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O paradoxo entre o Direito de Propriedade e a intervenção do Estado

Uma argumentação crítica sobre a propriedade em si e sua forma de adaptação às novas necessidades individuais e coletivas da sociedade vanguardista.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Atualizado às 14:03

Desde a promulgação da declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, o Direito de propriedade coadunava com ideal de mínima intervenção estatal e restrições às desapropriações. Nesse período, a Igreja propunha que o lar era inviolável e sagrado, criando um paradigma de proteção inerentes ao direito civilista da época. Posteriormente, com confirmação do Código de Napoleão, em 1804, os ideais franceses de liberdade administrativa influenciaram as autoridades brasileiras no sentido de iniciar a intervenção nas propriedades tendo em vista a retribuição em prol do bem-estar coletivo. Destarte, especificamente no Brasil, a Constituição imperial de 1824 inseriu o Direito à propriedade, em sua plenitude, sem , contudo, institucionalizar o interesse social como uma vertente para a desapropriação. Finalmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1967, inseriu-se a desapropriação por interesse social pelo município como justificativa de não atender a função social.

Inicialmente, faz- se necessário discutir sobre as diversas formas interventivas na propriedade como limitação, servidão, ocupação temporária, tombamento, desapropriação, entre outros. Nesta linha, cada qual é determinada por um tipo diverso de intervenção estatal, uma forma de indenização pontual, uma competência específica ou concorrente do ente político e uma maneira de indenização. Por conseguinte, entre todos os tipos supracitados, a desapropriação é a única forma que suprime na totalidade a propriedade em si, uma vez que o Estado se utiliza do bem ao priorizar as necessidades públicas. Porém, há diferentes formas na doutrina de desapropriação como as ordinárias(necessidade, utilidade pública e interesse social) e as extraordinárias (formas sancionatórias).Nessa toada, quando se desapropria de forma comum, a indenização é prévia, justa e em dinheiro. Por outro lado, se ocorre a forma de desapropriação sanção, pode ser indenizada em títulos da dívida pública ou títulos da dívida agrária no prazo de dez ou vinte anos. Desse modo, a administração pública privilegia os cidadãos que se utilizam da propriedade de forma produtiva e pune quem descumpre a função social constitucional.

Ademais, com a promulgação da Emenda Constitucional 81 de 2014 foi estabelecido o tipo específico de intervenção administrativa denominado desapropriação confisco, cuja descrição legislativa abrange a penalização do cultivo de plantas psicotrópicas ilegais ou a exploração do trabalho escravo. Ou seja, o Estado age coercitivamente na propriedade sem indenizar o proprietário, podendo ser iniciada uma ação penal independente da administrativa. Desse modo, essa forma extraordinária de desapropriação promove uma punição mais severa aos proprietários, acarretando o acionamento de diversas esferas públicas. Ademais, é importante argumentar que este tipo de intervenção é de competência exclusiva da União.

Nessa linha de discussão, após a descrição dos tipos de intervenção na propriedade, é cediço que o procedimento para desapropriar pode ser considerado como bifásico e ostenta peculiaridade intrínseca em relação aos inseridos no Novo Código de Processo Civil de 2015.Nessa perspectiva, a primeira fase inicia-se por decreto executivo ou lei, sendo descrita na doutrina como declaratória de Direitos. Portanto, o Estado tem a faculdade de intervir em prol dos interesses coletivos colocando na balança o orçamento prévio e a destinação do bem a ser desapropriado.Posteriormente, pode-se descrever a fase expropriatória administrativa que deve compartilhar com os princípios constitucionais da razoabilidade, motivação, legalidade contraditório e ampla defesa. Nesse sentido, o proprietário que esteja insatisfeito com a medida interventiva pode acionar o poder judiciário para questionar os valores atribuídos pela perícia e a dimensão da desapropriação em relação ao seu bem. Desse modo, apesar de ser um ato discricionário do ente político, não deve pactuar com desvio de finalidade que pode viciar todo o ato administrativo e gerar prejuízos para ambas as partes.

Finalmente, foi descrita na doutrina civilista a desapropriação indireta que é considerada uma forma ilícita de intervenção (equiparada ao esbulho), no qual o bem expropriado para finalidade pública desvia-se para formas privadas. Nessa perspectiva, pode ocorrer o fenômeno denominado tredestinação ilícita que tende a gerar à retrocessão (obrigação de devolver o bem expropriado ao seu proprietário original). Ou seja, é dever do Estado intervencionista de cumprir a proteção social da propriedade, uma vez que é um Direito de primeira geração, promulgado na Constituição Cidadã de 1988.

Desse modo, o Direito de propriedade foi sofrendo uma espécie de mutação ao longo dos anos, fato que demostra a peculiaridade do assunto possessório no Brasil. Nesse contexto, por mais que se preze o Direito individual de liberdade na posse e na propriedade, vive-se numa sociedade altruísta com dever de colaboração, cuja  necessidade de  equidade  está explícita na Carta Magna. Diante do exposto, a desapropriação deve ser vista como uma forma ou um procedimento de transferência compulsória da propriedade ,extinguindo o ônus real sobre a coisa. Para muitos, é vista como uma alternativa de intervenção legal, criada pelo Estado como uma forma de dirimir desigualdades sociais sem arrefecer a dignidade da pessoa humana.

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba.

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