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A relevância das questões federais no presente no recurso especial

A opção do STJ em interpretar do modo que já imaginávamos traz uma grande segurança jurídica para os recorrentes e, ainda, possibilita um amplo debate legislativo sobre o próprio instituto da relevância, seu conceito e suas procedimentalidades, além do impacto que trará no mundo recursal.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Atualizado às 13:59

Em recente alteração constitucional, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 125/22, resultado da chamada PEC da Relevância, com a criação do requisito de admissibilidade da relevância da matéria da questão federal, aquela que for o objeto do recurso especial, com o intuito de convencer o colegiado do STJ para sobre a importância da matéria para o devido julgamento na jurisdição excepcional realizada por este Tribunal Superior.

O intuito da referida Emenda foi criar um filtro para o recurso especial, visando, de maneira macro, minorar a quantidade de recursos que o STJ julga anualmente, filtrando o acesso a esta jurisdição excepcional, com a busca por julgar menos para julgar melhor, atendo-se a matéria teoricamente mais importantes.

A Emenda Constitucional 125/22 trouxe um problema em termos de vigência e o momento de exigência do requisito da relevância nos recursos especiais. Apesar de uma Emenda pequena em termos de incremento textual e quantidade de dispositivos em seu texto e no que emendou, ainda assim, sobre a vigência, criou-se uma antinomia.

A Emenda incluiu o §2º do art. 105 da CF com a seguinte redação: "no recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento."

É importante destacar que a relevância será examinada a partir de critérios a serem criados "nos termos da lei". Como se sabe, ainda não há lei que disponha o conceito claro do que é  relevância, com a necessária construção legislativa sobre esse ponto. O que é, seus limites, reflexos, impactos e procedimentos ainda não foram definidos em lei e a própria Emenda determina que assim seja.

Dessa maneira, a necessidade de uma lei regulamentadora torna a Emenda e o requisito da relevância da questão federal uma norma de eficácia contida, com a inviabilidade de se cobrar, no âmbito do STJ, tal requisito, uma vez que não se tem ideia do que é a relevância como instituto jurídico ainda.

No entanto, apesar dessa necessidade de regulamentação legal clara pelo dispositivo inserido no texto constitucional, o art. 2º da Emenda traz o seguinte texto: "A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo."

Nesse artigo da própria Emenda, há uma disposição de direito intertemporal clara e a sua interpretação deve ser em 2 (dois) sentidos.

O primeiro está no tocante a deixar claro que mesmo que um recurso especial venha a ser analisado em momento posterior - da Emenda ou da futura lei regulamentadora, não pode ser cobrada a relevância da questão federal por não ser requisito existente na interposição do recurso (ou da publicação da decisão). Um autêntico marco temporal para consignar como claro que não se poderá retroagir a cobrança da relevância.

O segundo é mais preocupante, justamente por dispor que será exigida a relevância após a entrada em vigor da Emenda, o que faz parecer que a eficácia da norma inserida no texto constitucional é imediata, sem nenhuma contenção.

Diante disso, ao menos aparentemente, há uma antinomia entre os dois dispositivos elencados e o início da exigência da relevância da questão federal. O § 2º inserido no texto constitucional pela Emenda condiciona a exigência da relevância somente quando houver uma futura lei que regulamente o próprio instituto, já o art. 2o. da Emenda dispõe que será exigida após a entrada em vigor desta.

Naturalmente a dúvida surge sobre a eficácia da norma, o tempo e a exigência (ou não) do STJ sobre a relevância da questão federal nos recursos especiais a serem interpostos depois da promulgação da Emenda.

Mesmo numa pequena Emenda Constitucional, como há dois sentidos em dispositivos distintos, a interpretação deve ser realizada de maneira conforme em compatibilidade dentro da própria norma ou que haja uma norma corretiva posterior, contudo aguardar uma norma seria dar razão ao  § 2º inserido, o que não resolveria a própria antinomia em si, somente optar-se-ia por um dos entendimentos.

Sem imaginar que a solução passaria para uma norma corretiva, deve-se entender que o art. 2°. da Emenda deveria ser lido como "a vigência da relevância a partir da data da vigência da lei regulamentadora." Uma compatibilização entre os dispositivos, com uma lógica de que não há como exigir o que a própria Emenda não definiu seu conceito e limites, deixando o instituto com uma clara eficácia contida.

De tal interpretação se retira que o art. 2o. da Emenda tem um valor maior de direito intertemporal sobre a não exigência em recursos especiais anteriores do que sobre a própria vigência e exigência da relevância da questão federal. 

Outro ponto que deve ser analisado para chega-se na mesma conclusão é a indagação: o que está na Emenda que insere na CF? O §2º do art. 105 é inserido na CF e passa a ser texto constitucional. O art. 2° da Emenda é norma da própria Emenda e não inserida no texto constitucional. Enquanto o §2º é inserido como parte do texto constitucional complementando o art. 105 e o recurso especial, dizendo, claramente, que há necessidade de norma posterior que defina a relevância, o art. 2o. não é texto constitucional, mas regras específicas da própria Emenda.

Logo, o art. 2o. da Emenda é mais uma regra de direito intertemporal sobre a segurança de não se cobrar de nenhum dos recursos especiais anteriores a Emenda e dispor sobre a necessidade da exigência ser somente daquele momento em diante, como enfrentado.

Por essa percepção e leitura, o que foi acrescido na CF (§2º), lá só tem "nos termos da lei", o que faz a relevância da questão federal imprescindir da lei futura para que seja exigência na análise do recurso especial pelo STJ.

De certa maneira, no texto novo constitucional, não há antinomia e impede a cobrança imediata da relevância.

Diante disso, por causa desse imbróglio, no dia 19 de outubro de 2022, o Pleno do STJ deliberou sobre a matéria e aprovou o Enunciado Administrativo no. 8 com o teor que não se pode exigir a cobrança da suscitação da relevância da questão federal pelo recorrente. O teor do citado Enunciado: A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no art. 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal.

A opção do STJ em interpretar do modo que já imaginávamos traz uma grande segurança jurídica para os recorrentes e, ainda, possibilita um amplo debate legislativo sobre o próprio instituto da relevância, seu conceito e suas procedimentalidades, além do impacto que trará no mundo recursal.

Vinicius Silva Lemos

VIP Vinicius Silva Lemos

Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto da UFAC. Presidente do IDPR. Advogado.

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