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Antes de tudo, recuperar a autoridade

Não é de hoje que a cidadania no Brasil é abalada por patologias de diferentes naturezas. Da violência generalizada que nos envergonha perante o Iraque aos hospitais públicos abarrotados de gente em seus corredores, a nossa brasilidade cordial vai-se abalando e o sentido da vida na pólis verde e amarela caminha no sentido mais trágico possível. Sem bossa, sem graça, sem nada.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Atualizado às 08:12


Antes de tudo, recuperar a autoridade

Francisco Petros*

Não é de hoje que a cidadania no Brasil é abalada por patologias de diferentes naturezas. Da violência generalizada que nos envergonha perante o Iraque aos hospitais públicos abarrotados de gente em seus corredores, a nossa brasilidade cordial vai-se abalando e o sentido da vida na pólis verde e amarela caminha no sentido mais trágico possível. Sem bossa, sem graça, sem nada.

Agora temos os céus tomados de assalto por uma horda de controladores de vôo e pelo mais grotesco atentado à Autoridade que é possível ser engendrado por uma mente como, digamos, de Macunaíma. O abarrotamento dos aeroportos brasileiros não é somente fruto de situações de greve ou protesto. É expressão significativa da incapacidade da sociedade e, sobretudo, do governo e do Estado em garantir aquilo que se chama Ordem. A mais básica Ordem que é possível ser imaginada por uma mente juvenil ao ler a palavra que inicia o binômio de Comte que transpassa a Bandeira Nacional. Não resta dúvida que depois de século e poucos anos de República ainda somos capazes de reduzir uma discussão como esta a algo relacionado com a funcionalidade de um serviço público. Explico.

Pode-se refletir sobre a questão a partir de análises e reflexões sobre o sucateamento dos sistemas de controle aéreo, os baixos soldos dos sargentos-controladores, a desconfiança em relação à segurança das vias aéreas, ou ainda, a conveniência de tornar tal serviço essencial em função desmilitarizada. Parece claro que todos estes aspectos e questões são importantes e relevantes para a segurança dos ares brasileiros. Não resta dúvida. Todavia, o que se desfralda aos nossos olhos é a profundeza de uma crise a partir da qual tudo se torna possível e o Estado vê-se sob a chantagem de parcela ínfima e sujeita às reivindicações, eventualmente de causa justa, de uma classe de profissionais fardados e civis, mas quase todos detentores de conhecimentos adquiridos sob os auspícios do Estado Brasileiro. Fico até a imaginar se os senhores sargentos, caso se tornem funcionários civis, irão retornar aos cofres públicos os gastos e dispêndios que o Estado alocou para a sua formação profissional. (Questão relevante essa, não é?).

Voltemos ao ponto central: estamos diante de uma crise de moralidade pública e Autoridade. Não há da parte dos senhores sargentos-controladores, conforme muitos comentaristas destes tristes fatos tentam associar, a pureza de Antígona, filha de Édipo, que no teatro de Sófocles desafia o poder tirânico de Creonte. As ações daquela jovem de Tebas baseadas no caráter quase religioso de seus princípios levaram a ruína ao detentor do Poder de Estado (Creonte). O que temos no motim dos controladores é a chantagem mais grotesca do Poder para que as suas reivindicações para-sindicais possam ser atendidas. Sem pureza alguma de princípios. Há uma subversão evidente da natureza das coisas do Estado, no caso democrático. Os senhores sargentos-controladores não podem e não devem "legislar em causa própria" por meio de um movimento que paralisa um setor essencial e deixa milhões - não somente aqueles dos aeroportos! - a mercê de suas ações. Com efeito: não é somente a hierarquia militar que se vê acossada pelas dúzias grevistas retidas em seus alojamentos castrenses. É muito mais! Trata-se do atentado grave à Autoridade do Estado. (Creonte e Antígona podem ficar conjuntamente ruborizados).

Não é surpresa que Sua Excelência, o Presidente da República, queira lançar pitadas de cordialidade aos amotinados, sugerindo negociações e promessas que serão cumpridas pelo governo. Em tantas ocasiões, a compreensão sobre o papel de um primeiro mandatário da Nação não é claro à Sua Excelência. Ademais, verificamos que o Presidente, talvez por intuição de ex-sindicalista, tenta simpatias junto às Forças Armadas, estas últimas lascadas pelo enfrentamento dos sargentos e minimizadas no exercício de seu mandato constitucional. Humilhação é o que se vê. O Presidente da República tem de ser alertado para a natureza do que ocorre. Quem sabe acordado da ilusão de que é possível conciliar com estes senhores que controlam radares, o Presidente possa encontrar a única via de saída da crise: recuperar a Autoridade de Estado, colocar na cadeia quem a desafia e, somente depois, tratar do caos operacional e funcional que de fato existe. O Presidente pode sim exigir paciência dos viajantes, desde que isso seja fruto da necessidade de não permitir a chantagem de poucos contra o Estado. Melhor os atrasos dos vôos, mas com a preservação do Poder do Estado.

É justo que sejam expostas as mazelas do setor aéreo. Até mesmo, os sargentos-controladores poderiam fazê-lo em prol do Bem Comum. Todavia, é inaceitável que amotinados possam macular, ferir e propagar a idéia de que a sociedade pode ser refém de qualquer projeto que atente contra o interesse comum mais evidente. Muito menos o governo pode conciliar com este perigoso jogo. Sob pena de criar jurisprudência para o caos. O que, infelizmente, não seria uma coisa inédita em nosso país.

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*Economista










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