Redução da maioridade penal
Particularidade própria de países compostos de instituições em fase de desenvolvimento é a discussão de temas que em tempos de normalidade social ficam esquecidos. Esses temas acabam eclodindo com determinados acontecimentos que atingem fulminantemente o senso comum e exigem do Estado justificativas e respostas imediatas. Assim, é objeto de diversos debates a redução da maioridade penal como solução para a epidemia de práticas criminosas envolvendo menores.
quarta-feira, 11 de abril de 2007
Atualizado em 10 de abril de 2007 08:38
Redução da maioridade penal
Gustavo Bregalda*
Particularidade própria de países compostos de instituições em fase de desenvolvimento é a discussão de temas que em tempos de normalidade social ficam esquecidos. Esses temas acabam eclodindo com determinados acontecimentos que atingem fulminantemente o senso comum e exigem do Estado justificativas e respostas imediatas. Assim, é objeto de diversos debates a redução da maioridade penal como solução para a epidemia de práticas criminosas envolvendo menores.
Os defensores da tese em questão apresentam fundamentos que, por mais que acalentem a animosidade social com discursos politicamente corretos, se apresentam ineficazes. Não se pode partir da análise da conseqüência antes de passar pela gênese do problema. Deve-se apresentar uma solução para a origem da questão e, posteriormente, criar soluções para os atos subseqüentes.
A redução da maioridade não é a resposta adequada para a onda de violência crescente que assola os grandes centros nacionais. A ineficácia da solução apresentada pode ser visualizada por meio do estudo de algumas legislações alienígenas, cuja maioridade varia de acordo com os valores sociais adotados. No contexto social, verifica-se que a redução da maioridade não seria uma saída consistente para os fins a que essa proposição é destinada. A violência não se aquietará, mesmo se a maioridade fosse fixada no limite inicial da existência humana. A posição pela redução alicerça-se mais em um viés político do que, necessariamente, na resolução do problema social de criminalidade.
A diminuição da violência na sociedade não ocorrerá com a simples redução da maioridade penal. É necessário que haja o fortalecimento de instituições fundamentais à implementação do mínimo existencial garantido constitucionalmente ao cidadão. A Constituição Federal (CF) de 1988 (clique aqui) confere ao Estado, por intermédio de normas programáticas, o dever de implementar direitos por ela estabelecidos, materializando-se por meio de atos de gestão administrativa e elaboração de normas infraconstitucionais como meio regulador de seu exercício.
A violência, dentre outros motivos, está ligada à pobreza, à miséria cultural e ao enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Sabe-se de antemão que a maioria dos internos de instituições que visam à reeducação de menores é habitante de regiões marginalizadas socialmente e de alta periculosidade criminosa. Regiões essas que ultrapassam os limites temporais da história.
A redução da maioridade penal em nada vai modificar a nossa realidade atual. Sabemos que o sistema prisional não vem contribuindo muito para a ressocialização do criminoso adulto, tendo, muitas vezes, efeito contrário a esse intento. Ao adolescente, os efeitos serão ainda mais danosos, uma vez que ele não possui o mesmo poder de discernimento de um adulto, por se constituir pessoa em formação, em estágio de desenvolvimento físico e mental.
Para tanto, faz-se necessária uma boa aplicação dos institutos e das leis já existentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - clique aqui). Vale esclarecer, ainda, que são indispensáveis a promoção e a efetivação dos direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição, fortalecendo-se, assim, o Estado Democrático de Direito, e também garantir o mínimo existencial ao cidadão. Isso pode ser feito por meio de políticas públicas, conseguindo-se, desse modo, atingir o desígnio, esperado pelos cidadãos, de habitar uma sociedade mais justa e, conseqüentemente, menos violenta.
Dessa forma, não basta a simples redução da maioridade como o remédio de todos os males. Deve haver sim uma influência positiva na formação cultural de cada cidadão, em especial dos marginalizados, promovendo o seu desenvolvimento e a sua integração social.
A imputação criminosa ao adolescente não é a melhor saída para que se promova o recuo dos números da violência
Ninguém nasce criminoso. O meio amolda seus integrantes de acordo com as circunstâncias de vida que lhes são proporcionadas. Essas circunstâncias, no entanto, não compõem motivo legítimo para justificar práticas delituosas, mas também não podemos olvidar o fato de que a maior parte dos adolescentes que têm ou já tiveram passagens criminosas é a mesma que ocupa os quadros da indigência, da injustiça social.
Ao Estado, foi imposto o dever de zelar pelo cidadão, em especial por intermédio das políticas públicas, geralmente elencadas nas inúmeras normas programáticas transcritas no corpo da Constituição, cuja efetividade está pendente da edição de atos infraconstitucionais, e também da gestão administrativa. Todas essas normas e deveres previstos no diploma constitucional têm por escopo impor ao Estado o dever de materialização do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esse fundamento da nossa República (art. 1.º, III, da CF).
O valor implícito do princípio da dignidade da pessoa humana consiste na imposição ao Estado do dever de abstenção (não violar ou restringir injustificadamente direitos fundamentais) e do dever de práticas positivas (complementação das normas programáticas de modo a garantir o mínimo existencial).
Tem-se, de longa data, a omissão do Estado no que se refere à prática de atos de viabilização das normas constitucionais garantidoras de direitos fundamentais. Grande parte da população é excluída do digno convívio social, criando, assim, o desnivelamento de classes e ferindo, por via conseqüencial, o objetivo estampado no art. 3.º, III, da CF. Diante desse quadro, surgiu, na camada marginalizada da população, um núcleo de violência que atinge toda a coletividade. Esse fenômeno é a reação promovida pelos esquecidos perante o desprezo a eles manifestado pelo Estado.
Com efeito, a redução da maioridade penal, em contraponto com a Constituição Brasileira, configura uma restrição ao direito fundamental da liberdade, previsto no art. 5.º da Lei Suprema. Cumpre ressaltar, também, que é direito fundamental do cidadão, além de todos aqueles arrolados no art. 5.º da CF, outros decorrentes de princípios e regras por ela adotados.
O Prof. René Ariel Dotti manifesta-se pela inconstitucionalidade da redução da maioridade, uma vez que, para ele, a previsão da inimputabilidade prevista na CF constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título II do diploma constitucional. Incabível, portanto, ser objeto de emenda, pois constitui cláusula pétrea, visto que o § 4.º do art. 60 prescreve não ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e as garantias individuais.
Nesse sentido, ensina-nos o Prof. Damásio de Jesus que a menoridade penal constitui causa de exclusão da imputabilidade, estando abrangida pela expressão "desenvolvimento mental incompleto". Assevera ainda que "[...] se a imputabilidade consiste na capacidade de entender e de querer, pode estar ausente porque o indivíduo, por questão de idade, não alcançou determinado grau de desenvolvimento físico ou psíquico, ou porque existe em concreto uma circunstância que a exclui".
Para alguns doutrinadores, em que pese a existência de texto expresso de nossa Constituição referente à maioridade penal, esse fato não impede, caso haja vontade política para tanto, de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o art. 228 da Carta Política não trata de matéria considerada irreformável por meio de Emenda Constitucional, pois não se amoldaria ao rol de cláusulas pétreas dispostas nos incs. I a IV do § 4.º do art. 60 da CF.
Ocorre, no entanto, que o rol de direitos e garantias individuais previstos, em especial, no art. 5.º da CF, e, conseqüentemente, abrangido como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4.º, é meramente exemplificativo. Qualquer ato antagônico ao princípio da dignidade da pessoa humana consiste na violação a um direito fundamental, esteja ele topograficamente descrito ou não no art. 5.º ou mesmo na própria Constituição do Brasil. José Afonso da Silva trata a dignidade da pessoa humana como o valor supremo que atrai o conteúdo de todos os Direitos Fundamentais do Homem.
O recuo nos números da criminalidade envolvendo menores infratores, seja nos grandes centros, seja no interior do Brasil, ocorrerá com a eficaz implantação das políticas que promovam a valorização do indivíduo como um verdadeiro cidadão. A redução da maioridade em nada influenciará no sistema com o qual nos deparamos hodiernamente. Pelo contrário, pessoas em desenvolvimento psíquico terão o mesmo tratamento penitenciário dispensado àqueles com capacidade de discernimento pleno e com personalidade já maculada, proporcionando certa confusão de valores e gerando um círculo vicioso de erros e conseqüências futuras. É notório que o sistema penitenciário brasileiro tem um baixo índice de ressocialização. Verifica-se que, caso seja adotada a aludida medida, teremos um verdadeiro retrocesso em relação aos direitos e às garantias conferidos ao menor pela Constituição, destacando-se, dentre eles, o art. 227, o que produzirá um específico grau de invalidade da norma perante o sistema constitucional.
A solução das mazelas sociais e, em especial, dos atos criminosos praticados por menores de 18 anos envolve um conjunto de atos efetivos de alçada, simultaneamente, do poder público e da sociedade
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*Juiz Federal
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