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ESG, pacto global e o abc do papel das empresas na efetivação dos direitos humanos

Ana Júlia Amaro Miyashiro

Nota-se que a responsabilidade de empresas frente às obrigações de direitos humanos é reiterada na comunidade internacional, o que resulta na necessária a adoção de práticas que visem a efetivação desses direitos.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Atualizado às 08:57

Em julho de 2020, sobreveio a sentença do caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil, que resultou na nona condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se de importante precedente no qual a Corte IDH reconheceu a responsabilidade estatal pátria por violações de direitos humanos decorrentes da explosão ocorrida em uma fábrica de fogos de artifício localizada no Estado da Bahia que levou 64 pessoas à óbito e deixou outras seis pessoas gravemente feridas.

A Fábrica de Fogos Santo Antônio de Jesus funcionava de maneira clandestina e sem a garantia de condições mínimas de trabalho. Este contexto levou a Corte IDH a avaliar a obrigação estatal de fiscalização e regulação sobre as atividades perigosas exercidas por entidades privadas, bem como a própria responsabilidade de empresas na garantia dos direitos humanos de seus empregados. Por este motivo, determinou, dentre as reparações, que o Estado apresentasse um relatório sobre a implementação das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos (Decreto 9.571/2018).

Destaca-se que, diante da ausência de normativa específica sobre direitos humanos e empresas no Sistema Interamericano, a Corte IDH pautou sua análise pelos Princípios Orientadores das Nações Unidas. Tratam-se de instrumento de soft law elaborado pelas Nações Unidas e fundado nos pilares de "proteção, respeito e reparação" com a finalidade de conduzir as boas práticas de empresas voltadas aos direitos humanos. 

Esse instrumento consolida os chamados Princípios Ruggie, em homenagem a seu idealizador John Ruggie, que fora nomeado pelo Secretário-Geral da ONU como Representante Geral para Empresas e Direitos Humanos em 2005. A elaboração desses princípios ocorre em um cenário em que a globalização econômica produz diversas mudanças sociais, políticas e culturais, as quais agregam à agenda dos direitos humanos a necessidade da incorporação de responsabilidade aos novos atores internacionais. Assim, os Princípios Ruggie representam o primeiro marco normativo internacional que expressamente identifica a responsabilidade das empresas em matéria de direitos humanos.1

No mesmo sentido, as Nações Unidas adotaram a perspectiva de compartilhamento de responsabilidade sobre direitos humanos no lançamento do Pacto Global, uma iniciativa que visa a adoção de políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade a partir da efetivação de dez princípios das áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção. Desde então, o Pacto Global conta com mais de 1.400 participantes e signatários no Brasil, dentre os quais também se destacam importantes escritórios de advocacia, ainda que estejam fora do escopo da atividade empresarial.

Importa salientar que foi na publicação Who Care Wins realizada pelo Pacto Global conjuntamente ao Banco Mundial que se cunhou o termo ESG (Envoronmental, Social and Governance) para se referir às práticas ambientais, sociais e de governança de instituições. A atuação em conformidade aos critérios ESG consiste, hoje, em uma recorrente demanda do próprio mercado. Logo, torna-se um atrativo a investidores, vez que confere melhor reputação e consistência à empresa.

A implementação de critérios ESG é crescente no âmbito nacional. Isto porque está acompanhada também pelo fortalecimento da noção de função social da atividade empresária, a qual, segundo Ana Frazão, contempla "além dos interesses dos sócios, os interesses dos diversos sujeitos envolvidos e afetados pelas empresas."2 Há, portanto, a integração de um dever de cuidado ao funcionamento das empresas. À vista disso, dá-se o nascimento das responsabilidades compartilhadas, as quais incorporam as responsabilidades pública e privada quanto à proteção dos direitos humanos.3

Nessa toada, é cada vez maior a procura de assessoria jurídica voltada à adoção de iniciativas que considerem a responsabilidade social corporativa. Fala-se, inclusive, no uso do contrato como instrumento de proteção e promoção de direitos humanos por meio das chamadas "cláusulas éticas".4

Diante do exposto, nota-se que a responsabilidade de empresas frente às obrigações de direitos humanos é reiterada na comunidade internacional, o que resulta na necessária a adoção de práticas que visem a efetivação desses direitos. Frisa-se que a adesão de iniciativas de responsabilidade social pelas empresas não só favorece a sociedade como um todo, como também a própria atividade empresarial, que ganha em termos de reputação e investimentos. Desse modo, é, mais do que nunca, imprescindível avançar na construção de uma lógica corporativa com enfoque em direitos humanos.

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1 PIOVESAN, Flávia & GONZAGA, Victoriana. Empresas e Direitos Humanos: Desafios e perspectivas à luz do direito internacional dos direitos humanos. In: Pamplona, Danielle Anne; FACHIN, Melina Girardi (Coord.); BOLZANI, Giulia Fontana (Org.). Direitos Humanos e Empresas. Curitiba: Íthala, 2019. p. 140.

2 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa. In: PUCSP. Enciclopédia jurídica. Tomo direito comercial. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/222/edicao-1/ funcao-social-da-empresa. Acesso em 21 de set. 2022.

3 FACHIN, Melina Girardi. Empresas e direitos humanos: compartilhando valor e responsabilidades. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 17, n. 1, p.324-339, 2020. p. 328.

4 PIMENTEL, Mariana Barsaglia. O contrato como instrumento de proteção e promoção dos direitos humanos no âmbito empresarial: as cláusulas éticas. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-graduação em Direito. Curitiba, 2018.

Ana Júlia Amaro Miyashiro

Ana Júlia Amaro Miyashiro

Discente do quarto ano do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, integrante do Núcleo de Estados em Sistemas de Direitos Humanos (NESIDH) e colaboradora do escritório Fachin Advogados Associados.

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