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Alienação parental beyond borders, já ouviu falar?

Precisamos qualificar efetivamente os psicólogos para que saibam avaliar corretamente os casos de alienação parental e distinguir os afastamentos legítimos dos ilegítimos.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Atualizado em 21 de setembro de 2022 10:17

Olá, colegas Migalheiros!

Hoje eu trago um assunto muito importante, porém pouco abordado, nos estudos da Alienação Parental, suas vertentes e desdobramentos, aos interessados em aprofundar no tema desse fenômeno tão prejudicial ao desenvolvimento vincular, afetivo e familiar da criança e adolescência.

Este artigo, que está sendo objeto do meu próximo livro, é o resultado da experiência da minha experiência como psicóloga assistente técnica em processos de Família (que normalmente discutem questões de guarda, convivência (não 'visita!'), guarda compartilhada, alienação parental, mas desta vez elevada a outro nível: a prática de alienação parental do afastamento da criança do contato e convivência com o(a) outro(a) genitor(a) por subtração ou retenção internacional.

É interessante notarmos que, nessa área da Psicologia Jurídica, mesmo depois de anos e anos de experiência, ainda aparecem situações inusitadas, e que nos desafiam a todo momento.

A confiança dos advogados dos clientes que me indicaram como assistente técnica a tais casos é inestimável: além de expandir e fortalecer o círculo de amizades e de networking, me convocou a aprimorar os conhecimentos, agregando valores à experiência que me dei conta que nunca posso considerar 'consolidada'.

É uma área pouco explorada no Direito Internacional privado, e sequer é mencionado na prática de Psicologia Jurídica - então, diga-se que é uma ótima sugestão de tema para o currículo da Pós em Psicologia Jurídica na UNISA, da qual sou idealizadora e coordenadora. Portanto, quem passa a atuar com esse tipo de processos adquire um cabedal de experiências inestimável e diferenciado em relação ao mercado de trabalho dos psicólogos jurídicos.

Iniciando um breve contexto jurídico, temos que a "Convenção sobre os aspectos civis do Sequestro Internacional de Crianças" foi assinada em Haia, na Holanda, em 25/10/80, mas entrou em vigor internacionalmente em 1º/12/83. No Brasil, sua promulgação ocorreu por meio da promulgação do decreto 3.413 de 14/4/00, embora passasse a vigorar desde janeiro de 2000. Foi adotado o termo 'sequestro', decorrente da tradução ao português, mas esse termo não corresponde à situação concreta, porque não se trata de um 'sequestro' como é entendido no Direito Penal (subtração de pessoa com o objetivo de obter alguma vantagem financeira), mas sim a retirada ilegal ou a retenção ilegal de criança de seu país de residência habitual1. Uma readequação do termo em português causaria menos incômodos, dúvidas e mal-entendidos.

A convenção tem atualmente 122 Estados signatários2 e está em vigor em todos os países da União Europeia e em todos os membros da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (à exceção de dez países).

O 'sequestro' de que trata a CH/80 consiste na retirada ou na retenção ilegal de criança em local diverso do seu país de 'residência habitual', feita por um dos pais ou familiares. Na época de sua aprovação, a maioria dos casos era praticada pelo pai que, descontente com a guarda unilateral materna, retirava o(s) filho(s) do país de residência habitual e o(s) levava a outro, sem a menor intenção de devolvê-lo(s); ultimamente, o 'sequestro' passou a ser praticado pela mãe que, sob as mais variadas alegações (profissionais, pessoais, violência doméstica, e até por vingança), afasta o(s) filho(s) do pai. Além da distância física (geográfica), o afastamento da criança do pai causa outros tipos de insegurança na criança: mudanças constantes de endereço; desconfiar e/ou ter que se ocultar de autoridades policiais e administrativas porque a família pode ser deportada a qualquer momento por ausência de documentação de imigração; problemas de convivência social (abandonar os vizinhos e amigos de seu país de residência habitual e ter dificuldade ou impossibilidade de interação social no país de retenção); não poder ser matriculada em escola ou não conseguir acompanhar o cronograma e a rotina escolares; problemas de aprendizagem; e até de identidade pessoal, pois em muitos casos a criança muda até de nome (muda o prenome original, perde o sobrenome do pai/mãe - o que, conforme será visto oportunamente, pode ser um fator de desvinculação da criança com seu pai/mãe, abrindo espaço para a instauração da síndrome de alienação parental).

As Autoridades Centrais dos países signatários são as entidades encarregadas para receber os pedidos de devolução (ou repatriação) de menor subtraído ilegalmente do país originário. Sua criação é determinada pelo art. 6º da CH/80. No Brasil, a Autoridade Central é a Secretaria Especial de Direitos Humanos, como previsto no decreto 3951/00. As Autoridades Centrais devem tomar as medidas cabíveis para os casos elencados no art. 7º da CH/80.

Contextualizando o cenário, passemos agora às situações fáticas em que, com algumas exceções, a retirada de criança do seu país de origem seja um recurso de alienadores(as) para afastar definitivamente a criança do contato com o(a) outro(a) genitor(a).

Começo explicando das exceções porque atendo casos em que, de fato, essa retirada é justificada, como uma providência extrema por parte do(a) genitor(a) ou de pessoa responsável pela criança/adolescente. Isso porque, há situações concretas de violência, negligência, maus-tratos que respaldam as providências de retirada urgente da criança/adolescente naquele país. Frequentemente vêm acompanhadas de acusações de violência doméstica (física, psicológica, sexual) contra o(a) próprio(a) genitor(a) ou responsável pela criança/adolescente, e, quando essas pessoas chegam ao Brasil, necessitam de avaliações médicas e psicológicas urgentes da rede de apoio. Ocorre, porém, que nem todos os casos são legítimos, daí a importância de que essas avaliações sejam urgentes, idôneas, realizadas por profissionais competentes e qualificados, porque assim estaremos de fato diferenciando os casos reais daqueles utilizados meramente com fins egoísticos do genitor, de afastamento da criança/adolescente do(a) genitor(a) abandonado(a), elevando o ato de alienação parental previsto no inciso VII do art. 2º da lei 12.318/103 a nível internacional.

Primeiro, o(a) genitor(a) abandonado(a) (left behind parent) ingressa com o pedido de retorno da criança ao país originário (de residência habitual) à ACAF, e esta analisa a procedência do pedido, se atende a todos os requisitos legais previstos na CH/80; em caso afirmativo, a ACAF diligencia para localizar o(a) genitor(a) detentor(a) (taking parent) e a criança em até 48 horas - podendo haver colaboração da Polícia Federal (PF) ou Interpol  e as informações de saúde, escolares, etc., podem ser prestadas pelo Conselho Tutelar (CT) ou órgão equivalente.  Em caso positivo da localização, apresenta ao taking parent a notificação para apresentar as razões da subtração, em prazo de 10 dias. Decorrido esse prazo, e em caso de apresentação das razões, a ACAF questiona se as partes aceitam um acordo para retorno seguro da criança: em caso afirmativo, essa etapa dura de 3 a 6 meses (Meira, 2018).

Se o menor for trazido ao Brasil por estrangeiro (familiar ou não) que esteja em situação irregular, a Polícia Federal pode determinar a extradição do(a) retentor(a) ou subtrator(a) (taking parent), que será notificado(a) em 8 dias para deixar o Brasil voluntariamente. Se o(a) taking parent não cumprir esta ordem, será deportado(a) pela Polícia de Imigração. Além disso, se o(a) estrangeiro(a) que tenha subtraído ilegalmente o menor de seu país de residência habitual tiver condenação penal, seja por sentença estrangeira homologada pelo STJ ou por sentença de juiz brasileiro, este juiz poderá determinar a extradição do(a) mesmo(a). Se o(a) genitor(a) taking parent for brasileiro(a), portanto não sujeito(a) à deportação, a ACAF o(a) notificará da existência do pedido de restituição ou de direito de visitas apresentado pela Autoridade Estrangeira, e proporá uma tentativa de solução amigável com prazo determinado para resposta.

Um dos argumentos comumente utilizados pelo(a) genitor(a) taking parent para dificultar ou atrasar a repatriação é alegar que o país originário não seria capacitado para garantir os direitos da criança (ou, por extensão, da mulher, nos casos em que quem retira a criança ilegalmente do país é a mãe). Trata-se de uma alegação sofismática, uma vez que os direitos são da criança, e para a plena aplicabilidade de CH/80 é imprescindível que haja cooperação e confiança entre os órgãos julgadores.

É importante esclarecer que só se pode falar em alienação parental quando não há um motivo real para que o pai ou a mãe seja hostilizado pela criança. Geralmente, quando há um pedido de ampliação da visitação (convivência), reivindicação de guarda compartilhada, ou mesmo divergências quanto à pensão alimentícia, e foram esgotados todos os recursos do genitor alienador para dificultar ou obstruir o contato da criança com o outro genitor, começam as campanhas de desqualificação contra ele, que são os atos de alienação parental. Se estivermos falando de um genitor violento, agressivo, negligente, que efetivamente tenha exposto a criança a risco, não é o caso de alienação parental.

A lei 12.318/10 trouxe mais uma diferenciação ao conceito original, ao tipificar os 'atos' de alienação parental como um "[...] abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda" (art. 3º). Isso significa que os atos de AP, elencados ainda que exemplificativamente nos incisos I a VII do art. 2º, isolada ou combinadamente, são por si mesmos suficientes para expor a criança/adolescente a risco, sem necessariamente esperarmos que ela desenvolva sintomas da síndrome da alienação parental, porque quando a criança/adolescente incorpora o discurso do alienador e começa a manifestar os sintomas da SAP, é porque os atos de AP já 'surtiram efeito', isto é, o alienador já conseguiu atingir seu objetivo egoístico de destruir os vínculos do filho com o outro genitor, a fim de ter a criança/adolescente somente para si, sem aceitar o compartilhamento da guarda, sem a maturidade de separar seus sentimentos pessoais dos da criança/adolescente, sem compreender que o filho precisa ter o afeto de ambos os pais, e que ser obrigado a 'escolher' um deles é uma violência com sequelas imprevisíveis e, por vezes, irreversíveis.

Quando a criança/adolescente descobre ou percebe que esse afastamento do genitor-alvo ocorreu por interesse do alienador, a tendência é que haja um rompimento com esse alienador, tentativas de retomar o contato com o genitor-alvo, dificuldades de relacionamento interpessoal, comportamentos autodestrutivos (dependência química e até suicídio).

Por sua vez, quando o Judiciário expede uma sentença determinando o restabelecimento da visitação daquele genitor-alvo, mas o genitor alienador se recusa a cumpri-la, de forma explícita ou mediante artifícios (como obstruir o contato da criança/adolescente com o outro genitor, sair ou mudar-se da residência, induzir a criança a falar que "não quer ir"), e não toma providências mais enérgicas para que a sentença seja cumprida (como busca e apreensão, reversão da guarda em favor do outro genitor, imposição de sanções como multas ou obrigação de levar o filho até o outro genitor), está esvaziando sua autoridade, o que faz com que o próprio Judiciário se torne cúmplice da alienação parental (alienação parental judicial), podendo ser responsabilizado por omissão.

É importante destacar que as sanções ao alienador, determinadas pelo art. 6º da lei 12.318/10 - que envolvem advertência ao alienador por seu ato, aplicação de multa, ampliação da convivência da criança com o outro genitor, chegando às medidas extremas de reversão da guarda em favor do genitor afastado e a suspensão da autoridade parental - não são punitivas, e sim pedagógicas. São uma forma de trazer ao alienador a consciência de que sua autoridade parental possui limites, conforme a máxima: "o seu direito termina onde começa o meu", que nenhum dos genitores pode agir despoticamente na guarda do filho, inclusive porque uma das 'sanções' é, justamente, a guarda compartilhada, que não necessariamente retira a criança da residência de referência, mas mostra àquele genitor que a guarda deve ser exercida pelo pai e pela mãe, e dá bom exemplo ao filho, revelando-lhe que ele precisa de ambos os pais.

Se houver uma avaliação psicológica e/ou psicossocial fidedigna e confiável, realizada por profissionais idôneos, isentos e devidamente capacitados para o encargo, poder-se-á identificar se os sintomas e reações da criança/adolescente seriam derivados de outra fonte que não a acusação de abuso sexual atribuída ao pai, e sim dos 'pactos de lealdade' que a criança/adolescente pode estar estabelecendo com o(a) taking parent e com o padrão familiar que ele(a) oferece, e essa exclusão do(a) left behind parent na vida da suposta vítima.

O afastamento da figura do(a) left behind parent passa a confirmar a história que foi relatada artificialmente à criança/adolescente, até que aquele(a) genitor(a) desapareça definitivamente da vida dela! Daí a necessidade da repatriação imediata da criança/adolescente, em fiel cumprimento à Convenção de Haia (1980) da qual o Brasil é signatário, para posterior conversão em diligência para a realização da perícia psicossocial com profissionais gabaritados que possam contribuir para o esclarecimento da Verdade.

Tem-se então que a morosidade e a burocracia do Judiciário brasileiro 'legitimam' uma situação irregular, beneficiando aquele(a) genitor(a) taking parent que agiu contra a lei - e que, diga-se, se torna um péssimo exemplo ao filho - e tanto as avaliações psicossociais quando as decisões judiciais respaldadas por essas avaliações se eximem da responsabilidade de afirmar a impossibilidade de realizar uma avaliação idônea tendo-se em vista a 'retenção nova' (que implicaria a desnecessidade da avaliação psicossocial) ou a adaptação decorrente dessa própria inépcia jurisdicional. No futuro, se a criança tiver algum prejuízo, tanto o psicólogo e o assistente social quanto o julgador se eximem de qualquer 'culpa'; se a criança tiver boa adaptação ao país de refúgio e não tiver nenhum prejuízo, os profissionais vão acreditar que 'fizeram um bom trabalho'. A própria extensão do tempo para iniciar e depois para dar andamento e conclusões às avaliações psicossociais também são um fator que beneficia o(a) taking parent que esteja praticando AP, porque quanto mais tempo o processo demora, mais tempo ele(a) tem para continuar doutrinando o filho para que hostilize e/ou perca as lembranças do(a) left behind parent, e mais a criança se adapte completamente ao país de refúgio, inclusive 'manifestando o desejo' de não querer mais voltar ao país de residência habitual. Essas passam a ser as 'conclusões' dos profissionais técnicos, que depois irão respaldar a decisão judicial pela 'impossibilidade de retorno da criança ao país de origem'.

Para avaliar a credibilidade do relato da vítima, deve-se levar em conta: o conteúdo das descrições e dos relatos, os detalhes contextuais dos mesmos e o clima afetivo no qual transcorrem as revelações (INTEBI, 2008). Outros quesitos são também apontados por outros autores: múltiplos incidentes; aumento paulatino e crescente da complexidade da atividade sexual descrita pelo entrevistador, presença de elementos relacionados com o segredo, detalhes de condutas sexuais e detalhes colaterais; e momentos e circunstância em que se produz a revelação, linguagem de acordo com sua etapa evolutiva, quantidade e qualidade de detalhes, nível de conhecimento segundo a etapa evolutiva, coerência interna e externa, descrição das condutas do agressor, possibilidade de que a(s) agressão(ões) sexual(is) tenha(m) ocorrido e reação emocional durante a(s) entrevista(s). Mas isso só é possível mediante a avaliação contextualizada da acusação de abuso, ouvindo-se ambos os lados e todos os familiares envolvidos, e não avaliações precárias, incompletas e insuficientes, produzidos de forma unilateral, por profissionais ineptos e sem a devida qualificação para tal, que contrariam a ética da Psicologia.

É indispensável lembrarmos que os atos de alienação parental são per se considerados atos de violência doméstica, pela lei 13.431/17.

A dificuldade reside justamente em dar visibilidade à alienação parental, inclusive nos casos de subtração internacional de menor! Na prática, os Setores Técnicos apresentam resistência e dificuldades em identificar os casos de alienação parental, e mais grave quando envolvem a alegada acusação de abuso sexual como 'pseudo'-justificativa para a saída irregular do país de origem. Frequentemente ocorrem casos de ausência de qualificação especializada, e/ou salas inadequadas para a escuta especializada da suposta vítima. Mas, em alguns casos, a dificuldade é mais profunda: peritos assumem postura tendenciosa, 'escolhendo' argumentos que confirmem eventual convicção (por exemplo, de acolhimento acrítico ao discurso do(a) taking parent, o que em si mesmo configura temeridade e violação ética, por afastar-se da imparcialidade que deve ter a avaliação psicológica idônea. As reivindicações de providências do Judiciário para que a alienação parental seja cada vez mais visível a fim de se erradicar seus efeitos e consequências se tornam inócuas: o Setor Técnico se recusa a 'ver' a alienação parental e os Juízes alegam que 'se o psicólogo não 'viu' a alienação parental é porque ela 'não existe'', decretando-se assim a 'invisibilidade' da alienação parental. Os atos de alienação parental ficam escamoteados em justificativas de 'medidas de proteção à criança', 'genitor(a) está cuidando do(a) filho(a)', 'o(a) pai/mãe é agressivo/negligente e deve ser afastado da convivência com o(s) filho(s)', ou a mais grave de todas: 'o(s) filho(s) não quer(em) mais ver o(a) pai/mãe', transferindo-se à criança a 'vontade' de não ver aquele(a) genitor(a), como manobra para encobrir os atos de alienação parental do(a) alienador(a), geralmente avesso a assumir a responsabilidade por seus atos.

A despeito da exigência explícita do art. 5º da lei 12.318/2010, de que:

Art. 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.

§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.

§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.

§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.

A questão reside exatamente aí: a lei não estabelece qual o critério para se definir que o profissional e/ou equipe estejam aptos a avaliar um caso de alienação parental. Quanto tempo mínimo deve(m) ter para ser(em) considerado(s) 'apto(s)'? Qual a carga horária mínima de um curso? Qual o conteúdo que deve ter um curso para qualificar o profissional ou equipe para avaliar casos de alienação parental? Qual a experiência mínima que o profissional ou equipe deve ter para ser considerado(a) 'apto(a)'?

O objetivo da avaliação para identificar a AP consiste em denunciar quando o(a) taking parent esteja utilizando do recurso da saída ilegal (ou irregular) do país para praticar AP, apresentando 'pseudo'-justificativas para pedir asilo no país de refúgio, e manipulando a criança para que passe a não querer mais contato com o(a) left behind parent. O psicólogo deve estar qualificado para identificar possíveis pactos de lealdade, qualidade dos vínculos da criança, inclusões/exclusões, dominação/submissão, exercício de papeis na família. Os aspectos relevantes da personalidade dos sujeitos envolvidos, com os procedimentos corretos e a devida imparcialidade para não formar uma 'dicotomia maniqueísta' (um dos genitores é 100% bom e o outro é 100% mau). O psicólogo também deve realizar os prognósticos e encaminhamentos mais adequados ao caso, analisando a rede de apoio familiar disponível. Uma avaliação psicológica realizada de forma correta, completa e imparcial permite a 'leitura' dos aspectos não-verbais e latentes por trás da relações familiares, comportamentos da criança que possa sugerir conflitos de lealdade com qualquer dos pais (ou com ambos).

Ao redigir o laudo nos contextos de retirada irregular de criança do país de origem, o Perito psicólogo deve apontar a impossibilidade de formular qualquer tipo de avaliação enquanto não solucionar a questão judicial, de repatriação imediata da criança ao país de origem, em estrito cumprimento à CH/80, para depois haver a discussão legal acerca da guarda. Na impossibilidade ou dificuldades de repatriação imediata da criança nos termos da CH/80, o psicólogo jurídico deve indicar a viabilidade da GC como regra e que os contatos com o(a) left behind parent devem ser facilitados, presencialmente ou por outros meios (comunicação digital) para impedirmos a AP, uma vez que é muito frequente o entendimento equivocado, e até temerário, de que 'a guarda compartilhada não pode ser concedida quando os pais estão litigando', porque essa afirmação respalda os atos de alienação parental, o acirramento dos conflitos entre os pais (dando mau exemplo ao(s) filho(s), de não resolverem as desavenças, de se acusarem e se ofenderem mutuamente, o que o(s) filho(s) tendem a reproduzir em outras situações). O mais grave é que os laudos psicológicos confirmam esse pensamento distorcido, e vão respaldar as decisões judiciais, o que concede benefícios indevidos aos(à) alienadores(as) - que em geral são os(as) taking parents e a situação de permanência irregular de criança em país alheio ao originário se consolida - dessa vez com as 'bênçãos' do Judiciário ineficiente e inepto para perceber que a retirada da criança nessas condições é uma manobra de alienação parental (instaura-se assim a Alienação Parental Judicial).

Se o psicólogo apresentar uma ofício fundamentado de que não é possível proceder à avaliação psicológica da criança/adolescente de maneira unilateral, uma vez que é importante se conhecer e compreender a contextualização familiar envolvida - por uma questão de ética na avaliação preconizada pela Psicologia como Ciência e Profissão, a autoridade judiciária de um dos países pode oficiar a autoridade judiciária do outro país para determinar o retorno imediato da criança/adolescente. Mas, obviamente, não pode interferir na soberania daquele outro país, então é uma ordem judicial da qual não há garantia que seja cumprida. Principalmente se a autoridade judiciária do país onde está o(a) left behind parent determinar a prisão do(a) taking parent pela retirada ilegal da(s) criança(s)/adolescente(s)!

Em alguns casos, os psicólogos não recomendam a GC em seus laudos 'porque' os Juízes não concedem a GC em casos de litígio entre os pais, sendo que isso contraria o disposto na Lei nº 13.058/2014, mas é a forma que esses psicólogos encontram para garantir que seus laudos sejam acolhidos pela autoridade judicial. Importante frisar que a GC é cabível inclusive nos casos de distanciamento geográfico, porque se trata da co-responsabilização de ambos os genitores pelas decisões do(s) filho(s) comum(ns) e isso não pode ser obstruído pela subtração ilegal de menor para outro país.

Enfim, o tema é extenso, com muitos desdobramentos. Para esse artigo não ficar longo demais, deixo aqui a mensagem final: precisamos qualificar efetivamente os psicólogos para que saibam avaliar corretamente os casos de alienação parental e distinguir os afastamentos legítimos dos ilegítimos, com cursos de elevada qualidade, instrumentos apropriados e procedimentos validados pela Ciência Psicóloga baseada em evidências. Somente assim teremos o fortalecimento das leis 13.218/2010 e 14.340/22 que trazem importantes mecanismos de proteção à integridade física e emocional das crianças e adolescentes contra manobras inidôneas de alienação parental e contra entidades inescrupulosas que exigem a revogação dessas importantes leis.

Espero que tenham apreciado a leitura deste artigo, tanto quanto eu tive o prazer em escrevê-lo.

Nos vemos nos próximos!

____________

1 Por esses motivos, nesta obra só será usado o termo 'sequestro' quando se referir diretamente ao nome oficial da CH/80; para fins deste texto, serão usados os termos 'subtração', 'retirada', ou 'retenção'.

2 Consulta pelo portal: https://www.cnj.jus.br/convencao-da-apostila-de-haia. Acesso em 19 set. 2022.

3 Lei 12.318/2010

Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

Art. 2º (...)

(...)

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

____________

ALEXANDRE-HUGHES. S. International parenting and child protection matters beyond the specific issue of parental child abduction: the 1996 Hague Convention on the International Protection of Children. Children Australia, v. 38, n. 4, p. 156-161, 2013. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/children-australia/article/international-parenting-and-child-protection-matters-beyond-the-specific-issue-of-parental-child-abduction-the-1996-hague-convention-on-the-international-protection-of-children1/37BBB7A4E9035C41B2A6A20C38A07A7F. Acesso em: 27 ago. 2016.

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto no 3.413, de 14 de abril de 2000. Promulga a Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980. Disponível em: . Acesso em: 23 maio 2019.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2010.

CONVENÇÃO sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças. Disponível em: . Acesso em 09 maio 2019.

INTEBI, I.V. Valoración de Sospechas de Abuso Sexual Infantil. Cantábria (Espanha), mar. 2008.

MARTINS, N.C. Subtração internacional de crianças: as exceções à obrigação de retomo previstas na Convenção de Haia de 1980 sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. Interpretação judicial da adaptação da Criança. Curitiba: CRV, 2013.

MEIRA, R.S. O paradoxo da criança adaptada: crítica à aplicação da Convenção da Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 183 f., 2018.

MICHELIN, N.C.H. "Não conte a ele que estou feliz": o trabalho do Núcleo Psicossocial em um caso de Alienação Parental. In: SOUZA NETO, Z.G. (org). Olhares e fazeres: Teoria e pesquisa em Psicologia Jurídica. Porto Alegre: Imprensa Livre, p. 25-55, 2018. cap.

MOSCOVICI, S. Representações sociais: pesquisas em Psicologia Social. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os aspectos processuais na perícia de Varas de Família. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2021.

SILVA, D.M.P. A Alienação Parental beyond borders nos casos de sequestro internacional de menores (título provisório, obra a ser publicada pela Editora Juruá).

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora PG Psicologia Jurídica UNISA. Prof.SEWELL/SECRIM. Colaboradora Comissões OAB/SP. Autora livros Psicologia Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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