Cautelas que o adquirente deverá adotar para a segurança jurídica do negócio imobiliário
Apesar da boa-fé do terceiro adquirente ser presumida, ela poderá ser relativizada a partir do momento em que se dispensa as certidões dos distribuidores judiciais em nome do alienante.
segunda-feira, 31 de outubro de 2022
Atualizado às 13:22
Qualquer pessoa que pretenda realizar um negócio imobiliário deve se cercar das mínimas cautelas a fim de evitar eventuais infortúnios indesejados.
Assim, embora a legislação (art. 54 da lei 13.097/151 estabeleça a eficácia dos negócios jurídicos imobiliários no caso de não existir qualquer constrição ou gravame na matrícula do bem, na prática, esta eficácia é relativa.
Isso porque, diante da inexistência de apontamentos na matrícula, eventual ato fraudulento será objeto de verificação fática, caso a caso, pela demonstração, pelo credor ou pelo prejudicado, que houve má-fé por parte do adquirente.
Imaginem alguém que adquira imóvel de pessoa que, a par de não ter em face do seu imóvel qualquer gravame registrado ou averbado, esteja respondendo por dívidas ajuizadas, possui títulos protestados e assim por diante.
Nessa situação, questiona-se:
o adquirente, que não se preocupou com as certidões ou ignorou os credores do alienante poderá ser considerado "de boa fé"?
Para responder essa questão deve-se consultar o entendimento da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, que, inclusive editou a súmula 375 a respeito do tema:
"o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente".
Logo, consoante o entendimento do STJ, na ausência de apontamentos na matrícula do imóvel anterior à venda, competirá ao credor demonstrar a má-fé do comprador, o consilium fraudis, posto que em favor do adquirente do imóvel ou do negócio imobiliário, militará a presunção - relativa - de boa-fé.
Nesse diapasão, a prova da má-fé pode consistir apenas na dispensa das certidões de praxe relativas ao vendedor e ao imóvel, quando facilmente, por tais documentos, poderia o comprador verificar a insolvência do alienante. No caso exemplificativo, portanto, o terceiro adquirente não pode ser considerado de boa-fé.
Em outras palavras, ao se dispensar a apresentação das certidões de distribuição de ações, dentre outras, a presunção - relativa - de boa-fé poderá ser afastada, em que pese a matrícula não espelhar qualquer gravame ou constrição.
Sobre o tema, a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do processo 1059271-84.2018.8.26.01002, manteve a sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro que tinha como objetivo livrar a penhora de bem imóvel ocorrida nos autos de uma ação de execução, sob o argumento de que a compra ocorreu em data anterior ao registro da constrição na matrícula.
No entanto, apesar de o bem ter sido adquirido antes do registro da penhora na matrícula do imóvel, o TJ/SP entendeu que o terceiro adquirente - embargante - não tomou as mínimas cautelas necessárias para a concretização do negócio jurídico ao ignorar as certidões negativas do distribuidor cível, e ainda, por direcionar todo o valor da compra para empresas que não fizeram parte do compromisso de compra e venda, evidenciando a sua má-fé.
Assim, conclui-se que apesar da boa-fé do comprador ser presumida, esta deverá ser analisada caso a caso, pois muitas vezes ela poderá ser relativizada a partir do momento em que se dispensa/ignora as certidões dos distribuidores judiciais em nome dos alienantes, suficientes à demonstração da existência de apontamento(s) capaz de reduzi-los à insolvência.
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2 A parte vencedora foi patrocinada pelos advogados do escritório Grigoletto Advogados.