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Bolo de fubá e reforma tributária

Para dar uma resposta ao mercado, que espera uma reforma de simplificação do sistema tributário e redução dos custos das empresas, estaremos aprovando uma reforma que exigirá o dobro de técnicos, o dobro de controles, o dobro de esforço da própria fiscalização, por um período entre 5 e 10 anos.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Atualizado às 13:27

No anedotário que é o cotidiano tributário brasileiro, certa vez tivemos que defender uma cadeia supermercadista de uma autuação em que se pretendia cobrar a diferença de ICMS recolhido a menor pela empresa, por ter tributado fubá como farinha de milho. A farinha de milho era tratada na lei como integrante do benefício da cesta básica, com alíquota de 7%, enquanto o fubá - segundo a ótica do fiscal autuador - não constava expresso nessa lista de exceção e, portanto, deveria ser tributado pela alíquota geral de 17%. Na defesa, tivemos que demonstrar que fubá e farinha de milho são a mesma coisa, inclusive segundo a ANVISA, e que a diferença, se e quando existente, é apenas de gramatura.

Para provar nosso ponto, a estratégia que adotamos junto ao Tribunal Administrativo estadual foi no mínimo inusitada: distribuímos receitas de bolo que, invariavelmente, indicavam a utilização indistinta dos dois ingredientes, tratando-os como sinônimo; e preparamos e distribuímos aos julgadores bolos de farinha de milho e fubá, para que os degustassem às cegas. Após alguns minutos de descontração na sessão, o caso foi julgado, a interpretação da empresa acabou sendo acolhida e a autuação cancelada na sua integralidade.

O exemplo acima ilustra o quão difícil é navegar pelo emaranhado normativo brasileiro, bem como a insegurança com que se convive, mesmo quando se tem o privilégio de dispor de dezenas de técnicos especialistas para interpretar a legislação. Ilustra também como um contribuinte bem intencionado pode acabar punido por uma conduta de boa-fé e cobrado por uma suposta infração, numa verdadeira armadilha tributária.

Ao longo do último ano, muito ouvimos falar de reforma tributária. Dentre as várias propostas, ao menos duas foram objeto de amplo debate Casas Legislativas: PEC 110/19 (unificação do ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS/COFINS, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação), PEC 45/19 (unificação do IPI, ICMS, ISS, PIS/COFINS em um único imposto),

Na PEC/45, propôs-se que a cobrança do novo tributo fosse implementada em 10 anos, sendo que a sistemática de repartição das receitas entre os entes teria 50 anos para ser efetivamente aplicada. Já a PEC/110 prevê um período de 05 anos para que os contribuintes se adequem ao pagamento do novo tributo, ao passo que a última emenda apresentada fixou uma transição de 40 anos no que se refere a repartição de receitas.

Ou seja, qualquer uma das PEC demorará cinco ou até dez anos para ser implementada, se aprovada, ao passo que os entes federados terão entre 40 ou 50 anos para implementação da própria finalidade da reforma, que é a transferência da arrecadação da origem para o destino.

Em outras palavras, para dar uma resposta ao mercado, que espera uma reforma de simplificação do sistema tributário e redução dos custos das empresas, estaremos aprovando uma reforma que exigirá o dobro de técnicos, o dobro de controles, o dobro de esforço da própria fiscalização, por um período entre 5 e 10 anos. Valendo dizer que, enquanto isso, obviamente dobrará também o contencioso judicial, que discutirá o sistema velho e o novo, além de discutir as regras de compatibilização entre os dois. Do ponto de vista de ajuste na repartição de receitas, a notícia ainda é pior, já que pode levar meio século. Já não tenho dúvidas de que meus filhos e netos ainda comerão muito bolo de fubá caro!

Fabio Brun Goldschmidt

VIP Fabio Brun Goldschmidt

Sócio Administrador do Andrade Maia, fundador e coordenador da área tributaria. Mestre e Doutor em Direito Tributário.

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