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O crime do padre armado (ou o conto do vigário)*

O estelionatário é comumente chamado de "vigarista". E não é à toa. Deriva do famoso "conto do vigário", em que um golpista se passa por sacerdote para enganar os incautos.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Atualizado às 13:34

Em meio ao processo eleitoral mais relevante desde sua redemocratização, o Brasil se vê às voltas com uma figura charlatanesca que se autointitula "padre", a qual estaria a exercer um suposto sacerdócio em nome de uma igreja inexistente no país.

Mas fica é dúvida: há alguma ilegalidade em se autoconsagrar sacerdote de uma igreja "pra-chamar-de-minha", à luz de nossa legislação?

Depende.

Se esse "sacerdócio" derivar apenas de um desarranjo mental, uma insanidade psíquica inofensiva, e se resumir a proféticas pregações e perambulações em praças e espaços públicos, a princípio não haverá qualquer ilegalidade, embora possa se tratar de mais um messias fajuto que necessita de urgente tratamento psiquiátrico, de preferência ambulatorial. Desde que o "falso profeta" não provoque tumulto ou perturbe a paz alheia, pois então estaria a praticar condutas que caracterizam contravenção penal (artigos 40 e 42 da Lei de Contravenções Penais).

Mas se o falso sacerdócio, além da heresia que lhe é própria, tiver por objetivo, a partir do logro, algum tipo de vantagem ilícita, em detrimento de alguém ou da coletividade? Nesse caso, o picareta estará praticando o famigerado crime de estelionato. Isto é, estará incidindo nas penas do artigo 171 do Código Penal.

O estelionatário é comumente chamado de "vigarista". E não é à toa. Deriva do famoso "conto do vigário", em que um golpista se passa por sacerdote para enganar e desapossar crentes incautos.

Por exemplo: pratica estelionato "na veia" alguém que, embora não faça jus, venha a obter mediante artifício valores de auxílio emergencial que seriam destinados à população mais carente. Um político que faz isso - esteja ou não fantasiado com uma batina -, é um típico vigarista.

Para caracterização do estelionato não é necessário que a visada "vantagem ilícita" se traduza em algum valor pecuniário. Buscar a obtenção de poder político, verbas eleitorais, projeção ou cargos públicos - ainda que não se ultrapasse o campo da mera tentativa - também pode caracterizar essa "elementar" do crime de estelionato.

Um falso padre, dublê de político (ou de cabo eleitoral), que se presta a "armações" eleitoreiras, age, nada mais nada menos, como um reles estelionatário. Simples assim.  Mas não é só. Todo aquele que o auxilia no logro, na fraude, é partícipe do crime, conforme a regra de extensão subjetiva trazida no artigo 29 do Código Penal Brasileiro (quem "concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade").

Em outras palavras: fazer dobradinha com estelionatário torna seu comparsa tão estelionatário quanto.

O falso vigário e o capeta... Deus me livre!

Paulo Calmon Nogueira da Gama

VIP Paulo Calmon Nogueira da Gama

Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio

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