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Decisões regulatórias: análises técnicas e legitimidade

Haverá mais insegurança jurídica e regulatória, na contramão do que se pretende com o Direito: a paz social. Sem paz e sem segurança jurídica e regulatória, não há boa regulação.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Atualizado às 08:31

A segurança jurídica e regulatória tem sido um dos principais objetivos de leis aprovadas nos últimos anos.

Adicionalmente aos aspectos de legalidade do ato administrativo e da competência dos órgãos colegiados de agências reguladoras, é fundamental que as decisões regulatórias sejam dotadas de legitimidade, para que sejam evitados recursos ao judiciário por agentes econômicos descontentes com essas decisões. Quando menos, para que o judiciário possa ter confiança na decisão e adotar comportamento deferente, mantendo as escolhas do regulador, titular de capacidade institucional para preservar a coerência com os objetivos regulatórios.

Como discutido de forma mais detalhada em capítulo publicado este ano no livro Teoria do Estado Regulador - Volume V ("Em busca de maior legitimidade dos atos administrativos de regulação"), dois mecanismos merecem especial destaque para assegurar a legitimidade dos atos regulatórios: (i) justificativa técnica, por meio da análise de impacto regulatório (AIR) e/ou de nota técnica; e (ii) participação popular, via consulta ou audiência pública.

Nesse sentido, a Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874, de 20 de setembro de 2019) e a Lei de Agências Reguladoras (lei 13.303, de 25 de junho de 2019) determinam que devem ser precedidas de análise de impacto regulatório (AIR) as propostas de edição e alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados, com o objetivo de identificar informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico. Ainda segundo a Lei de Agências Reguladoras, nos casos em que não for realizada a AIR, deverá ser disponibilizada, no mínimo, nota técnica ou documento equivalente que tenha fundamentado a proposta de decisão.

No que diz respeito à consulta ou audiência pública, a Lei de Agências Reguladoras determina a realização da primeira, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada com relação a minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados.  Por outro lado, a audiência pública poderá ser convocada, por decisão colegiada, para formação de juízo e tomada de decisão sobre matéria considerada relevante.

Tanto a consulta quanto a audiência pública são instrumentos de apoio à tomada de decisão por meio dos quais a sociedade é consultada ou pode se manifestar a respeito da matéria. Para esse fim, a agência reguladora deverá disponibilizar antecipadamente o relatório de AIR, os estudos, os dados e o material técnico que as tenha fundamentado, ressalvados aqueles de caráter sigiloso, no caso de propostas de ato normativo submetidas a audiência pública. Para outras propostas submetidas a audiência pública, a nota técnica ou o documento equivalente que as tenha fundamentado.

Esses mecanismos já eram praticados por algumas agências, mas não estavam positivados de forma tão explícita. Percebe-se a preocupação do legislador com a fundamentação técnica das decisões regulatórias, sejam elas a respeito de atos normativos ou outras matérias. A elaboração da AIR, das notas técnicas e os mecanismos de participação popular buscam reduzir a assimetria de informações entre agentes, e entre esses e o próprio regulador, de forma a contribuir para a identificação de impactos indesejados das medidas a serem tomadas e, alternativamente, a exploração de outras opções regulatórias.

É importante lembrar que as decisões regulatórias possuem um caráter normativo e prescritivo. Seja ao tratarem da edição de normas e suas alterações, seja ao considerarem outros aspectos setoriais, buscam regular o setor econômico e servem de sinalização a todos os agentes, não apenas aos diretamente envolvidos em eventual controvérsia. Devem, assim, manter coerência com decisões anteriores, em regra, e com os objetivos regulatórios de cada setor ou segmento.

Um dos desafios que se colocam à manutenção da segurança jurídica e regulatória é a constante mudança dos órgãos colegiados, conforme o término dos mandatos de seus membros. É certo que, ainda que não fossem temporários os mandatos, seria absurdo imaginar que os entendimentos não poderiam evoluir com o tempo, com novas tecnologias, novas realidades de mercado, novos estudos, entre outros fatores.

Relevante, entretanto, que seja resguardada a institucionalidade. As decisões dos órgãos colegiados comunicam o entendimento da instituição, e são resultado da ponderação das análises do seu corpo técnico, de seus precedentes, de seus entendimentos manifestados em consultas e audiências públicas e, também, do próprio entendimento dos membros do colegiado manifestados em voto. Assim, enquanto os votos são individuais, as decisões são institucionais.

Deve-se evitar desvios de rota abruptos que eternizam a atualidade da triste constatação contida em frase atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, de que "no Brasil até o passado é incerto".

Desvios de rota ou mudanças de entendimento devem ser sempre recomendáveis, apenas à medida que estritamente necessários para garantir melhor regulação e funcionamento do setor regulado, de forma coerente com os objetivos regulatórios de longo prazo.

Para tanto, é fundamental que essa necessidade seja devidamente justificada de forma técnica, por meio de AIR ou nota, e com oitiva dos agentes setoriais, buscando-se garantir legitimidade ao processo decisório, de forma que não seja objeto de questionamentos judiciais por agentes afetados e descontentes. Do contrário, haverá mais insegurança jurídica e regulatória, na contramão do que se pretende com o Direito: a paz social. Sem paz e sem segurança jurídica e regulatória, não há boa regulação.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Marcello Portes da Silveira Lobo

Marcello Portes da Silveira Lobo

Sócio da área de energia de Pinheiro Neto Advogados.

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