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Gordofobia e a cultura da magreza que marginaliza socialmente as pessoas obesas

Apesar da intervenção do Estado, verifica-se que os direitos e garantias da pessoa obesa não são cumpridos por falta de legislação específica, de fiscalização do Estado, e até por falta de conscientização da sociedade, que ainda reluta aceitar esta minoria como pessoa detentora de direitos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Atualizado às 13:52

1. INTRODUÇÃO

A obesidade é caracterizada como um sério problema social e de saúde pública. O que antes era visto como sinônimo de beleza tornou-se fonte de preocupação e preconceito, visto que o culto à magreza assumiu status de perfeição, amplamente divulgado e difundido pelas mídias em geral, impondo um padrão quase inatingível a ser seguido.

Este culto à magreza marginalizou os obesos, privando-os do exercício de direitos básicos como o livre trânsito nas cidades, em transportes coletivos e individuais e o acesso à saúde. Assim, a intervenção do judiciário como garantia dos direitos das pessoas obesas tornou-se imprescindível.

Visando amenizar esta situação, criou-se a lei 13.346/15, conhecida como o Estatuto do Deficiente, incluindo a pessoa obesa e, estipulando direitos e garantias para estas pessoas, objetivando um sistema de inclusão para todas as minorias.

No entanto, mesmo com a referida lei em vigência, houve poucas modificações sociais e estruturais para inserção dos obesos na sociedade, os quais continuam a sofrer preconceito em razão da aparência.

A mídia, além de acentuar a problemática da discriminação da pessoa obesa, impulsiona por meio da publicidade o consumo desenfreado de alimentos altamente calóricos e industrializados, gerando um crescente número de crianças e adolescentes obesos.

Assim, o presente artigo, por meio de metodologia qualitativa, com ênfase em pesquisa bibliográfica, pretende trazer ao centro das discussões a exclusão e discriminação da pessoa obesa na sociedade, demonstrando seus direitos e necessidade de políticas de inclusão.

2 A SITUAÇÃO DO OBESO NA SOCIEDADE

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA OBESIDADE

A compreensão da dinâmica social de exclusão da pessoa obesa ultrapassa os limites dos conhecimentos sociológicos e psicológicos atuais, sendo indispensáveis estudos mais abarcantes. Para Stenzel (2003) a hostilidade contra a pessoa obesa vai além da preocupação com a saúde e até mesmo a moda, para tanto, faz-se necessária uma perspectiva histórica, para a compreensão da preocupação em relação ao peso e ao tamanho do corpo.

A obesidade nem sempre foi considerada algo ruim e disforme. Durante séculos o corpo gordo era tido como padrão de beleza e saúde, retratado em pinturas e demais obras de arte, como a famosa escultura Vênus de Willendorf. No império greco-romano, a gula era comum para os anfitriões que se sentiam ofendidos caso seus convidados se alimentassem com moderação (MANCINI et al, 2015). No mesmo sentido, explica Stenzel (2003, p.29):

A obesidade durante algum tempo esteve associada à beleza: ser belo era ter formas arredondas e proeminentes. No início do século XIX esta associação sofreu forte mudança, na verdade houve uma inversão desta associação anteriormente positiva: ser belo passou a ser sinônimo de magro, e a obesidade passou a ser vista de forma negativa.

Priori (2000), explica que no século XIX, eram belas as mulheres que possuíam corpo de ampulheta, trabalhado em espartilhos, projetando seios e nádegas. A partir do século XX, com o ideal estético imposto pela indústria cinematográfica americana, foram construídos padrões de beleza. E, ainda: 

Não se associava mais o redondo das formas - as "cheinhas" - à saúde, ao prazer, - à pacífica prosperidade burguesa que lhes permitia comer muito, do bom e do melhor. A obesidade começa a tornar-se um critério determinante de feiura, representando o universo do vulgar, em oposição ao elegante, fino e raro (2000, p. 75).

Ainda no século XX, Stenzel (2003) explica que a partir de 1993 os jornais e revistas científicas passaram a publicar pesquisas com enfoque na redução do peso, com forte resistência da medicina, pois se acreditava que a gordura protegia os indivíduos de doenças. E no início, estas pesquisas focavam nos bons hábitos alimentares e comportamentos para a promoção de saúde, porém com a influência da publicidade e da moda a obesidade passou a ser vista como consequência de hábitos ruins.

Assim, com a evolução da sociedade, novas influências continuaram a exigir um padrão esbelto e magro, como a exemplo do surgimento das Bonecas Barbie, que chegaram ao Brasil na década de 70 juntamente com inúmeras máquinas e técnicas voltadas para o corpo (PRIORI, 2000).

Evidente, portanto, que a cultura é fator determinante para a marginalização da pessoa obesa no Brasil e em grande parte do mundo. No entanto, em contrapartida a este conceito, algumas culturas veem a pessoa obesa como símbolo de beleza e até status.

Exemplo disto está em uma região da Nigéria, Annang, em que a mulher obesa é sinônimo de beleza, conforme relata Stenzel (2003, p. 52 apud Brink, 1995):

As meninas desta região, antes de casar, fazem uma espécie de "retiro" no que chama de fattening room. Uma pessoa é contratada para fazer os afazeres domésticos, assim a menina não se submete a nenhum esforço físico e é bem alimentada com um único objetivo: engordar para ficar mais bela para o seu futuro marido.

Resta evidenciado que o fator da cultura local é grande influenciador para a visão do obeso na sociedade, bem como sua aceitação pelos indivíduos da região, podendo determinar inclusive o papel que a pessoa obesa desempenhará na sociedade.

2.2  CONCEITO DE OBESIDADE

Considerada uma epidemia mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é definida principalmente pelo excesso de peso, utilizando-se o índice de massa corporal (IMC) que obtém os resultados calculando o peso e altura do indivíduo.

Segundo OPAS, ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (2017), o índice de massa corporal é considerado normal quando varia entre 18,5 e 24,9. Entre 25 e 29,9 já é considerado sobrepeso, e maior ou igual a 30 é obeso. Estes valores são os adotados pela Organização Mundial da Saúde. A partir de valores do IMC de 40,0 o indivíduo já é considerado obeso mórbido.

Juntamente com o peso em excesso, o indivíduo obeso passa a fazer parte do grupo de risco, de muitas enfermidades como a diabetes e doenças cardiovasculares, que se não tratadas podem acarretar na morte precoce do indivíduo.

Não se pode acusar apenas a genética para a causa da obesidade. Muitos estudiosos consideram o estilo de vida e fator emocional como grande estímulo para a obesidade (MANCINI et al, 2015).

Para Felippe (2004) a obesidade é uma doença psicossomática, crônica, com determinantes genéticos, metabólicos, e com influências ambientais, sociais, familiares e psicológicas, estando, portanto, relacionada a diversos fatores.

Apesar das intensas campanhas de alimentação saudável, o número de obesos no Brasil cresceu, conforme dados abaixo (SAUDE, 2019):

No Brasil, mais de metade da população, 55,7% tem excesso de peso. Um aumento de 30.8% quando comparado com percentual de 42,6% no ano de 2006. O aumento da prevalência foi maior entre as faixas etárias de 18 a 24 anos, com 55,7%. Quando verificado o sexo, os homens apresentam crescimento de 21,7% e as mulheres 40%.

Assim, diante do aumento do número de pessoas obesas, surge a necessidade da intervenção eficaz das políticas de saúde pública para amenizar estas porcentagens, introduzindo programas de recuperação, tratamento e campanhas de conscientização direcionados, principalmente, às crianças e aos adolescentes.

2.3 A OBESIDADE vs A MAGREZA E SEUS IMPACTOS NA DINÂMICA SOCIAL

A visão irreal sobre os fatores que acarretam a obesidade estigmatiza o obeso por um suposto estilo de vida irresponsável, contrariando outros fatores, conforme explica Halpern (2000, p. 29):

A maioria das pessoas ainda culpa o obeso por ser obeso. Acontece que são crescentes as evidências de que ser ou não ser obeso não é um fato inteiramente dependente do estilo de vida da pessoa. Em outras palavras, a diferença entre o gordo e o magro não reside na mera explicação de que o primeiro é um indivíduo sedentário, que come sem parar por que não tem força de vontade ou é auto-indulgente, mas está baseada em fatos muito mais complexos, como, por exemplo, a genética da obesidade.

A exclusão da pessoa obesa inicia-se na infância, que para Galassi (2015), dificulta a interação adequada com os demais miúdos por não possuir a mesma agilidade para participar das atividades. O problema persiste na adolescência,  momento em que o jovem passará a sofrer discriminação diretamente de seus colegas.

A obesidade é por poucos considerada uma doença. A sociedade em geral tem a convicção que os obesos são preguiçosos e irresponsáveis, colocando-os à margem. A mídia surge então como estimuladora deste preconceito, ao impor padrões de beleza através de comerciais, novelas, séries e filmes. Nesse sentido, entende Lemes e Chiesse (2018, p. 220):

Existe de fato um enorme preconceito da sociedade com aqueles que não, se enquadram dentro dos padrões estéticos determinados pela mídia ou pela moda. Pessoas que estão acima do peso, em especial que se enquadram dentre os obesos mórbidos não são socialmente aceitos, tendo dificuldades trivias que não são percebidas pelas demais pessoas.

Em contrapartida, a mesma mídia que ataca os obesos, impulsiona a indústria dos fast food, da comida calórica e industrializada, relacionando sempre a comida com a felicidade. Um paradoxo advindo de uma sociedade capitalista e com ares de imediaticidade.

O aumento da obesidade entre jovens é ampliado pelo uso excessivo da tecnologia. A ABESO (2018) relata que os adolescentes que passam mais tempo assistindo televisão, no computador ou jogando vídeo games, são mais propensos a serem obesos e desenvolverem síndrome metabólica, aumentando o risco de AVC e doenças cardíacas.

Há de se considerar que o capitalismo é um dos grandes responsáveis pela exclusão do obeso.  Segundo Tena e Silva (2018, p. 187), trata-se de uma exclusão social melindrosamente maquinada pelo capitalismo, que impõe uma sociedade de consumo onde quem não é útil para continuar a girar a roda não tem espaço neste mundo.

Este mundo ilusório de padrões de beleza leva à obsessão pela magreza e exclusão do obeso, refletindo inclusive nas engenharias de acessibilidade, uma vez que se projetam ambientes pensando somente no deficiente físico e no idoso, mas para o obeso os espaços acessíveis são ínfimos e, muitas vezes, constrangedores.

Ademais, a exclusão social e a descriminação do obeso, acentua sua autodepreciação, conforme explica Mancini et al. (2015, p. 1117)

É comum o obeso apresentar um forte componente de autodepreciação, com muito sofrimento e autoconceito prejudicado, assim como as pessoas considerarem obesos como pessoas preguiçosas e sem força de vontade, como se a obesidade fosse apenas uma escolha de hábitos e comportamentos e não uma doença multideterminada.

A inversão de valores e a obsessão pela magreza tornaram-se extremos, ao ponto de aumentarem os casos de doenças como anorexia, bulimia e até a depressão, tornando-se caso de saúde pública, pois estas doenças podem, inclusive, levar o indivíduo a óbito.

O obeso enfrenta uma luta diária para inserir-se na sociedade, seja para conseguir comprar roupas adequadas ao seu tamanho, ou para se locomover ou viajar. Para Lemes e Chiesse (2018), até ir ao cinema, ou fazer uma viagem de ônibus ou avião, pode ser extremamente difícil ao obeso, uma vez que estes, via de regra, não encontram poltronas adequadas ao seu tamanho.

Desta forma, com a dificuldade diária enfrentada pelos obesos, estes tendem a se excluir cada vez mais da sociedade, uma vez que não encontram seu espaço e tampouco aceitação de outros indivíduos.

3 A TUTELA JURISDICIONAL VOLTADA À PESSOA OBESA

A exclusão da pessoa obesa é algo corrente no Brasil. A sociedade em geral tende a fazer pré-julgamentos acerca das pessoas consideradas diferentes do "padrão", privando-lhes de seus direitos inerentes. Portanto, faz-se necessário a intervenção do Estado e particularmente do Direito, conforme entende Delgado (2018, p. 955):

O combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de avanço do Direito característico das modernas democracias ocidentais. Afinal, a sociedade democrática distingue-se por ser uma sociedade voltada para processos de inclusão social, contrapondo às antigas sociedades, que se caracterizam por serem reino fortemente impermeáveis, marcados pela exclusão social e individual.

Assim, surge o princípio da isonomia que, para Delgado (2018),  procura não apenas a não discriminação, mas também busca igualar o tratamento jurídico entre as pessoas ou até situações.

Ainda, a Constituição Federal em seu artigo 5º tratou de igualar todos os indivíduos com os mesmos direitos e deveres. Atrelado ao princípio da igualdade, encontra-se no artigo 1º, III da Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana, visando resguardar a proteção e promoção dos direitos do indivíduo, em suas relações públicas e particulares, cabendo ao Estado a garantia deste preceito fundamental, conforme enuncia Prado (2005, p. 144):

O Estado de direito democrático deve consagrar e garantir o primado dos direitos fundamentais, abstendo-se de práticas a eles lesivas, como também propiciar condições para que sejam respeitados, inclusive com a eventual remoção de obstáculos à sua total realização.

Assim, tem-se a dignidade da pessoa humana como premissa máxima, que segundo Gonçalves (2014), este fundamento constitucional orienta todo o ordenamento jurídico brasileiro na defesa dos direitos da personalidade.

No entanto, reconheceu-se que ainda que com a proteção da Constituição Federal, alguns indivíduos, devido às suas peculiaridades, mereciam tratamento diferencial para inclusão na sociedade, como os deficientes, idosos e obesos. Porém, o Brasil pouco investiu e conscientizou da importância da inclusão destas minorias.

A proteção a estas minorias surgiu efetivamente, em termos de legislação, somente a partir da lei 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, a qual forçou a inclusão destas minorias na sociedade. O estatuto provocou consideráveis mudanças, abrangendo a pessoa obesa com os direitos contidos na referida lei, conforme se verifica no seu art. 2º:

Art. 2º. IV - pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso;

No entanto, embora exista a previsão da proteção do obeso diretamente no Estatuto da Pessoa com Deficiência, percebe-se que ainda não há uma preocupação em proteger seus direitos, sendo ignorado até mesmo pelo Estado, conforme critica Lemes e Chiesse (2018, p. 221):

Os demais grupos minoritários possuem diversas ferramentas de proteção, e mesmo campanhas institucionais que as protegem, como é o caso dos negros, mulheres, homossexuais, dentre outros mais expressivos. Existe inclusive na mídia, campanha de inclusão e de conscientização, acerca da necessidade de respeitar a convivência entre os grupos minoritários. Contudo, não se vê essa preocupação com os obesos, ao contrário, continuam sendo objeto de piada, e personagem de programas humorísticos onde a característica que os distingue é justamente o peso.

Ademais, a falta de conscientização e inclusão da pessoa obesa, atinge outros setores de sua vida, como a exemplo da busca por trabalho, já que estas pessoas têm mais dificuldade em conseguir emprego por causa de sua aparência. Somando-se a isso, há também o fator saúde, que conforme já demonstrado, a pessoa obesa tem em regra sua saúde debilitada, o que afasta ainda mais as possibilidades de garantir sua inserção no mercado de trabalho.

Diante da crescente discriminação do obeso no ambiente de trabalho, o judiciário foi movido para cessar e punir as discriminações voltadas a estas pessoas, conforme decisão abaixo:

RECURSO DE REVISTA. CARACTERIZAÇÃO DE DANO MORAL. PORTADORA DE OBESIDADE MÓRBIDA. UTILIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO VEXATÓRIO E HUMILHANTE. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DA ISONOMIA DE TRATAMENTO. (ARTS. 1º, III E IV, E 5º, CAPUT, DA CF). Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada. O princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. As proteções jurídicas contra discriminações na relação de emprego são distintas. A par das proteções que envolvem discriminações com direta e principal repercussão na temática salarial, há as proteções jurídicas contra discriminações em geral, que envolvem tipos diversos e variados de empregados ou tipos de situações contratuais. Embora grande parte desses casos acabe por ter, também, repercussões salariais, o que os distingue é a circunstância de serem discriminações de dimensão e face diversificadas, não se concentrando apenas (ou fundamentalmente) no aspecto salarial. No caso concreto, vale enfatizar as premissas fáticas consignadas pelo Tribunal Regional no julgamento do recurso ordinário, quais sejam: a) a Autora é portadora de obesidade mórbida; b) o superior hierárquico promovia, de forma contumaz, piadas e chacotas em relação ao excesso de peso da Autora, inclusive na presença de clientes e outros empregados da Empresa. Nesse contexto, a prática da Reclamada contrapõe-se aos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente àqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, III e IV, da CR/88) e à isonomia de tratamento (art. 5º, caput, da CR/88), sendo forçoso restabelecer a sentença, mediante a qual a Reclamada foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral. [....]. Recurso de revista conhecido e provido. PROCESSO Nº TST-RR-185900-87.2008.5.02.0004 3ª Turma MAURICIO GODINHO DELGADO (relator) 03/08/2012.

Ainda na Constituição Federal, em seu art. 5, ressalta-se a importância da proteção à vida e à saúde das pessoas, porém é notório que as políticas públicas não são voltadas à pessoa obesa, estando defasado o atendimento a estes indivíduos no Sistema Único de Saúde - SUS.

A demora e a dificuldade em receber tratamento no SUS, e a adversidade enfrentada para a realização de cirurgias bariátricas, trazem riscos à saúde dos obesos, prolongando o afastamento destas pessoas do convívio social. Para garantir o direito à saúde dessas pessoas é essencial a intervenção do poder judiciário, conforme pontua, Galassi (2015, p. 47):

É necessário que se resolva o problema da obesidade e não disfarçar a gravidade da situação com política urbana que "tenta" amenizar as dificuldades encontradas pelo obeso. Cabe ao Poder Judiciário papel fundamental na defesa dos portadores de obesidade mórbida, exigindo da União, Estados e Municípios que estabeleçam ações que possam garantir sua própria sobrevivência.

Ademais, não se pode considerar que o direito à saúde do obeso deve se limitar apenas à cirurgia bariátrica. São necessários diversos acompanhamentos pré e pós-cirúrgicos, como psicólogos, nutricionistas e até mesmo cirurgia de redução de pele decorrentes do emagrecimento.

Insta salientar que a necessidade da intervenção do judiciário não se limita apenas aos programas públicos de saúde. As pessoas que possuem planos de saúde também enfrentam dificuldades para a realização da cirurgia bariátrica, os quais, em geral, se recusam a praticá-las alegando que a doença já era preexistente à contratação do plano médico, ou argumentam que a cirurgia bariátrica é um procedimento de caráter meramente estético.

Para embasar a negativa da cirurgia, os planos utilizam-se da lei  9656/98, a qual em seu artigo 10, inciso II, prevê a não cobertura no caso de procedimentos para fins estéticos.

Assim, ao utilizar o referido dispositivo para negar a cirurgia aos pacientes que dela necessitam, os planos de saúde agem de forma ilícita, obrigando seus clientes a buscarem a tutela jurisdicional.

O judiciário também tem sido acionado para solucionar problemas relacionados à inclusão dos obesos na sociedade, uma vez que, muitos locais, meios de transporte não têm a infraestrutura necessária para acolher estes indivíduos.

É indiscutível, portanto, a necessidade da interferência do judiciário nestes casos, visto que são tolhidos os direitos à vida e à saúde do obeso, sendo expostos a riscos desnecessários nos seguimentos públicos e privados, com a clara violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

É necessário que o obeso seja acompanhado desde sua infância para evitar futuras cirurgias e complicações médicas. Consoante Lemes e Chiesse (2018), para o tratamento de crianças e adolescentes obesos, é imprescindível além da participação da família, uma equipe multiprofissional, formada por médicos, nutricionistas para a reeducação alimentar e modificação dos hábitos de vida.

Portanto, a busca para o combate à obesidade é uma tarefa multifatorial, envolvendo inclusive a coletividade para busca da promoção da saúde. Nesse sentido, entendem Wanderley e Ferreira (2007, p. 8):

Frente ao exposto, acreditamos ser necessário criar novas agendas de investigação em saúde e nutrição que valorizem abordagens metodológicas que partam da perspectiva da obesidade enquanto uma enfermidade multifatorial, não-fragmentada, como normalmente se apresenta a literatura sobre o tema. [..] Ações no âmbito coletivo devem envolver políticas públicas que promovam a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida das populações onde a parceria entre o governo e a sociedade civil seria um caminho bastante promissor na prevenção e tratamento da obesidade, por meio da responsabilização e do autocuidado, permitindo que a comunidade participe do processo de promoção da saúde.

Outro ponto problemático da situação das pessoas obesas encontra-se nas construções de acessibilidade, nos setores públicos e privados, uma vez que, quando existentes, as construções são voltadas para o deficiente físico e dificilmente são adaptadas também para as pessoas obesas.

E, embora haja previsão no Estatuto da Pessoa com Deficiência, a necessidade de construções acessíveis inclusive para a pessoa obesa, não há real preocupação em melhoras e adaptações para essas pessoas, tampouco há fiscalização para garantir o cumprimento da lei. Verifica-se que a real preocupação da política pública atual se volta apenas para os outros tipos de deficiência, não priorizando as adequações necessárias para o obeso.

Assim, somente um Estado voltado para as políticas de inclusão e proteção da pessoa obesa é capaz de permitir a sua inclusão na sociedade. Tena e Silva (2018) pontuam que o Estado deve ser firmado na solidariedade jurídica, realizando um plano de atuação para que os integrantes da sociedade sejam favorecidos.

Verifica-se a necessidade de alteração do foco do Estado e do judiciário, para que outras questões, além da saúde do obeso, sejam atendidas, pois não há real proteção destas pessoas no que tange à discriminação, considerando que este grupo sequer é visto como minoria.

É, portanto, imprescindível uma mudança de comportamento na sociedade para modificar a visão acerca da pessoa obesa, com modificações de políticas públicas voltadas à inclusão desta minoria com a confecção de novas leis para garantir que estas pessoas tenham seus direitos garantidos.

5. CONCLUSÃO

A evolução da cultura mundial teve grande impacto na modificação da visão do obeso perante a sociedade, porém verifica-se que algumas regiões foram afetadas culturalmente de forma positiva e possui uma visão benéfica sobre a pessoa obesa, o que impede sua exclusão.

Porém, as regiões que por suas culturas assimilam as pessoas obesas como feias e repugnantes, ocasionaram crescente marginalização e preconceito contra estas. A exclusão se inicia na infância, atingindo a adolescência e, por fim, tem seu ápice na vida adulta, momento em que os preconceitos se tornam mais evidentes, tornando a vida da pessoa obesa uma luta diária.

Como forma de fomento à discriminação do obeso, encontra-se a mídia que diariamente impõe padrões de beleza inatingíveis e simultaneamente bombardeiam os telespectadores com inúmeras propagandas comerciais para venda e consumo de comidas altamente calóricas e industrializadas, influenciando também crianças e adolescentes.

Ainda, verifica-se que a obesidade é uma doença grave, uma epidemia mundial que pode desencadear inúmeras outras doenças, como diabetes e problemas cardíacos podendo levar o indivíduo a óbito, que muitas vezes é ignorada pelo próprio Estado que não fornece meios apropriados para o tratamento da obesidade e suas doenças associadas.

No Brasil, a insuficiência do Estado não fica restrita apenas à saúde pública,  se estendendo a todos os setores, como os da mobilidade social. E, embora a Constituição Federal garanta à pessoa obesa direito à saúde, integridade física e bem-estar, diariamente estes indivíduos enfrentam dificuldades para acessar locais públicos e particulares e, até mesmo para utilizar os meios de transportes oferecidos, mesmo que particulares, fazendo-se necessária a intervenção do judiciário para a proteção desta importante minoria.

Outro problema que necessita da intervenção do judiciário decorre da proteção à vida e à saúde do obeso, o qual encontra uma barreira no SUS, que diante da falta de estrutura e verbas, não é capaz de proporcionar tratamentos e cirurgias necessários, submetendo os pacientes à espera de uma cirurgia bariátrica à longa fila, sem o devido acompanhamento pré e pós-intervenção.

Objetivando amenizar as dificuldades do obeso perante a sociedade, o Estatuto da Pessoa com Deficiência o incluiu em sua abrangência, obrigando as entidades públicas e privadas a se adequarem para atender suas necessidades e garantir os seus direitos fundamentais.

Porém, apesar da intervenção do Estado, verifica-se que os direitos e garantias da pessoa obesa não são cumpridos por falta de legislação específica, de fiscalização do Estado, e até por falta de conscientização da sociedade, que ainda reluta aceitar esta minoria como pessoa detentora de direitos.

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Tereza Rodrigues Vieira

VIP Tereza Rodrigues Vieira

Pós-Doutora em Direito Université de Montreal. Mestre/Doutora em Direito PUC-SP. Especialista em Bioética Fac. Medicina da USP. Docente Mestrado Direito Processual e nagraduação em Medicina e Direito

Natália Cilião de Almeida

Natália Cilião de Almeida

Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Docente do Curso de Direito na UNICAMPO e Advogada no Paraná.

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