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O que muda com a nova lei federal 14.454/22?

A nova lei nasceu do anseio popular e afasta a nefasta ideia de que plano só deve custear o que lhe interessa, pautado apenas no desejo de lucrar mais.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Atualizado às 09:05

Em julho deste ano o Superior Tribunal de Justiça, pautado em medida provisória de abril deste ano (convertida em lei Federal 14.307/22) entendeu por definir que passaria então a vigorar o rol taxativo de procedimentos da ANS aplicáveis aos planos de saúde.

Na prática essa mudança implicou em determinar que os planos seriam obrigados a custear apenas os tratamentos previstos na listagem (rol) da ANS, independente da indicação do médico responsável pelo tratamento ou da existência de medida eficaz. 

E essa posição tinha por grande consequência excluir o tratamento de milhares de brasileiros, até então amparados por liminares judiciais, posto que há mais de uma década já se encontrava pacificado nos Tribunais de nosso país que o rol de procedimentos é exemplificativo, sendo dever da operadora de saúde custear procedimentos cientificamente comprovados como eficazes e mais adequados ao quadro do paciente, seguindo critério do médico responsável pelo tratamento.

No voto que prevaleceu no julgamento do STJ a Corte pautou seu posicionamento na premissa de que de forma diferente os planos de saúde seriam economicamente inviabilizados, o que, ao nosso ver, efetivamente contrasta com o lucro acumulado das operadoras.

Podemos afirmar categoricamente que tal situação não corresponde à realidade dos fatos.  A título de exemplo, temos que no período compreendido ente 2014 e 2018 as operadoras tiveram lucro líquido de 30 bilhões de reais conforme nota técnica 97 do IPEA, conceituado e respeitado fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia.  Ou seja, mesmo com as milhares de liminares cumpridas o resultado foi admirável e espetacular.

Sim, isso mesmo: 30 bilhões de lucro depois de pagar todos os custos e impostos!  Sinceramente, se não do desejo de lucrar mais e mais, não sei de onde vem o falso argumento de inviabilidade financeira. Ora, quando ramos de negócio lucraram 30 bilhões no mesmo período?

O fato é que é que tamanha injustiça ensejou uma grande mobilização social e de maneira célere tramitou o projeto de lei 2.033/22, aprovado sem qualquer emenda ou ressalva tanto na Câmara dos Deputados e quanto no Senado Federal e foi sancionado, também sem qualquer modificação pela Presidência da República em ato a ser publicado nesta quinta-feira, 22/9/22.

Além da força da mobilização popular a Lei aprovada faz cumprir a Constituição Federal que destaca o Direito a saúde dentre os mais importantes, consagrando-o no rol dos Direitos Fundamentais.

E na prática, o que muda com a nova lei sancionada?

Efetivamente milhões de cidadãos que pagam seus planos de saúde terão novamente assegurados para si e para sua família a garantia de um tratamento digno e correto.

Sim, voltamos ao status anterior onde, após criteriosa análise do judiciário, pautado em parecer médico, procedimentos vitais e/ou essenciais são custeados pelo plano de saúde que existe exatamente para isso: garantir acesso aos tratamentos de saúde.

Diferente do que apregoam os planos, não há que se falar em onerosidade excessiva ou mesmo inviabilidade dos planos.

A lei também não é um cheque em branco para todo e qualquer tratamento. Não será exigido do plano o custeio de tratamentos experimentais e tampouco de medicamentos excepcionalíssimos, sequer registrados na ANVISA. Muito pelo contrário: De maneira responsável e assertiva, a lei exige comprovação científica de eficácia ao tratamento, a inexistência de alternativa mais eficazes no rol e expressa prescrição por profissional médico.

Sim, os planos continuarão negando procedimentos fora do rol, como, aliás, sempre fizeram.  O que a lei traz é a possibilidade de busca por um tratamento justo pela via judicial.

As operadoras se esquecem que prestam um serviço privado atinente a saúde suplementar.  Ademais, se o modelo vigente há mais de uma década não lhes atende, por que continuam a atuar? Se é de fato financeiramente inviável, por que as grandes operadoras não quebram?

Nada disso acontece porque a real intenção das negativas não é viabilizar economicamente o negócio em si mas tão somente incrementar os lucros obtidos ao custo da saúde de milhares de pessoas que muitas vezes dão tudo que podem e que não podem para manter ativo o plano que salva a vida de seu familiar.

Querido leitor, não se deixe seduzir pelo exemplo superespecífico de um tratamento caro e excepcional.  Estamos falando aqui da cirurgia do seu filho, do oxigênio do acamado, de terapias regularmente prescritas. Do leito no hospital para seu pai. Do medicamento que salva uma vida.

Note que nunca aparece nestes casos é o cálculo atuarial, onde ficaria claro que existem milhares de usuários que pouco ou nada utilizaram dos serviços contratados mas que contribuem mensalmente.

Mal comparando é a mesma lógica do seguro de um carro: O valor de uma perda total é muito superior ao valor do prêmio de uma apólice. Mas a seguradora suporta o custo porque milhares de outros usuários pagaram e não precisaram utilizar o seguro.

Também nunca é esclarecido que os reajustes de pessoa física e de grupos, seja empresarial, seja por categoria, que contemplam todos os sinistros a fim de corrigir as eventuais perdas excessiva do período anterior.

Assim, louvável a atuação das entidades sem fins lucrativos, de profissionais e de cidadãos que se mobilizaram e conseguiram de forma legal e pacífica trazer luz e justiça a um tema tão sensível.

Na prática temos médicos definindo os tratamentos, juízes considerando o caminho adotado essencial em detrimento do olhar unicamente financeiro e econômico de uma operadora de saúde.

A nova lei nasceu do anseio popular e afasta a nefasta ideia de que plano só deve custear o que lhe interessa, pautado apenas no desejo de lucrar mais.  Não, os planos não vão quebrar.  O que vai acontecer é o que sempre aconteceu: ordem judicial para fazer valer um direito de quem paga pela segurança vendida pelo plano no momento da contratação.

O nosso desejo é que se faça Justiça. Sempre.

Jefferson Henrique de Souza Alves

Jefferson Henrique de Souza Alves

Advogado, sócio do escritório Alves e Santos Advogados, Aluno da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ) e pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas. Membro da Comissão de Defesa do Direito das Pessoas com deficiência da OAB/SP e da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da OAB/SP.

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