MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Da aplicação da lei antitruste nos contratos entre postos de gasolina e distribuidoras de combustíveis

Da aplicação da lei antitruste nos contratos entre postos de gasolina e distribuidoras de combustíveis

Quando se estipula a quantidades mínima de combustíveis em um contrato de exclusividade, de longa duração e de trato continuado para que o posto de gasolina adquira milhões de litros em 3, 5 ou 10 anos, é o mesmo que dizer que o consumidor deve comprar esta mesma quantidade do posto, pois o posto apenas pode comprar aquilo que revende, já que sua capacidade de armazenamento em regra é de 3 dias.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Atualizado às 14:06

Dispõe o Art. 166 do Código Civil. "É nulo o negócio jurídico quando: "VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção."

O art. 36 da lei 12.529/11  declara  taxativamente que constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (...) IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;

Logo, se existe lei proibindo que o contrato estipule quantidade mínima de compra, então ao se interpretar de forma sistemática o artigo 166 do Código Civil com o artigo 36, § 3º IX da lei 12.529/11, constata-se de pronto que  existe vício de origem no contrato, portanto, a cláusula que estipula a compra de uma quantidade mínima é nulo, quando se faz a subsunção do ato aos artigo 166 do CC em conjunto com o artigo 36, § 3º IX da lei 12.529/11, independente se foi imposta ou não a quantidade mínima, isto porque não cabe ao hermeneuta dizer o que a lei não disse.

O saudoso Ministro Carlos Maximiliano Pereira lembrou do princípio milenar de direito: "Ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus", ou seja, "onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir, desenvolvendo o seguinte raciocínio: "(...) quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-los a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre circunstância da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas."

Neste norte, ao relatar o EDcl no AgInt no Resp 1.711.273/DF 2017/0298033-5, o Ministro Antonio Carlos Ferreira fundamentou: "(...) Ao intérprete não é dado elastecer a letra da lei para dela extrair comando contrário à sua própria essência. In claris cessat interpretatio, reza o antigo brocardo, sem embargo, evidentemente, do dever de o magistrado aplicar a norma de forma casuística, moldando-a - todavia não a corrompendo, revogando-a ou alterando-a segundo sua vontade ou valores pessoais - ao caso concreto. Recorro, nesse sentido, ao escólio do mestre da hermenêutica Em geral, a função do juiz, quanto aos textos, é dilatar, completar e compreender; porém não alterar, corrigir, substituir". (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e interpretação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 65-67). Mário Guimarães, saudoso Ministro do Supremo Tribunal Federal, lecionava na mesma direção: Deverá o juiz obedecer à lei, ainda que dela discorde, ainda que lhe pareça injusta. É um constrangimento que o princípio da divisão dos poderes impõe ao aplicador. Seria o império da desordem se cada qual pudesse, a seu arbítrio, suspender a execução da norma votada pelos representantes da nação. Lembremo-nos, ainda uma vez, de que todo o poder vem do povo e que o povo cometeu aos membros da assembleia, e não a juízes, a tarefa de formular as regras jurídicas que o hão de governar. (...) (GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 330). (STJ, REsp. 1711273, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 28.08.2020)

Nesta mesma linha, ao comentar este artigo 36, IX da lei antitruste, traz se trecho colhidos do livro "Os Conflitos entre Postos de Gasolina e Distribuidora".

"A norma é cogente e deve ser interpretada sem tergiversações ou hesitações, na exata medida, para que surta seus regulares efeitos, pois esta é a vontade do legislador.

"Trata-se da aplicação do princípio da especialidade, segundo o qual, em linhas gerais, haverá a prevalência da norma especial sobre a geral. Em outras palavras, quando a discussão envolver agentes econômicos da etapa produtiva, isto é, quando envolver direito concorrencial, a lei 12.529/11 deve preponderar sobre as demais normas gerais que eventualmente venham com ela conflitar.

Evidente que o legislador previu esta situação anticoncorrencial vislumbrando a possibilidade de uma fornecedora ou distribuidora utilizar seu poderio econômico para limitar, falsear ou prejudicar a concorrência para induzir um revendedor a se tornar exclusivo e, com isso, torná-lo subserviente, impondo a ele a obrigação de adquirir uma quantidade mínima de bens com preços fixados unilateralmente, sob pena de pesada multa. Embora não se olvide que os contratos de exclusividade são lícitos, a ilicitude ocorre quando o estipulante se utiliza deste mecanismo para subjugar o mais fraco (aderente), impondo-lhe a obrigação de adquirir quantidade mínima de bens, em um contrato de longa duração, de trato continuado ou sucessivo, cujo comerciante depois de contratado tem os preços de compra fixado em seu portal, como ocorre nos casos citados. Assim sendo, a estipulação de quantidade mínima de compra e venda de combustíveis em um determinado prazo, em contrato desta natureza, afronta o art. 36, § 3º, IX, da lei 12.529/11." (FIDELIS, Antonio e FIDELIS, Guilherme Faustino. Combustíveis e distribuidoras: os conflitos entre postos de gasolina com as distribuidoras. Curitiba: Editora Juruá- 1ª Edição-2022).

Ademais, quando se estipula a quantidades mínima de combustíveis em um contrato de exclusividade, de longa duração e de trato continuado para que o posto de gasolina adquira milhões de litros em 3, 5 ou 10 anos, é o mesmo que dizer que o consumidor deve comprar esta mesma quantidade do posto, pois o posto apenas pode comprar aquilo que revende, já que sua capacidade de armazenamento em regra é de 3 dias.

Nesta mesma linha, o Colendo STJ ao julgar o oriundo do TJ- SP, assim decidiu, conforme trechos colhidos do corpo daquele v. acórdão:

"(...) Disto se conclui que lei ordinária posterior, em consonância com os princípios inseridos no art. 170 da Constituição Federal, vedou no comércio de bens ou serviços, agora de forma expressa, a imposição de venda de quantidades mínimas. Essa questão, não custa lembrar, mais se afina com as leis do mercado, de sorte que, ao estabelecer ao Posto varejista a venda obrigatória de quantidades mínimas, está a Distribuidora ignorando os princípios mercadológicos que oscilam constantemente, criando para o contratado uma obrigação írrita e por isso ineficaz." (Recurso Especial 1.338.432).

Ao se  estipular cláusula de quantidade mínima de aquisição e revenda de combustíveis, independente se foi imposta ou não, sem que haja a respectiva demanda, é estipular uma obrigação írrita e teratológica, conforme decidiu o STJ no REsp 1.338.432/SP, e no Resp 1.362.545, publicado em 07.10.2019

O E. TJ-RJ, também já decidiu na mesma linha, conforme trechos colhidos do corpo daquele v. acórdão:

"(...) a cláusula contratual que exige a aquisição de uma litragem mínima por parte do Posto Revendedor, ora Apelado, constitui infração da ordem econômica prevista no inciso IX, do artigo 36 da lei 12.529/11. Lei que Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Como se vê, a desconformidade da cláusula de litragem mínima com a lei que disciplina o sistema brasileiro de defesa da concorrência, enseja a sua nulidade, por se constituir em infração da ordem econômica. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido." (TJRJ, 15ª Câmara Cível, APL 02364750720168190001, Relª. Desª. Maria Regina Fonseca Nova Alves, j. em 18.02.2020, DJ 27.02.2020)

De igual forma o TJ/MG enfrentou o tema ao julgar o ED 10000160569265002, publicado em 12.07.2019, quando proferiu decisão baseada no art. 36, § 3º, IX da lei 12.529/11: "Agravo de Instrumento. Cláusula ilegal. Infração à ordem econômica. Lei Antitruste, art. 36, § 3º, IX. Desprovimento do Recurso. A lei Antitruste estabelece em seu art. 36, § 3º, algumas atividades consideradas como infrações à ordem econômica. Deste modo, qualquer cláusula que estabeleça obrigação contrária a estes preceitos é mais que desproporcional, 'é ilegal'. Presente a ilegalidade, qualquer ato constritivo proveniente do inadimplemento que tenha como causa a r. cláusula deve ser impedido ou imediatamente cassado." (TJMG, ED 10000160569265002/MG, Rel. Antônio Bispo, j. em 02.07.2019, DJ 12.07.2019). Ao fundamentar seu voto, o Desembargador Antônio Bispo destacou o seguinte: "Dentre as infrações esculpidas no artigo 36, da lei 12.529/11, encontra-se no inciso IX, conduta claramente estabelecida no contrato que deu origem ao litígio, qual seja, a imposição por parte da distribuidora, ora embargante, junto ao revendedor, ora embargado, de quantidades mínimas a serem adquiridas durante a relação contratual. Assim, não resta outra conclusão que não seja a ilegalidade da r. cláusula e consequentemente de todas as consequências do inadimplemento dela proveniente.".

Importante deixar claro que a questão não se encontra pacificada em nossos tribunais, o que só ocorrerá quando a matéria for sumulada pelo STJ.

Antonio Fidelis

Antonio Fidelis

Ex Conselheiro da Ordem dos Advogados do Paraná- Subseção de Londrina- Sócio Proprietário de Fidelis Faustino Advogados Associados - Londrina-Pr.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca