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A suspensão do direito ao piso salarial dos profissionais da enfermagem

Os profissionais da enfermagem aguardam ansiosamente o cumprimento das garantias constituicionais e sociais do trabalho. Tenhamos a convicção da recompensa efetivada a quem tanto lutou por todos nós em meio uma pandemia que inclusive, ceifou muitos profissionais da saúde.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Atualizado às 08:15

A Constituição Federal Brasileira, preceitua em suas normas, garantias, e dentre elas, as relacionadas aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, insculpidas em seu art. 1º, IV, ao piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho em seu art. 7, V, e, à valorização do trabalho humano e da livre iniciativa e busca do pleno emprego em seu artigo 170,  IV e VIII.

Firme nisso, foi  proposto no Senado Federal, projeto de lei 2.564/20, com o fito de  alterar a lei 7.498/86, que dispõe sobre a regulação do exercício de enfermagem, para instituir o piso salarial nacional do Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira. A proposta prevê piso de R$ 4.750 (quatro mil setecentos e cinquenta reais) para enfermeiros, e sobre este valor, o percentual de 70% para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares e parteiras.

Em 4/8/22, o projeto de lei, foi sancionado pelo Chefe do Poder Executivo Federal, intitulada lei 13.434/22, para instituir o piso salarial nacional. Pronto, agora os profissionais da Enfermagem, após os elevados e exaurientes serviços prestados em meio a Pandemia do Coronavírus, selaram a sua vitória com a recompensa merecida de um salário proporcional à extensão e à complexidade do trabalho. Lêdo engano.

No ordenamento jurídico brasileiro quando uma lei, por inteiro ou parte dela, seja federal ou estadual, viole o que preceitua a Constituição Federal, esta pode ser impugnada por um instrumento chamado Ação Direta de Inconstitucionalidade. E dessa ferramenta, uma entidade se valeu.

O Supremo Tribunal Federal, em 4/9/22, mediante a relatoria do Ministro Roberto Barroso, liminarmente, por provocação em Ação Direta de Inconstitucionalidade com medida cautelar (ADI 7222) proposta pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços - CNSaúde, suspendeu os efeitos da lei 14.434/22, que até então instituia o piso salarial da enfermagem.

Em um primeiro momento, segundo o Relator, Ministro Roberto Barroso, a decisão liminar foi acolhida para postergar os efeitos da lei, em razão de alegados impactos sobre (i) a situação financeira de Estados e Municípios; (ii) a empregabilidade; e (iii) a qualidade dos serviços de saúde, já que o piso salarial contempla os trabalhadores celetistas, servidores da União, Estados e Municípios, inclusive autarquias e fundações.

Os argumentos levados na inconstitucionalidade da lei, pela CNSaúde, e fundamentados pelo Ministro, em um primeiro momento foi de que a lei promulgada, ainda quando em projeto de lei, não havia sido enviada diretamente à sanção presidencial, mas teve sua tramitação paralisada para aguardar aprovação de Projeto de Emenda Constitucional, com o fito de corrigir vício de iniciativa da lei.

Em um segundo momento, o fundamento era de que a lei desrespeitaria a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes federativos, esvaziando a liberdade de negociação na contratação, gerando o aumento do desemprego, falência de unidades de saúde, a redução de ofertas de serviços, e a consequente sobrecarga do Sistema Único de Saúde, SUS.

É que no sentir do relator, a lei precisava ser suspensa, para que houvesse informações de uma fonte de recursos para viabilizar o pagamento do piso salarial, para não haver o descumprimento da lei, e ainda, demissões por antecipação.

A liminar for a levada à julgamento perante a Corte do STF, e fora referendada, em votação de 7 a 4, acompanhando o relator, Ministro Roberto Barroso, os pares, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Tofolli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux, divergiram da manutenção da liminar, os Ministros, André Mendonça, Rosa Weber, Nunes Marques e Edson Fachin. A decisão agora referendada pelo Supremo, corroborando as razões iniciais do relator em liminar, define o prazo de 60 (sessenta dias) para que entes públicos e privados da área da saúde esclareçam o impacto financeiro, os riscos para a empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.

Ao que parece, mesmo levando em consideração os exaurientes trabalhos realizados por tais profissionais na linha de frente em meio a Pandemia do Coronavírus, tal razão não foi um fator determinante, para que a Corte Suprema rejeitasse a liminar e mantivesse a obrigatoriedade do cumprimento da lei sancionada.

Como muito bem salientado no voto da Ministra Rosa Weber, não se pode unicamente em uma avaliação de riscos e impactos negativos produzido pela CNSaúde, ora autora da ADI, prevalecer sobre as conclusões do Congresso Nacional, com base em estudos elaborados por representantes do setor público e privado, quando da tramitação do Projeto de Lei. Além do mais, não há risco de lesão à autonomia dos Estados e Municípios, já que a lei sancionada, apenas institui o parâmetro remuneratório mínimo, cabendo a cada um dos demais entes da federação definir, no âmbito do próprio território, o quantum remuneratório a ser pago a seus respectivos servidores públicos.

Disse bem o Ministro Roberto Barroso em seu voto que, as questões constitucionais postas na ADI são sensíveis, de um lado o legítimo objetivo do legislador de valorizar os profissionais de saúde, de outro lado, estão os riscos à autonomia e higidez financeira dos entes federativos, os impactos sobre a empregabilidade no setor e, por conseguinte,  sobre a própria prestação dos serviços de saúde.

E por tal argumento, o Ministro André Mendonça em seu voto divergente fora cirúrgico, ao rememorar duas situações em questão da previsão diretamente no Texto Constitucional de um comando normativo expresso para que a União promovesse a fixação de um piso salarial nacional para duas categorias profissionais, envolvendo tanto a seara pública quanto a privada, como é o caso do piso salarial da enfermagem.

A primeira delas, a dos profissionais da educação escolar pública (cf. redação dada ao art. 206, VIII, pela Emenda Constitucional 53/06) e do magistério da educação básica pública (cf. redação dada ao art. 212-A, XII, pela Emenda Constitucional 108/20); a segunda, a dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (cf. redação dada ao art. 198,  § 5º, pela Emenda Constitucional 63/10).

Tal como no presente caso, em ambas as hipóteses anteriores o Supremo Tribunal Federal foi instado a decidir sobre a constitucionalidade da medida legislativa que concretizou o comando constitucional e não há histórico de qualquer suspensão ou inconstitucionalidade.

Por fim, em razão da decisão do STF de suspensão da vigência da lei, por 60 (sessenta) dias, no último dia 26/9/22, o Senado começou a mobilizar-se, por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para que os recursos que estejam na rubrica da saúde, possam ser usados para o cumprimento da lei dos novos salários da categoria.

Os profissionais da enfermagem aguardam ansiosamente o cumprimento das garantias constituicionais e sociais do trabalho, só esperamos que, após o termo final fixado pela Corte Suprema, tenhamos a convicção da recompensa efetivada a quem tanto lutou por todos nós em meio uma pandemia que inclusive, ceifou muitos profissionais da saúde.

Samuel Gonçalves Constâncio

Samuel Gonçalves Constâncio

Advogado na Jacó Coelho Advogados, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, bem como, Planejamento Tributário, pela Universidade Federal de Goiás.

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