Os motoristas de aplicativo e a relação de emprego
Atualmente diversas empresas oferecem o serviço de transporte de passageiros, por intermédio de aplicativos.
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
Atualizado em 24 de outubro de 2022 13:49
A sociedade está em constante evolução, com diversas mudanças sendo inseridas no meio social a cada dia. A evolução tecnológica nas últimas décadas demonstra bem as mudanças sociais ocorridas no século 21.
As inovações tecnológicas surgem com objetivo de sanar eventuais falhas nos produtos e serviços atualmente existentes, desta forma muitas dos produtos e serviços disponíveis vem sendo aperfeiçoados, a causam significativas mudanças na prática de muitos atos corriqueiros, tais como como assistir televisão, navegar na internet, falar ao telefone, e, inclusive, no nosso meio de transporte.
Tenhamos como exemplo os meios de transporte, onde durante muito tempo, se quiséssemos nos deslocar por alguns quilômetros, precisaríamos utilizar carro próprio, chamar um táxi, ou mesmo um ônibus. Atualmente, basta que tenhamos um aparelho smartphone, com um aplicativo instalado e em questão de minutos, um motorista aparece para te conduzir até seu destino, mediante remuneração previamente indicada no aplicativo.
Atualmente diversas empresas multinacionais oferecem o serviço de transporte de passageiros, por intermédio de aplicativos.
Obviamente que mudanças como essas causam ou deveriam causar mudanças no Direito do Trabalho, de modo a adequá-lo ao novo contexto social.
Como consequência do acompanhamento eficaz da evolução, surgem decisões judiciais divergentes nos mais diversos pontos relacionados à justiça laboral, especialmente no tocante à configuração do vínculo empregatício e controle de jornada de trabalho.
Ao julgar, por exemplo, o caso dos "Motoristas de Aplicativos", os Tribunais tem divergido quanto à existência ou não do vínculo de emprego.
Tenha-se como exemplo o acórdão preferido pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário 0000699-64.2019.5.13.0025, que reconheceu a existência vinculo de emprego entre um motorista e a empresa Uber do Brasil Tecnologia LTDA, proprietária do aplicativo UBER..
No caso concreto tratava-se de Recurso Ordinário, onde o reclamante buscou a reforma da sentença prolatada pelo Juízo de primeira instância, que havia negado a existência de vínculo de emprego, acatando somente o pedido de indenização por dano moral em razão da rescisão contratual sem prévio aviso.
O recorrente sustentou em seu recurso que era empregado da empresa de transporte de passageiros, laborando com todos os requisitos da relação de emprego, inclusive a subordinação, pois, segundo a inicial, havia penalidades disciplinares, que, em caso de descumprimento, levavam ao desligamento da empresa.
A empresa reclamada, por sua vez, sustentou ser apenas uma plataforma digital e não uma empresa de transporte, onde, de um lado existem motoristas autônomos que desejam prestar o serviço de forma individual e privado, e de outro os usuários que desejam contratar tal serviço, de forma que ela apenas conecta tais pessoas.
Distribuído à 2ª Turma do TRT da 13ª Região, o Recurso Ordinário interposto pelo reclamante foi provido, de modo que em seu voto o relator assentou que a UBER é uma empresa de transportes e não simples plataforma digital, uma vez que seu lucro está diretamente vinculado ao transporte de pessoas realizado pelos motoristas, e alicerçando-se no princípio da primazia da realidade sobre a forma, assim como no art. 6º, parágrafo único da CLT e argumentando que o próprio desligamento do reclamante, por descumprimento às normas da empresa demonstram a ausência de autonomia e presença de subordinação, reconheceu o vínculo de emprego. O recurso foi provido por maioria.
A Decisão ficou assim ementada:
AÇÃO PROPOSTA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECURSO DO AUTOR. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE ART. 9º, 442 DA CLT E RECOMENDAÇÃO 198 DA OIT. VÍNCULO DE EMPREGO. PRESENÇA DOS ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS CONTIDOS NOS ART. 2º, 3º e 6º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. SUBORDINAÇÃO E CONTROLE POR PROGRAMAÇÃO ALGORÍTMICA. CONFIGURAÇÃO. A tão falada modernidade das relações através das plataformas digitais, defendida por muitos como um sistema colaborativo formado por "empreendedores de si mesmo", tem ocasionado, em verdade, um retrocesso social e precarização das relações de trabalho. Nada obstante o caráter inovador da tecnologia, o trabalho on demand através de aplicativo tem se apresentado como um "museu de grandes novidades" : negativa de vínculo de emprego, informalidade, jornadas exaustivas, baixa remuneração e supressão de direitos trabalhistas como férias e décimo terceiro salário. Comprovando-se nos autos que o autor, pessoa física e motorista da UBER, plataforma de trabalho sob demanda que utiliza a tecnologia da informação para prestação de serviços de transporte, laborava em favor desta com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, seguindo diretrizes de controle algorítmico e padrão de funcionamento do serviço, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego pleiteado com o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias a ele inerentes. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE TELEMÁTICO. COMPROVAÇÃO. ADICIONAIS DEVIDOS. Embora se reconheça que o motorista de UBER tem certa autonomia para se pautar no seu cotidiano e distribuição do trabalho, a empresa, por outro lado, tem total possibilidade de exercer controle telemático sobre sua jornada, já que a atividade é exercida mediante uso de plataforma digital, com equipamento em conexão online, o que, por óbvio, permite o monitoramento remoto do trabalho, e, por conseguinte, afasta a hipótese contida no art. 62, I, da CLT. Assim, comprovado o labor em horas extras, devidos são os adicionais, na forma da Súmula 340 do TST. Recurso a que se dá parcial provimento. RECURSO PATRONAL. DESLIGAMENTO DO AUTOR DA PLATAFORMA DE SERVIÇOS SEM AVISO PRÉVIO. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL INEXISTENTE. Embora reprovável pela falta do aviso prévio, a conduta da reclamada de desligar o autor de sua plataforma de serviços de forma imotivada, não tem o condão de gerar danos morais passíveis de reparação. A situação se assemelha aquela vivenciada pelo empregado típico dispensado sem justa causa por seu empregador sem aviso prévio e sem o percebimento das verbas rescisórias. Nessa hipótese, a jurisprudência, inclusive do C. TST, é vasta no sentido de que não há responsabilidade civil na espécie. Entende-se que a dispensa imotivada sem o cumprimento do quanto previsto na legislação enseja consequências próprias, cuja reparação se dá no âmbito material, não implicando, por si só, em violação aos direitos da personalidade e nem no reconhecimento in re ipsa do abalo. Recurso provido no aspecto. (TRT-13 - RO: 00006996420195130025 0000699-64.2019.5.13.0025, 2ª Turma, Data de Publicação: 25/09/2020)
Seguindo a mesma linha de entendimento do julgado apresentado no parágrafo anterior, o TRT da 1ª Região reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista e a empresa UBER, sob o argumento de que a empresa, por meio de algoritmos, codifica o comportamento dos motoristas, por onde faz o controle das atividades por eles exercidas, e, assim, configuraria a subordinação, in verbis:
RECURSO ORDINÁRIO. UBER. MOTORISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA. EXISTÊNCIA. O contrato de trabalho pode estar presente mesmo quando as partes dele não tratarem ou quando aparentar cuidar-se de outra modalidade contratual. O que importa, para o ordenamento jurídico constitucional trabalhista, é o fato e não a forma com que o revestem - princípio da primazia da realidade sobre a forma. No caso da subordinação jurídica, é certo se tratar do coração do contrato de trabalho, elemento fático sem o qual o vínculo de emprego não sobrevive, trazendo consigo acompanhar a construção e evolução da sociedade. A Lei, acompanhando a evolução tecnológica, expandiu o conceito de subordinação clássica ao dispor que "os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio" (parágrafo único do artigo 6º da CLT). No caso em análise, resta claro nos autos que o que a Uber faz é codificar o comportamento dos motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de gestão, sendo que referida programação fica armazenada em seu código-fonte. Em outros termos, realiza, portanto, controle, fiscalização e comando por programação neo-fordista. Dessa maneira, observadas as peculiaridades do caso em análise, evidenciando que a prestação de serviços se operou com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE PROPOSTA DE ACORDO. A não homologação do acordo, cujos termos se apresentam inadequados, não é uma faculdade do magistrado, mas sim um dever, mormente se constatado que a ré se utiliza da técnica da conciliação estratégica por julgador para obter como resultado a manipulação da jurisprudência trabalhista acerca do tema tratado no processo. (TRT-1 - RO: 01008539420195010067 RJ, Relator: CARINA RODRIGUES BICALHO, Data de Julgamento: 21/07/2021, Sétima Turma, Data de Publicação: 28/07/2021) (grifei)
Todavia, em sentido contrário à Decisão retromencionada, o TRT da 12ª Região vem negando a existência de vínculo empregatícios entre motoristas e as empresas de transporte de passageiros realizada por aplicativos, senão vejamos a ementa:
TRANSPORTE REMUNERADO PRIVADO INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. APLICATIVO UBER. VÍNCULO DE EMPREGO NÃO CARACTERIZADO. A atividade de transporte remunerado privado individual de passageiros realizada por meio do aplicativo UBER denota ausência de subordinação jurídica entre o motorista que adere à plataforma do UBER e a empresa que o criou e mantém, podendo, inclusive, não aceitar algum serviço solicitado, realizar os horários de prestação de serviços conforme a sua conveniência, inclusive podendo não trabalhar em algum período ao seu livre arbítrio, não havendo que falar em poder hierárquico da empresa que administra o aplicativo. (TRT12 - RORSum - 0000487-58.2020.5.12.0050 , Rel. JOSE ERNESTO MANZI , 3ª Câmara , Data de Assinatura: 24/11/2020) (TRT-12 - RO: 00004875820205120050 SC, Relator: JOSE ERNESTO MANZI, Data de Julgamento: 18/11/2020, Gab. Des. Jose; Ernesto Manzi)
Ao julgar o caso concreto, o relator, Desembargador Jose Ernesto Manzi, em seu voto asseverou a ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa proprietária do aplicativo, argumentando que o reclamante de poderia recusar algum serviço solicitado ou trabalhar nos horários conforme sua conveniência, podendo, inclusive, não trabalhar.
No mesmo sentido decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, senão vejamos:
VÍNCULO DE EMPREGO. UBER. MOTORISTA. TRABALHO AUTÔNOMO. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Relação de trabalho que, na espécie, não se desenvolveu em regime de subordinação. Serviços de transporte com veículo próprio e por conta e risco do próprio trabalhador. Vínculo de emprego não configurado. Recurso Ordinário da ré a que se dá provimento. (TRT-2 10008516520195020231 SP, Relator: EDUARDO DE AZEVEDO SILVA, 11ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 11/11/2020)
Percebe-se, portanto, evidente divergência jurisprudencial no tocante à configuração da relação de emprego entre motoristas e as empresas que administram os aplicativos de transporte de passageiros.
Necessário destacar que recentemente a discussão acerca da existência de vínculo de emprego entre motoristas prestadores de serviços à empresas de aplicativos chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, por meio do Recurso de Revista n. 100353-02.2017.5.01.0066, de relatoria do Ministro Mauricio Godinho Delgado, já havendo nos autos o voto do relator e do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, reconhecendo a existência de vínculo empregatício, formando, assim maioria, todavia, o julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista regimental do Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte.
Trata-se de divergência inerente às inovações trazidas pela vida moderna, de modo que cabe ao legislador buscar, na medida do possível, acompanhar tal evolução, regulamentando-as.
Ocorre que o sistema legislativo, devido à sua sistemática própria, não acompanha em tempo real as mudanças sociais, de modo que, na ausência de norma específica sobre o tema, surgem as divergências jurisprudenciais.
Emmanuel Dockes, ao tratar sobre as inovações conceituais e sua relação com o direito do trabalho, assim leciona:
Todos esses novos conceitos propagam a ideia de que nossos conceitos antigos não funcionam mais. Mas isso é apenas parcialmente correto. Por trás da novidade, real, se escondem negócios antigos, como o transporte pessoas ou de produtos, e até organizações antigas de trabalho. Antes da fábrica taylorista e depois fordista, já havia "finalizadores" e "tarefeiros", pagos por tarefa, às vezes muito especializadas, "autônomas" na fixação de seus horários, muitas vezes proprietários de suas ferramentas e instrumentos de trabalho e, mesmo assim, colocados em uma situação de submissão e de grande fraqueza. Esse tipo de trabalho, não apenas dependente mas submisso, embora autônomo em sua organização temporal ou espacial, nunca cessou completamente. Há mais permanência no trabalho das plataformas do que se costuma dizer.
E há mais modernidade em nossos antigos instrumentos legais do que se costuma dizer. Ninguém questiona a modernidade do conceito de "contrato", embora anterior à invenção do papel. Comparativamente, o contrato de emprego e a subordinação que lhe serve de critério são de um modernismo escancarado. O Direito deve se adaptar, mas ele deve se adaptar à realidade em todas as suas dimensões. Mas as relações humanas mudam menos rapidamente do que os telefones celulares. E o progresso técnico nem sempre é libertador: há também novas tecnologias a serviço da submissão. (destaquei)
Percebe-se, então, que o desafio é acompanhar a evolução tecnológica sem abandonar conceitos elementares da relação de emprego.
Conforme se denota dos julgados acima, a grande celeuma reside na existência, ou não, de subordinação jurídica, um dos requisitos da relação de emprego, sem o qual o vínculo não pode ser reconhecido.
Segundo PONTES DE MIRANDA (1954-1974, t. 47, p. 73, n. 2) subordinado é aquele que fica "sob as ordens e a disciplina do empregador", ou seja, a subordinação pressupõe a existência de um poder diretivo e disciplinar do empregador.
No caso dos motoristas que prestam os serviços de transporte por intermédio de aplicativos, não existem ordens específicas, todavia há certo poder diretivo, uma vez que a discordância com as políticas da empresa, ou mesmo a inobservância de regras próprias pode levar à suspensão ou exclusão do motorista.
Todavia, DELGADO (2011, p. 572) ensina que não somente nas relações de emprego se identifica a subordinação, pois seria característica dos contratos de prestação de serviço em geral um mínimo de diretrizes e avaliações à prestação efetuada, in verbis:
É que dificilmente existe contrato de prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver uma ou outra conferência tópica ao longo da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. Esta será incompatível, porém, com uma intensidade e repetição de ordens pelo tomador ao longo do cotidiano da prestação laboral. Havendo ordens cotidianas, pelo tomador, sobre o modo de concretização do trabalho pelo obreiro, desaparece a noção de autonomia, emergindo, ao revés, a noção e realidade da subordinação. (DELGADO, 2011, p. 572.)
Ainda, ao tratar da subordinação, GARCIA (2009) trata da subordinação estrutural, também denominada de subordinação integrativa, explicando que ela ocorre quando ""o empregado desempenha atividades que se encontram integradas à estrutura e à dinâmica organizacional da empresa, ao seu processo produtivo ou às suas atividades essenciais".
Ao estudar o caso, ZANATO e ROSA (2020) afirmam que como solução para a identificação da existência ou não da relação de emprego "uma das propostas se faz pela interpretação teleológica do contrato de trabalho, a qual evidencia um desequilíbrio no poder de negociação" esclarecendo ainda que "a plataforma detém além do capital, a tecnologia e a atividade em si. Ao passo que os motoristas, ou se adaptam aos moldes da plataforma ou não desempenham a atividade".
Assim, a seguir o conceito de subordinação estrutural, haverá a subordinação sempre que a atividade desempenhada pelo empregado passa a integrar as atividades essenciais da empresa ou a seu processo produtivo, de modo que a sua desvinculação desfaz a atividade-fim da empresa, impossibilitando ou dificultando até mesmo a manutenção das atividades.
No tocante ao controle normativo da matéria, Sabe-se que para se caracterizar o vínculo empregatício, é necessária a satisfação cumulativa dos requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, que assim dispõe:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (grifei)
Nessa toada, temos que são requisitos da relação de emprego: pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e a subordinação.
Necessário destacar ainda a disposição contida no art. 6º da Consolidação das Lei do Trabalho - CLT, que dispõe que "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego".
O mesmo artigo, em seu parágrafo único, dispõe que "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".
Ainda, diante das peculiaridades da relação de trabalho ora analisada, não se pode ignorar o princípio da primazia da realidade sobre a forma, insculpido no art. 442 da CLT, ao dispor que "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego" (Grifei), ou seja, a existência de um documento formal não é imprescindível para que haja a relação de emprego, uma vez que a realidade fática deve se sobrepor à documental.
Conforme exposto alhures, para a correta análise quanto à existência ou não de vinculo de emprego entre os motoristas e as empresas proprietárias dos aplicativos de mobilidade urbana, é necessário analisar a presença dos requisitos ensejadores da relação empregatícia, contidos no art. 3º da CLT.
Pois bem, o motorista que presta o serviço é pessoa física e o faz de forma pessoal, sendo a pessoalidade reconhecida pacificamente pela jurisprudência.
A onerosidade, de igual forma, é evidente, uma vez que ao motorista é paga a contraprestação pelo serviço, consistente em uma porcentagem do valor pago pelo usuário do serviço.
Os pontos polêmicos são a não eventualidade e a subordinação. A análise tocante à não eventualidade, no entanto, depende da existência ou não de subordinação, pois, por se tratar de serviços on demand, onde o motorista recebe diversas possibilidade de serviço diariamente por meio do aplicativo de responsabilidade da empresa, cabe a análise de ele teria a obrigação de aceitar os serviços diários ou exercer uma quantidade mínima de transportes em um determinado tempo, o que nos leva à análise da existência ou não da subordinação.
Neste ponto, ressalvados entendimentos diversos, verifica-se existir subordinação, uma vez que se tornou público que as empresas administradoras dos aplicativos vem excluindo motoristas que optaram por cancelar "corridas", conforme notícia amplamente divulgada na mídia.
A conduta da empresa evidencia que os motoristas não detêm autonomia para exercer seu labor, iniciar ou encerrar o transporte de passageiros conforme sua conveniência.
Ainda, sob o conceito de subordinação estrutural, verifica-se que o trabalho desenvolvido pelos motoristas é essencial à atividade-fim da empresa gestora do aplicativo, de modo que a ausência de tal trabalho inviabiliza até mesmo o funcionamento orgânico da empresa.
Não se pode ignorar as mudanças significativas na forma da prestação do serviço, uma vez que é fruta de novas tecnologias, todavia, conforme expõe o Desembargador Luiz Otávio Renaul Linhares:
[...] Durante cerca de cinquenta anos viu-se, no Brasil, por força da CLT, a progressiva aglutinação jurídica em torno do trabalho subordinado, fruto até de uma exigência do sistema fordista da produção. Nos últimos anos, contudo, tem-se presenciado um forte movimento em sentido inverso, em decorrência dos substanciais mudanças na forma de prestação de serviços - teletrabalho, microinformática, robotização, trabalho a domicílio - sem que se atente para o determinismo do art. 3º da CLT. Neste contexto, se o trabalho não eventual é prestado com pessoalidade, por pessoa física, com onerosidade, resta ao intérprete examinar a subordinação. Esta, cada vez mais, vem se diluindo diante da quebra da estrutura hierárquica da empresa fordista e suas características deslocaram-se da esfera subjetiva para a esfera objetiva, sem se falar que a desprestigiada dependência econômica volta a ganhar importância. Preenchidos estes pressupostos, o contrato de emprego se assume por inteiro.[...] (TRT da 3ª Região - 4ª Turma - RO 600750.2003.047.03.00.0 - Rel. Luiz Otávio Linhares Renault - DJMG 07.08.2004 - p. 9. Disponível em: http://www.trt3.jus.br/. Acesso em: 06 jan. 2022.)
Portanto, a análise da existência ou não de subordinação é de extrema relevância para, no caso concreto, se identificar a relação de emprego.
No tocante à adoção da teoria da subordinação estrutural, se faz necessária certa cautela, em razão da demasiada amplitude do conceito, de forma e evitar o reconhecimento do vínculo em todo contrato de prestação de serviços.
Diante de todo o exposto, verifica-se se tratar de situação delicada, que demanda análise casuística.
Caberá ao julgador, na análise do caso concreto, verificar a existência cumulativa dos requisitos da relação de emprego, especialmente a existência de dependência ou subordinação entre o motorista e a empresa responsável pelo aplicativo.
Salvo melhor juízo, haverá a relação de emprego naqueles casos em que se evidenciar a ausência de autonomia do motorista, com a existência de punições por não realizar quantidade mínima de transportes, por cancelar trabalhos, escolher os serviços que melhor lhe remuneram, se evidenciando o poder diretivo da empresa e a subordinação do motorista.
Caso contrário, a simples prestação do serviço, sem que se demonstre no caso concreto a existência da subordinação, não leva a existência de vínculo de emprego, podendo, todavia, a situação se enquadrar em outras espécies da relação de trabalho.
______________
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 09 ago. 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59566. Acesso em: 06 jan. 2018.
DOCKÈS, Emmanuel. Os empregados das Plataformas. In Futuro do Trabalho - Os Efeitos da Revolução Digital na Sociedade. Organização: Rodrigo Lacerda Carelli, Tiago Muniz Cavalcanti, Vanessa Patriota da Fonseca. Brasília: Esmpu, 2020, p.174.
DELGADO, Mauricio Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996.
DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006.
DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. In: Revista LTr, São Paulo, n. 6, 2006.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. São Paulo: Método, 2009.
MARTINS, Raphael. G1. 2021. Uber exclui motoristas por cancelamento constante de corridas. Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/09/24/uber-exclui-mais-de-15-mil-motoristas-por-cancelamento-constante-de-corridas-diz-associacao.ghtml. Acesso em: 06 jan. 2022.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, 1954-1970.
TRT da 1ª Região - 7ª Turma - RO 01008539420195010067 - Rel. Carina Rodrigues Bicalho, Data de publicação: 28/07/2021. Disponível em:
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TRT da 3ª Região - 4ª Turma - RO 600750.2003.047.03.00.0 - Rel. Luiz Otávio Linhares Renault - DJMG 07.08.2004 - p. 9. Disponível em:
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