A desnecessidade de prévia aprovação da loa para vinculação orçamentária em processos licitatórios
O presente artigo aborda a necessidade (ou não) de se ter a Lei Orçamentária Anual já aprovada na hora de licitar, à luz da Nova Lei de Licitações e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
segunda-feira, 7 de novembro de 2022
Atualizado em 30 de novembro de 2022 13:05
A Constituição Federal, em seu art. 167, incisos I e II, estabeleceu que todas as despesas dos Entes deverão figurar no orçamento, sendo isento de dúvida que qualquer contratação apta a ensejar dispêndio de verba pública depende de previsão de recursos orçamentários:
Art. 167. São vedados:
I- o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
II- a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
Assim, a Administração Pública, dentro da noção de responsabilidade fiscal, em tese, somente pode assumir obrigações, compromissos e deveres, com fundamento na existência de receita ou, pelo menos, previsão desta.
Seguindo o entendimento da Carta Magna, a nova Lei de Licitações 14.133/21 estabelece que a fase preparatória do processo licitatório deve compatibilizar-se com as leis orçamentárias. De igual modo, o art. 150 prevê que nenhuma contratação será feita sem a indicação dos créditos orçamentários para pagamento das parcelas contratuais vincendas:
Art. 150. Nenhuma contratação será feita sem a caracterização adequada de seu objeto e sem a indicação dos créditos orçamentários para pagamento das parcelas contratuais vincendas no exercício em que for realizada a contratação, sob pena de nulidade do ato e de responsabilização de quem lhe tiver dado causa.
Já a lei 8.666/931, no art. 7º, caput, § 2º, III, estabelece que o certame licitatório para obras e serviços somente será deflagrado quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes das obras e serviços a serem executados no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma.
Nesse sentido, segundo o disposto no art. 14 da citada lei, nenhuma compra será feita sem a indicação dos recursos orçamentários necessários para seu pagamento:
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.
De igual modo, a Lei de Responsabilidade Fiscal - lei complementar 101/00 - dispõe, em seu art. 16, §4º, I, que as normas contidas no caput são condições prévias para o empenho e a licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras:
Art. 16, § 4o As normas do caput constituem condição prévia para:
I - Empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;
II - Desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o §3º do Art. 182 da Constituição Federal.
O caput do referido dispositivo prevê que o aumento de despesa gerado a partir de criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental será acompanhado de: estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes, bem como de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Ainda sobre esse ponto, cabe frisar que o inciso I do caput do art. 16 faz referência ao impacto orçamentário, bem como ao impacto financeiro. Isso demonstra, de maneira clara, que também existe preocupação com a existência de recursos financeiros necessários para extinguir, mediante o respectivo pagamento, a obrigação então assumida pela Administração.
Ademais, da leitura do referido caput, percebe-se que é facultado ao ordenador de despesas e, por consequência, à Administração Pública, declaração atestando a previsão de orçamento, sem se falar em comprovação da subsistência de verba nesse mesmo momento.
Sendo assim, no que diz respeito à necessidade de recursos orçamentários, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a lei 8.666/93 apenas exige da Administração a previsão de recursos em lei orçamentária, não se fazendo necessário que esse já esteja disponível:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. OBRA PÚBLICA. ART. 7º, §2º, INCISO III, DA LEI Nº 8.666/93. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS. 1. Trata-se de discussão acerca da interpretação do disposto no art.7º, §2º, inciso III, da lei 8.666/93: se há a exigência efetiva da disponibilidade dos recursos nos cofres públicos ou apenas a necessidade da previsão dos recursos orçamentários. 2. Nas razões recursais o recorrente sustenta que o art. 7º, §2º, inciso III, da lei 8.666/93 exige para a legalidade da licitação apenas a previsão de recursos orçamentários, exigência esta que foi plenamente cumprida. 3. O acórdão recorrido, ao se manifestar acerca do ponto ora discutido, decidiu que "inexistindo no erário os recursos para a contratação, violada se acha a regra prevista no art. 7º, §2º, III, da lei 8.666/93". 4. A lei 8.666/93 exige para a realização da licitação a existência de "previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma", ou seja, a lei não exige a disponibilidade financeira (fato da administração ter o recurso disponível ou liberado), mas, tão somente, que haja previsão destes recursos na lei orçamentária.5. Recurso especial provido. (REsp 1141021/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 30/08/12).
Neste sentido também seguem os ensinamentos de Joel Menezes Niebuhr2, o qual entende que a Administração não precisa dispor do recurso necessário para arcar com o contrato à época da Licitação, carecendo, apenas, da indicação de que haverá previsões no orçamento para se realizar os pagamentos no futuro, vejamos:
A exigência de indicação dos recursos orçamentários visa a evitar que contratos sejam celebrados sem que a Administração disponha, no seu orçamento, da previsão do montante necessário para realizar os respectivos pagamentos. Quer-se evitar contratações aventureiras e o inadimplemento da Administração. Note-se que o dispositivo não exige a disposição de recursos antes da licitação ou mesmo antes da celebração do contrato.O dispositivo exige apenas que se disponha dos recursos no exercício financeiro correspondente ao contrato, isto é, que haja previsão dos recursos na respectiva lei orçamentária. Cumpre insistir - porque deveras frequente é a confusão - que a Administração não precisa dispor, à época da licitação, do montante necessário para arcar com o contrato; ela precisa apenas indicar que há previsões no orçamento para realizar os pagamentos futuros.
Note-se, com isso, que a intenção da jurisprudência e da doutrina é achar outras alternativas de modo a não permitir que Administração Pública fique engessada, em razão da ausência de Lei Orçamentária. Caso não fosse possível contratar nesses casos, o Administrador estaria de mãos atadas enquanto a lei não fosse aprovada, correndo o risco, inclusive, de responder por improbidade por deixar de agir.
Assim, naqueles casos em que a Câmara ainda não aprovou a Lei Orçamentária Anual - LOA para o ano subsequente, faz-se necessário que os setores responsáveis pelo orçamento e finanças do ente público atentem-se à Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada e, caso entendam pertinente, prestem declarações atestando que as despesas decorrentes são compatíveis com o Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado à Câmara.3
Neste quesito, é fundamental que o gestor público responsável pela execução do processo licitatório esteja municiado das informações adequadas, com a devida fundamentação jurídica e justificativa para a execução do processo sem violação das regras aplicáveis. Exatamente por isso, a equipe responsável pela operação da licitação deve ser efetiva e adequadamente treinada para se atentar para este ponto relevante e ter os subsídios necessários para documentar o processo licitatório de forma a municiar o gestor público para que não haja margem para questionamentos dos órgãos de controle.
Pelo exposto, é possível à Administração Pública realizar contratação com base em Projeto de LOA carente de aprovação, desde que o ordenador da despesa indique a disponibilidade orçamentária para o exercício seguinte. Para tanto, é relevante que a execução do processo licitatório nestas condições deve ser devidamente instruída, o que demanda qualificação dos agentes envolvidos e correta documentação das justificativas para prestar, caso necessário, as contas adequadas aos órgãos de controle.
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1 Artigo. 7o, § 2o As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
2 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Editora Fórum, 2011, 2ª Edição revista e ampliada, Belo Horizonte.
3 Recomendação do Ministério da Infraestrutura - DAF nº 09/2020.
III- houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executados no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma.
Camila Palhares Sanson
Advogada e Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Possui formação complementar em Tendências do Direito Administrativo.