Como o blockchain pode ser usado para coibir o trabalho análogo à escravidão na indústria da moda
A indústria da moda tem como uma de suas peculiaridades a extensão de sua cadeia produtiva, que vai desde o desenvolvimento da matéria-prima, confecção dos tecidos, costura até a distribuição nas lojas. Tal cadeia é geralmente descentralizada, o que impõe um desafio adicional à repressão da escravidão.
quarta-feira, 21 de setembro de 2022
Atualizado às 08:10
Não há a menor dúvida de que o trabalho análogo à escravidão é uma prática abominável. E engana-se quem imagina que esta ficou para trás junto com um passado histórico questionável - e que nos deixou marcas que podem ser sentidas até os dias atuais.
De acordo com a fundação internacional de proteção aos direitos humanos Walk Free, conforme exposto no relatório The Global Slavery Index de 2018, a indústria da moda é uma das que mais se utiliza do trabalho análogo à escravidão nos tempos modernos. Seja para atender uma demanda cada vez maior, alimentada por tendências que se iniciam e se acabam junto às estações do ano, ou então para competir com preços cada vez mais baixos, a exploração exagerada da mão-de-obra, infelizmente, é considerada por diversas empresas como alternativa.
A indústria da moda tem como uma de suas peculiaridades a extensão de sua cadeia produtiva, que vai desde o desenvolvimento da matéria-prima, confecção dos tecidos, costura até a distribuição nas lojas. Ainda, tal cadeia é geralmente descentralizada, o que impõe um desafio adicional à repressão da escravidão, pois, nem sempre, as empresas estão atentas às práticas adotadas por todos os seus fornecedores.
Com diversas notícias sobre o tema, explanando o problema inclusive em território nacional (engana-se quem imagina que tal prática é restrita a alguns países), diversas instituições, bem como a sociedade civil, vêm se alinhando de forma a trazer explicações sobre o assunto.
Além da clara necessidade de aumento da fiscalização por parte dos Estados, alternativas surgiram de forma a coibir prática tão inaceitável. Como não poderia ser diferente, a tecnologia viabilizou uma solução inteligente para dificultar tal prática a partir do uso do blockchain.
O blockchain é a tecnologia que ganhou notoriedade no uso de transações de criptomoedas, mas esta serve para muito mais do que isso. De forma resumida, o blockchain pode ser caracterizado por um sistema de blocos descentralizado distribuído em uma rede peer-to-peer. Toda informação adicionada ou alterada no sistema é validada e verificada em uma combinação com os demais blocos da rede. Assim, nenhuma alteração é realizada sem seu devido registro, o que garante maior transparência e possibilidade de auditar tais informações.
Muitas empresas conscientes sobre a questão envolvendo a escravidão tem utilizado tal tecnologia para controlar sua cadeia produtiva de forma que cada fornecedor deve imputar os dados no sistema de forma a comprovar que sua atuação tem se dado em atenção às normas trabalhistas e, principalmente, em atenção à proteção da dignidade da pessoa humana.
Além de garantir maior tranquilidade para as equipes de compliance das empresas, a possibilidade de acesso às informações sobre todos os fornecedores é um ponto de atração para os consumidores, que estão cada vez mais conscientes e que podem, finalmente, analisar a origem dos produtos que adquirem.
A fundação Fashion Revolution, que surgiu após o chocante desabamento do prédio Rana Plaza, em 2013, em Bangladesh, ocupado por oficinas de costura que atendiam a diversas marcas famosas no mundo, resultando em mais de 1.000 mortes e 2.500 pessoas feridas, trouxe à tona o questionamento sobre qual é a origem das roupas que usamos. Felizmente, agora há mais uma alternativa para respondermos à pergunta com maior precisão, honrando os direitos humanos.
Natalia Gigante
Sócia da Daniel Advogados e Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação.