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Escolha dos membros do conselho de administração e conselho fiscal pelos minoritários nas sociedades de economia mista

A Comissão de Valores Mobiliários entende que a eleição de membros do Conselho de Administração e Conselho Fiscal por acionistas minoritários em Sociedades de Economia Mista não segue os mesmos quesitos das Companhias convencionais.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Atualizado em 11 de outubro de 2022 12:44

A CVM, por meio do julgamento do processo administrativo sancionador ("PAS")1, no fim de setembro, reconheceu que o sistema de eleição de membros do Conselho de Administração ("CA") e Conselho Fiscal ("CF") por minoritários nas Sociedades de Economia Mista é diferenciado em comparação às Sociedades Anônimas "comuns". Nestes casos, portanto, não seriam aplicáveis as regras dos arts. 141 e 161 da lei 6.404/76 ("Lei das S.A."). O entendimento é a confirmação pela autarquia do que consta na própria legislação.

O PAS tratou de voto abusivo pelo controlador, o Município de São Paulo, na São Paulo Turismo S.A. ("SPTuris"), uma sociedade de economia mista.

Os acionistas minoritários da SPTuris apresentaram uma reclamação perante a CVM sob argumento de que o Município teria agido com abuso de controle na Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária de abril de 2017 ("AGOE/2017"), ao eleger todos os membros do CA e do CF.

Após instaurado o PAS, o Município apresentou sua defesa alegando que a SPTuris não seria uma sociedade de economia mista, ou seja, para que os minoritários tivessem o direito a eleger os membros do CA e do CF seria preciso observar os arts. 141, §4° e 161, §4° da Lei das S.A.2 3

O colegiado seguiu o voto do Diretor Otto Lobo, decidindo por condenar o Município.

O voto do relator foi organizado em 3 partes: a) Qual seria a natureza jurídica da SPTuris; b) Qual seria a norma aplicável quanto à eleição dos membros do CA e do CF; e c) o voto abusivo realizado pelo controlador.

Quanto à natureza jurídica da SPTuris, o Município apresentou argumento de que não se tratava de uma sociedade de economia mista, pois além de ter sido constituída apenas com capital privado, o seu ato de constituição se deu por meio de Assembleia Geral de Constituição, sendo que as sociedades de economia mista devem ser constituídas mediante a promulgação de lei.

Sobre esse ponto, o relator apresentou a fundamentação de que a interpretação mais adequada ao art. 37, XIX4 da Constituição Federal seria a de que a eventual transformação de uma sociedade comercial em uma sociedade de economia mista, bem como a aquisição do controle de uma sociedade comercial pela Administração Pública também tornaria como cumprido o requisito legal para a criação de uma sociedade de economia mista.

Nesse sentido, apesar da SPTuris ter sido fundada como uma sociedade comercial de interesses puramente privados, a verdade é que em 1974 foi editada a Lei Municipal de São Paulo 8.180, que autorizava o ingresso do Município em seu quadro societário como sócio controlador. Ademais, o relatório da administração realizado em 2016 apontava a SPTuris como uma sociedade de economia mista.

Sobre qual a norma aplicável, foi decidido que quando se trata de Sociedades de Economia Mista a regra aplicável para a escolha dos conselheiros, tanto no CA quanto no CF, deve ser a constante no Capítulo XIX da Lei das S.A., mais especificamente os arts. 239 e 240.

A lógica para essa conclusão percorreu como funciona o sistema de eleição dos Conselheiros.

No art. 141 da Lei das S.A., que trata sobre voto múltiplo, é estabelecido no §4° que os acionistas têm direito, por meio de voto em separado, a elegerem e destituírem um membro do CA quando tiverem o mínimo de 15% do total das ações com direito a voto, ou o mínimo de 10% das ações sem direito a voto.

Esse sistema existe como uma forma de proteção aos minoritários, que podem requerer até 48 horas antes da Assembleia Geral que na eleição dos Conselheiros seja observado o voto múltiplo.

O nome voto múltiplo decorre da ideia que para cada ação caberá a quantidade de votos correspondente ao número de membros do CA., ou seja, a ideia é que por meio dessa concentração de votos, os minoritários, tanto os com direito a voto quanto os sem, possam eleger um representante no CA.

A questão é que essa sistemática fica restrita àqueles que cumprem o mínimo de 15% do total das ações com direito a voto, e 10% para aqueles com ações sem direito a voto.

Isso não se aplica às Sociedades de Economia Mista.

Apesar da Sociedade de Economia Mista ser também uma S.A., quando se trata da eleição de membros para o CA e CF, o legislador estabeleceu regramentos específicos para a eleição em separado, de modo que não seja preciso um percentual mínimo para cada classe de acionistas.

O Art. 239 aponta que é "assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo". Já o art. 240 diz que o "funcionamento do conselho fiscal será permanente nas companhias de economia mista; um dos seus membros, e respectivo suplente, será eleito pelas ações ordinárias minoritárias e outro pelas ações preferenciais, se houver".

No mesmo sentido é o Ofício Circular 01/17 que apresenta em vários trechos a ideia de que a previsão do art. 239 afasta em definitivo a regra aplicada às companhias abertas convencionais, conforme lembrou o relator.

Sobre a questão do voto abusivo do controlador, o Diretor Otto apontou que o controlador de uma Sociedade de Economia Mista deve manifestar interesses diferentes dos controladores de companhias convencionais pois, deve ser objetivar o interesse público estatal.

O CA é o órgão abaixo da Assembleia Geral que dá as diretrizes e delibera, de modo colegiado, sobre as decisões estratégicas das companhias e o CF tem a finalidade de fiscalizar os atos da administração por meio de relatórios apresentados aos acionistas.

Quando o Município, na figura de controlador da SPTuris, elegeu todos os membros do CA e do CF, violou o parágrafo único do art. 116 da Lei das S.A. que determina que o "acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa".

Ao eleger todos os membros dos referidos conselhos fica minguada a chance dos minoritários da Sociedade de Economia Mista exercerem o direito de participarem das decisões estratégicas no CA e da fiscalização desenvolvida pelo CF.

O colegiado entendeu pela aplicação de duas multas ao Município, no valor de R$ 180 mil cada. Uma por ter exercido o voto abusivo na assembleia, preenchendo todos os cargos do CA e outra por ter preenchido todos os cargos do CF.

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1 PAS CVM SEI 19957.008704/2017-14 julgado em 27/9/22.

2 Conforme o voto do relator, o Diretor Otto Lobo, houve um terceiro ponto da defesa do Município: os minoritários não atendiam aos requisitos estabelecidos na lei das estatais para eleição dos Conselheiros. Porém, o Diretor se ateve à questão da classificação jurídica da SPTuris, qual a norma - sobre eleição dos Conselheiros - foi violado, e o voto abusivo em si pelo controlador.

Art. 141, §4°: Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do Conselho de administração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente:

I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e

II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18.

Art. 161, §4°: Na constituição do Conselho Fiscal serão observadas as seguintes normas:

a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto.

4 "somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação [...]"

Israel da Silva Couto

VIP Israel da Silva Couto

Advogado na área de Resolução de Disputas. Pós graduado pela Universidade de Coimbra (Portugal) em Direito Empresarial. Cursando LLM em Direito Societário no INSPER. Associado do CBar e IBDCont.

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