A natureza e os conflitos dos tratados internacionais em matéria tributária
Se vierem a tratar de garantias fundamentais de contribuintes, os Tratados Internacionais tornar-se-ão equivalente às normas constitucionais, levando-se em conta a previsão do artigo 5º, parágrafo 2º e 3º da Constituição Federal.
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Atualizado às 09:12
O presente artigo busca analisar os Tratados Internacionais em Matéria Tributária, no contexto do direito brasileiro. Dentro desta temática, analisaremos questões metodológicas, como por exemplo, a hierarquia dos Tratados Institucionalizados no ordenamento jurídico brasileiro, questionando-se a recepção do artigo 98 do CTN, chegando à questão da isenção autonômica e heterônoma que, previamente, será fundamentada com a base na organização político-administrativa adotada pelo Brasil.
Antes de adentrarmos nos aspectos da natureza, assim como a existência ou não de conflitos dos Tratados Internacionais, em matéria tributária, para com a legislação interna, faz-se necessário à exposição da Teoria Monista e à Teoria Dualista, para que assim possamos entender como nosso país compreende as normas de direito internacional.
Para classificar os Estados quanto às formas de recepção e o grau hierárquico da norma de direito internacional frente a norma interna, foram formuladas a Teoria Monista e a Teoria Dualista. E a diferença entre estas consiste na necessidade (teoria dualista) ou não necessidade (monista) da incorporação da norma de direito internacional no ordenamento jurídico interno.
A começar pela Teoria Monista, segundo tal entendimento, não existem ordens jurídicas distintas, ou seja, independentes. Desta forma, compreendem que o direito internacional e o direito nacional regulam a conduta dos mesmo sujeitos. Segundo Accioly e Nascimento e Silva, "A doutrina monista não parte do princípio da vontade dos estados, mas sim de norma superior, pois o direito é um só, quer se apresente nas relações de um estado, quer nas relações internacionais".
É de se compreender que a Teoria Monista possui duas correntes: a monista nacionalista, com primazia do ordenamento jurídico interno sobre o sistema de direito internacional, e a monista internacionalista, com primazia do sistema de direito internacional sobre o ordenamento jurídico interno.
Afirma o professor Francisco Rezek, acerca das duas correntes monistas:
"Os autores monistas dividiram-se em duas correntes. Uma sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens internas. Outra apregoa o primado do direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito internacional aparece como uma faculdade. O monismo internacionalista teve em Hans Kelsen seu expoente maior, enquanto a vertente nacionalista encontrou adeptos avulsos na França e na Alemanha, além de haver transparecido com bastante nitidez, entre os anos vinte e os anos oitenta, na obra dos autores soviéticos.".
No tocante à Teoria Dualista, esta compreende que o direito internacional e o direito nacional compõem ordens jurídicas distintas, tratando-se de sistemas totalmente distintos que jamais se confundiriam.
Neste sentido, a jurista Carolina Marques afirma que:
"Para os defensores da doutrina dualista, direito internacional e direito interno seriam dois sistemas distintos, dois sistemas independentes e separados, que não se confundem. Salientam que num caso se trata de relações entre estados, enquanto, no outro, as regras visam à regulamentação das relações entre indivíduos. Outro argumento é que o direito internacional depende da vontade comum de vários estados, ao passo que os direitos internos dependem da vontade unilateral do estado. Em consequência, o direito internacional não criaria obrigações para o indivíduo, a não ser que as suas normas se vissem transformadas em direito interno."
Complementando o caráter de distinção acerca da ordem internacional e nacional, o professor Rezek afirma que "Os dualistas, com efeito, enfatizam a diversidade das fontes de produção das normas jurídicas, lembrando sempre os limites de validade de todo direito nacional, e observando que a norma do direito das gentes não opera no interior de qualquer Estado senão quando este, por tê-la aceito, promove sua introdução no plano doméstico".
Sendo assim, no sistema dualista, a norma internacional, produzida por meio de Tratado Internacional, ao contrário do sistema monista, apenas passará a viger no ordenamento jurídico interno após o referendo congressual, a ratificação do documento, sua promulgação e publicação.
Cumprindo salientar que o Brasil adotou um modelo de dualismo moderado, levando-se em conta dois momentos distintos. O primeiro momento diz respeito à incorporação do Tratado. O segundo momento, por sua vez, diz respeito à posição hierárquica no ordenamento que, porventura, será decidida somente após a incorporação.
Neste sentido, afirmam Accioly e Nascimento e Silva:
"Ao se estabelecer a necessidade imperiosa de incorporação, independentemente da posição que assumirá posteriormente a norma, adota o direito brasileiro certa forma de dualismo, na modalidade moderada. Somente depois de incorporadas ao ordenamento jurídico interno, podem as normas de origem internacional criar direitos e deveres para os particulares, ainda que antes disso tenha o estado em relação aos seus cocontratantes assumido suas obrigações no plano internacional, por ratificação e depósito do instrumento próprio."
Partindo-se do pressuposto de que o Brasil adota um modelo de compreensão de dualismo moderado, acerca das normas de direito internacional, passaremos a tratar especificamente dos aspectos de natureza e os conflitos gerados pelos Tratados Internacionais em matéria tributária.
Levando-se em conta as premissas já evocadas neste estudo, têm-se que os Tratados ou Convenções Internacionais, em nosso sistema dualista, só produzirão efeitos no ordenamento jurídico interno após a completude de um complexo iter, ou seja, sua institucionalização.
Uma vez institucionalizados, estes Tratados Internacionais em matéria tributária passam a integrar a legislação e a produzir efeitos no ordenamento jurídico interno, possuindo, inclusive, previsão do artigo 96, do Código Tributário Nacional:
"Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.".
Conforme explica a Dra. Carolina Marques, neste contexto, caso estes Tratados Internacionais venham a dispor de matéria de política tributária que envolva comércio exterior, sendo este a forma mais comum, evitando-se bitributação, por exemplo, serão considerados como lei especial, quando concretizada sua institucionalização no direito interno.
Neste sentido, Dra. Carolina Marques compreende que: "Normalmente, contudo, cuidam de medidas de política tributária relacionadas ao comércio exterior. Nesse caso, serão aplicados como leis especiais. Compreendendo-se como Lei Especial, esta será aplicada por um critério de solução ao conflito aparente de normas, sendo que a norma geral será preferida em razão da norma geral.".
Dessa forma, conclui-se que, se vierem a tratar de garantias fundamentais de contribuintes, os Tratados Internacionais tornar-se-ão equivalente às normas constitucionais, levando-se em conta a previsão do artigo 5º, parágrafo 2º e 3º da Constituição Federal.