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Que me motivou a estudar a aprofundar o estudo da Teoria Geral do Direito...

Encerrando sua Teoria Geral do Direito, perturba quando temos o "dado" do direito natural e o da justiça na elaboração do direito: "moral e bem público temporal" e "a justiça, como matéria normal da regra jurídica".

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Atualizado às 10:09

"Ora, qualquer que sejam as precauções tomadas para impedir os abusos do poder e submeter cada órgão da autoridade à sua lei (que o criou), sempre haverá, inclusive no Estado de Direito, autoridades praticamente irresponsáveis que só obedecerão a sua regra (= lei) se assim o quiserem, e contra as que o emprego da coação é em todo caso impensável, inclusive inconcebível. Assim sucede com todos os órgãos supremos".

(Dabin, III, 8.a)

I. Introito

Na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, quando cursava o bacharelado, a Teoria Geral do Direito era sine qua non. Em função disto, mergulhei em Francesco Carnelutti (1879-1995), Miguel Reale (1910-2006) e Jean Dabin (1889-1971).

Via nos três juristas traços que me motivaram a elegê-los e adotá-los como formadores em minha orientação para a vida profissional.

Carnelutti, a genialidade peninsular se exprime não só como processualista, mas em suas obras como um todo, iniciadas com Lições de direito comercial (1910) até Como se faz um processo (1964) e as suas meditações religiosas, quase monásticas.

Dele guardo na memória:

"Conciliação é a sentença dada pelas partes, e a sentença é a conciliação imposta pelo juiz".

"As pessoas não sabem, tampouco os juristas, que aquilo que se pede ao advogado, é a dádiva da amizade, antes de qualquer coisa".

Quanto a Miguel Reale, ainda me falta o animus, não obstante, seguro de que, no Instituto dos Advogados de São Paulo, organizei uma homenagem ao Mestre, em dois dias, com profícuos palestrantes que debulharam um pouco de seu pensamento, de sua história, de seu estro poético (este tingido pelo colega de classe, Mário Chamie).

Jean Dabin, jurista belga, concentrei-me na sua atividade, advocacia e magistério (neste, foi um professor popular, tanto que sua dimensão e estatuto acadêmico levara às suas aulas, alunos assíduos, interessados e provindos de várias universidades francesas), embora Dabin fosse catedrático da Universidade Católica de Louvain.

A sua mais importante obra, publicada em 1944, na França, Teoria Geral do Direito1, foi acolhida, discutida e comentada em todos os países da Europa Ocidental. Orgulhosamente, neste escrito, já graduado em 1956, adquiri dois após, a segunda edição, em espanhol.

II. Que trata a teoria geral do direito de Jean Dabin?

Da mensagem "Ao leitor", escrita para a primeira edição, este marcante pensamento: "É preciso acrescentar que a teoria do direito não somente é útil a quem frequente aulas, mas também àqueles, que de um modo ou de outro exercem o direito? Porque a teoria do direito não é outra coisa senão que o estudo em que a razão leva a esse exercício".

Para a segunda edição, Jean Dabin adverte: "No entanto, esta não é uma simples reimpressão. Se não foi modificado o plano, o método e as linhas essenciais do sistema foi porque, depois de haver refletido e lido muito, acreditei que deveria preservar em sua concepção inicial, experimentada previamente em longos anos de investigação (referindo-se à contribuição de juristas americanos de Harvard)". Mesmo assim, demonstrando probidade intelectual, conclui: "... No entanto, o texto foi refeito, corrigido e esclarecido em inúmeros pontos; e notas dão referências a trabalhos mais recentes e apontam atenção ao 'diálogo' com o pensamento alheio, antigo ou moderno".

Busquei com muito empenho o que os pensadores americanos de Harvard pensaram da obra de Dabin e li um ensaio escrito por Edwin Patterson A filosofia do direito de Lask, Radbruch e Dabin (1950). Não é de se deixar de lado sua relevância, quando comparado com Lask (inglês) e Radbruch (alemão), que escaparam do usual.

Penso que, em nossos dias, juristas se desviam para tratar o direito como algo fora do social (Gramsci), por isso, apoio o pensamento do Cardeal Ratzinger (Papa emérito Bento XVI) que, numa reflexão de 18 de outubro de 2010, assim disse: "uma sociedade sem direito seria uma sociedade privada de direitos. O direito é condição do amor" e, mais ainda: "assim como a diplomacia é, de certo modo, a arte da esperança" (7 de janeiro de 2008).

III. Como foi estruturada a "Teoria Geral do Direito"!

Dabin, após as próprias advertências, demonstra, com a apresentação da obra, sua dedicação ao magistério e sua vontade de proporcionar aos que a estudarem, pois não creio ser possível apenas uma leitura somente, como o livro foi escrito, dividindo-o, pela Noção de Direito (Primeira Parte, p. 11-29), com uma longa introdução: são três capítulos, assim denominados: o primeiro, Definição Formal da Regra do Direito; o segundo, Caractéres da Regra Jurídica e, por fim, Matéria Regida pelo Direito.

  1. E as objeções contra essa definição, que tramitam em várias páginas e, com pesar, destaco este trecho que se escancara neste momento de vida, pois "Ora, qualquer que sejam as precauções tomadas para impedir os abusos do poder e submeter cada órgão da autoridade à sua lei (que o criou), sempre haverá, inclusive no Estado de Direito, autoridades praticamente irresponsáveis que só obedecerão a sua regra (= lei) se assim o quiserem, e contra as que o emprego da coação é em todo caso impensável, inclusive inconcebível. Assim sucede com todos os órgãos supremos".
  2. Quanto aos caracteres da regra jurídica, ela é de conduta perceptiva e categórica; é geral e sistemática, pelas instituições jurídicas.
  3. Quanto ao que rege o direito ou o que abrange, ele exclui os atos internos (pessoais, deveres para com Deus e deveres para o suserano), mas inclui as relações sociais e, inclusive, neles a relação deles com as sociais. Como há numa seleção entre elas e o direito, cada uma delas tem com as do direito determinada correspondência.

A Segunda Parte cuida de qual é o método jurídico, no capítulo primeiro, e o leva ao dilema: é objeto de uma "ciência própria" ou da tese amparada por juristas da época (Duguit e Gény): o direito é "dado" e, por fim, o direito é "prudência" e, consequentemente, "construído" (foram catorze páginas para sustentar essa afirmativa, que produziu e o fará, sem tempo previsto, um acordo, porque envolve o povo, o político, o legislador, o magistrado, o Estado etc... .

No Segundo Capítulo, vêm à baila os princípios que norteiam a plural elaboração do direito: os bens públicos temporais. Então, "se o direito é consubstancial com ideia de sociedade, o fim da regra de direito não poderá ser outro que o fim mesmo da sociedade: a saber, o bem comum". E, como bem comum, no cerne da Sociedade-Estado, é o bem comum público, o fim da regra de direito é o bem público (nacional, no plano interno, internacional no plano internacional: "A lei é circunscrita para o bem comum, como sustenta Santo Tomás de Aquino".

O instrumental técnico do direito, como explicado, é outro tema que envolve "valores jurídicos", que Radbruch, Roubier e Coing, cada um a seu entender, deixou o seu legado. E Dabin dá-nos a ideia de que o direito tem a aplicação à vida vivida, "ou seja, o da execução efetiva, o das aplicações vivas, da ideia de bem público. Inclusive com preferência à vida, uma regra não se faz possível aplicar, realizável, desde um único ponto de vista, mas que a condição de respeitar estes princípios específicos, de natureza técnica, que governam a aplicabilidade deles".

Como os princípios que Dabin traz à tona e discute são muito complexos, com várias teorias, não imagino que seria palatável, nem comportaria o limite estreito deste artigo.

(aqui está a punibilidade do perigo da arbitrariedade dos juízes, que Dabin lembrou (p. 286-70)).

Conclui esta Segunda Parte do seu livro, Dabin, com uma afirmativa (que será versada) mas que, na sua demonstração e sustentação torna-se inviável: "ao terminar esta explicação detalhada de método jurídico tem-se à demonstração, em algum modo experimental, da bem sustentada que estava a tese, desenvolvida anteriormente a priori, de que tudo na regra jurídica, qualquer que seja sua fonte, incluindo o costume, é construção, neste sentido obra da técnica".

Se a prudência determina conservar o que se tem, enquanto não se está seguro do valor que se terá - o que é? o que será? -, lembra Dabin "quando se produzem mudanças e, a fortiori, transformações sociais, o direito está obrigado, normalmente, a não seguir a reboque o movimento, pelo menos, a reviver sua atitude à luz do novo fato... pois melhor seria falar, ao contrário, de um dever de adaptação e, portanto, de renovação do direito" (aqui, outra vez Santo Tomás de Aquino, Burdeau, Coing, Radbruch, Renard, Messner, Ríglade).

Não podemos deixar de concluir que Dabin antecipava as mudanças que ocorrem no mundo, e, aconselhando prudência, precauções, certas temporizações, "medidas transitórias", a fim de atenuar o choque e acostumar o espírito à novidade, porque, com elas, o direito também muda mais rapidamente do que em outros tempos (conferir que seu amigo e genial civilista Rippert cuidou disso, quando escreveu Aspectos jurídicos do capitalismo moderno).

Na Terceira Parte, são cuidados "os 'dados' do direito natural e da justiça na elaboração do direito", aqui se recordando os termos (= conceitos) desses elegantes questionamentos.

Do direito natural, a concepção tradicional originou-se das fontes filosóficas medievais, esculpidas por Santo Tomás de Aquino na "Summa... e chega a Ulpiano, no Digesto, onde a lei é algo pertencente à razão, seguindo-se que somente a lex aeterna da criatura racional merece o nome propriamente de lei".

Com esses corolários desses pensamentos provocantes, levou Dabin a perguntar: "há um direito natural jurídico?" E, desde logo, interroga: "Em uma palavra, o direito natural é o princípio que rege o da moral ou do direito?"

O longo debate conceitual foge dos severos limites desde escrito, levando-me a responder com Dabin, que também os acolhe, com os de Roubier e Burdeau: "É preciso falar das relações entre a moral, no sentido natural, mas também positiva, e a lei civil, dizendo, o direito. Este enunciado corresponde, com efeito, à realidade: de uma parte, através do direito natural é a lei usual que está sendo discutida" (aqui Dabin confronta, em nota de rodapé, as duas correntes, a Du Pasquier e Hussom que seguem a conclusão acima com as de Gény, que se curva ao positivismo, porque o direito natural é laico).

A noção de justiça é enfrentada por várias concepções que se faz dela, mas ressaltam as de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.

E, portanto, há classes de justiça, sendo que justiça natural se diferencia da justiça positiva.

Encerrando sua Teoria Geral do Direito, perturba, no sentido intelectual, quando temos o "dado" do direito natural e o da justiça na elaboração do direito: "moral e bem público temporal" e "a justiça, como matéria normal da regra jurídica".

Pergunto: seria hoje, com a predominância da razão, do materialismo, da revolução de costumes, da aceitação de tudo que seja para ofuscar o passado, possível ter em Dabin um guia?

IV. O surpreendente Jean Dabin

Dabin deve ser pesquisado desde a sua juventude, depois como membro de sua família e no casamento, nos seus estudos e como professar, para chegarmos a admirá-lo porque, especializado em direito civil (civilista de formação), continua na teoria ou na filosofia do direito e, mais ainda, no direito público (eu, aqui, repito Cornelutti e Reale como parelhos).

A Monarquia ainda rege, como na Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Holanda, Japão, sem ser a administrativa, mas não é simbólica tout court.

Dabin opõe-se ao Rei Leopoldo II, sobre como ele agiu, despoticamente, para solidificar seu poder no Congo. Admitiu o estupro de crianças, de mulheres, até que, após a independência em 1960, as mulheres decidiram processar a Bélgica por crimes contra a humanidade.

Eu que estive alguma vezes no Congo, após doze anos de independência, vi as manchas, mas seguia o país infeliz com Mobutu, tão tirano quanto o monarca.

A riqueza natural do país e sua gente, se ajuizada, o levará a se tornar o país mais produtivo do mundo em minerais e alimentos, bem por isso, hoje, chineses, alemães e americanos lá estão.

Dabin jogou papel importante na Questão Real de 1945 a 1951, porque sempre se opôs à rendição da Bélgica, que gerou forte crise institucional, rendição essa, na Segunda Guerra Mundial, aderindo à oposição para que abdicasse Leopoldo II em favor de seu filho Leopoldo III, porque foi a rendição inconstitucional (o gabinete se mudou para Londres, formando um governo de exílio).

V. Conclusão

Dispondo da edição espanhola de 1955 da Teoria geral do Direito, adquiria em 1958. Essa edição precede à Theorie générale du Droit, de 1969, vinda ao público dois anos antes da passagem de Dabin.

Disponho a doá-la a uma Faculdade de Direito (pública ou privada) que se disponha a relembrar a importância de Jean Dabin (lembro, em vida, Doutor Honoris Causa de célebres universidades francesas e belgas).

E Dabin, sem dúvida, pai de sete filhos, sentiu a graça de ver publicado o primeiro livro em 1929 (La philosophie de l'ordre juridique positif: spécialement dans les rapports de droit privé) e da última cinquenta anos depois.

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1 DABIN, J. Teoría general del Derecho. Trad. Francisco Javier Osset. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1955.

Jayme Vita Roso

VIP Jayme Vita Roso

Advogado.

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