresas de políticos influentes19 E mais, para Bernadete Kurtz20, tirar parte da competência da Justiça do Trabalho e passar para a Justiça Federal encerrava um antigo anseio do governo estimulado pelo capital. De acordo com essa visão, fazia-se o argumento de que por que duas Justiças Federais, sobretudo a especializada, que era muito cara? Era o monte da campanha já desde a primeira tentativa de "extinção" da Justiça do Trabalho.
Escrevo este texto em período de copa do mundo, e, portanto, finalizo dizendo " vai com tudo, Berna, a bola é sua! A vitória é nossa! Vamos ganhar esse jogo! Vamos transformar o ódio em amor!
Advogado Trabalhista é de luta, não desiste fácil. Une-se na dor e na alegria!
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1 Boa parte do texto, foram extraídos da obra que escrevi em 2016 , com o título . Os trabalhistas: Da discriminação à ascensão e a contribuição da ABRAT. SP: Ltr. 2016
2 BAPTISTA,.Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
3 FELKER,. Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
4 SOARES, Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
5 Na obra citada, considero esse o marco inicial da Constituição da ABRAT
6 FELKER, Reginaldo e KURTZ. Bernadete. Entrevistas, apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit..
7 A diretoria para o biênio 1985/1987 foi composta pelos seguintes membros e estados: presidente: ReginadoFelker (RS), vice-presidente: Mario Fortes Barros (SP), secretária: Marilene PetrySomnitz (RS), tesoureiro: Leandro Araujo (RS), vice-presidentes regionais: Nestor Malvezzi (PR), Joaquim Ferreira Silva Filho (ES), UlisesRiedel de Resende (DF), Mario Jorge Gomes (AL), Moacir Silva (AM), diretora administrativa: Sandra Nara Intra (ES) e diretor de comunicações: Raimar Rodrigues, RS.
8 Informações contidas no Diário da Assembleia Nacional Constituinte (suplemento), de maio de 1987,p.137-145, quando da participação da ABRAT na Comissão da Justiça do Trabalho, por Reginaldo Felker, em convite feito pelos membros da comissão.
9 Informações contidas no Diário da Assembleia Nacional Constituinte. Doc. cit, p. 144,.
10 FELKER; KURTZ. Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
11 FELKER. Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
12 Reginaldo Felker foi eleito como presidente da Associação no período de 1985 a 1987.
13 CATHARINO, José Martins. Carinhosamente chamado de Zezé Catharino.
14 Felker não se recorda o nome indicado pelo pessoal de São Paulo.
15 Clair da Flora Martins, do Paraná, que, mais tarde, veio a presidir a ABRAT.
16 Estado de Reginaldo Felker, ou seja, Rio Grande do Sul.
17 FELKER. Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
18 BOMFIM, Entrevista , apud MEDEIROS. Benizete Ramos de.ob cit.
19 MARTINS, Entrevista citada.
20 FELKER; KURTZ. Entrevistas citadas.
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MEDEIROS. Benizete Ramos. Os trabalhistas: Da discriminação à ascensão e a contribuição da ABRAT. SP: Ltr. 2016
Benizete Ramos de Medeiros
Advogada Trabalhista; Diretora da Escola da ABRAT; diretora de Educação e Assuntos Universitários do IAB; diretora da JUTRA; professora; mestre e doutora em Direito.