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Algumas reflexões sobre a relevância da questão federal e o valor de 500 (quinhentos) salários mínimos

A escolha pelo critério meramente econômico gera distorções na própria relevância, com a dúvida sobre a relevância presumida, ou não, em muitas matérias e questões federais já declaradas pelo STJ sem relevância pelo seu conteúdo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Atualizado às 13:29

A relevância das questões federais objeto de recurso especial é um novo instituto do processo civil brasileiro, sem sombra de dúvidas, porém com poucas informações sobre os limites do próprio instituto e de sua aplicabilidade, pelo fato da própria Emenda Constitucional 125/22 instituir a necessidade de uma lei regulamentadora do instituto da relevância.

A própria Emenda trouxe hipóteses em que a relevância será presumida, conforme o rol estabelecido no teor acrescido e contido no art. 105, § 3º da CF. Se o art. 105, § 2º da CF dispõe sobre o próprio instituto da relevância e a sua possibilidade aberta, em qualquer recurso especial, com a necessidade de que o recorrente demonstre que a questão federal é relevante, nos termos da lei, o parágrafo seguinte já regula hipóteses presumidas e numa tentativa de objetividade.

As hipóteses delineadas como relevantes presumidamente, no texto constitucional acrescido, são: (i) ações penais; (ii) ações de improbidade administrativa; (iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; (iv) ações que possam gerar inelegibilidade; (v) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; (vi) outras hipóteses previstas em lei.

O texto recorta a análise específica da hipótese econômica: ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos. Essa hipótese presumida talvez é a que mais gera críticas por sua escolha, tanto no aspecto processual e os impactos possíveis quanto pelo aspecto monetário e econômico.

A escolha pela inserção de um critério econômico impõe uma opção por um critério eminentemente monetário, o que é um aspecto das críticas, alguns com fundamentos e outras infundadas. Obviamente que ao presumir que causas acima de 500 (quinhentos) salários mínimos já terão a relevância automática quando forem ao STJ é propor, de certa maneira, uma visão elitista do Tribunal.

Essa crítica é válida, contudo merece um discernimento correto sobre a hipótese.

Evidentemente que a escolha tem impacto econômico, mas não exclui outras hipóteses sobre direitos fundamentais ou sobre qualquer matéria que seja possível arguir que há relevância, ainda que os valores sejam menores. Ou seja, ao criar essa hipótese, não se pode criticar que os valores abaixo estarão fora da relevância, somente não terão a relevância automática. A crítica pode ser sobre o valor ou até do cri'terio econômico para a relevância presumida, mas nção da exclusão em si.

Apesar de restringir, de alguma forma - ao menos de maneira presumida, o acesso à justiça no tocante à jurisdição excepcional, a especificação de valores não seria inconstitucional, até pelo fato de que no Juizado Especial se tem uma especificação de valores e, de certa maneira, a parte abre mão do acesso ao STJ.

Outro ponto é a discussão do patamar, será que o importe de 500 salários mínimos são condizentes? Esse ponto é crucial. De certa maneira, ações de impacto econômico acima desse patamar terão relevância, independentemente de sua arguição, o que importa em uma aferição de que este valor seria o corte (sempre atualizado) de mínimo para relevância.

Diante disso, quem tem uma questão federal que discuta um valor acima desse patamar, a questão é economicamente relevante.

No aspecto processual, a primeira crítica é sobre a menção da ação e seu valor da causa serem maiores que 500 (quinhentos) salários mínimos, o que é uma falta de diálogo com a teoria geral dos recursos. O que se deve entender como "ações cujo o valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos" não deve ser o valor da ação em si, mas o valor do proveito econômico que o pedido recursal impacta, o que tornará, de certa maneira, complexo para que se analise ou se demonstre isso em alguns recursos especiais.

Quando se tratar de indenização, talvez o proveito econômico de pedido recursal é de fácil demostração, ainda que sejam necessários cálculos para atualizar esse ponto, o complexo é quando precisa de outros reflexos para se entender o verdadeiro valor da discussão recursal.  Esse ponto trará uma discussão de atualização monetária para a fase recursal e até cálculos complexos que geralmente só eram realizados em execução. 

De todo modo, o que deve ser acima de 500 (quinhentos) salários mínimos é o pedido recursal, não a ação em si.

Logicamente, a presunção ser econômica impõe um critério que nada guarda relação com a matéria em si, sobre o seu impacto social, jurídico ou político, somente se adequando ao econômico e, mesmo assim, um econômico individualizado, não transcendente para a sociedade ou terceiros. Ou seja, não se analisará a matéria em si para a relevância, a questão federal existente no recurso especial, mas, nesse caso, somente o impacto econômico do que se alegou como questão federal.

Um ponto de complexidade processual está na possibilidade sempre aberta do recurso especial versar sobre nulidades e questões meramente processuais. Nesse ponto, o valor da causa é a base para que sobre a questão federal, ainda que não seja uma discussão em si de algo concretamente acima de 500 (quinhentos) salários mínimos, o reflexo dessa discussão processual será relevante pelo impacto processual. Um exemplo seria uma discussão de competência em uma ação com valor da causa acima de 500 (quinhentos) salários mínimos, essa discussão de competência é relevante, ainda que não se possa calcular o valor de competência, o reflexo processual está no valor da causa e, dessa maneira, será relevante presumidamente.

Isso demonstra que não importa a matéria da questão federal em si, importa a discussão econômica ali envolta - claramente - ou o impacto econômico da discussão recursal impugnada, ainda que não seja uma discussão valorativa.

Quando se realiza uma escolha presumida por valores, esta pode gerar distorções processuais, complicações como a das matérias recursais em questões incidentais e seus reflexos, bem como a presunção - ou não - pelo valor da causa/pedido recursal em questões já consideradas como irrelevantes.

O problema dessa escolha está na necessidade de compatibilização, pela lei regulamentadora, da presunção aqui descrita e a declaração de irrelevância em determinada matéria. É sabido que o intuito da relevância é para diminuir a quantidade de recursos especiais no STJ e, de algum modo a ser regulamentado, obstar a interposição de agravos em recursos especiais nesses determinados assuntos e questões tidos como irrelevantes.

Diante disso, é possível que determinada matéria já tenha uma declaração de irrelevância - ou falta de relevância - pelo STJ e, dependendo do que se regulamentar como consequência, não seja possível recurso especial - e o agravo em recurso especial - dessa matéria com a questão já tida como irrelevante.

No entanto, se em um caso, mesmo diante de uma matéria já declarada irrelevante pelo STJ, o recurso especial versar sobre questão que envolva em seu pedido recursal um impacto econômico superior a 500 (quinhentos) salários mínimos, esta questão tornar-se-á relevante? Esse é um ponto de necessária reflexão.

De certa maneira, a presunção meramente econômica foca somente neste aspecto, abrindo uma amplitude de matérias, tornado indiferente qual seria a questão federal em termos material, importando, a priori, somente o impacto econômico que a discussão recursal detém. Mas, como compatibilizar uma matéria que já é irrelevante, com 2/3 (dois terços) do colegiado competente do STJ declarando-a como tal e um recurso especial sobre a mesma matéria cujo o impacto seja superior a 500 (quinhentos) salários mínimos? A presunção de relevância se sobrepõe ao precedente judicial negativo já firmado pela irrelevância? A resposta não é fácil.

A escolha pelo critério meramente econômico gera distorções na própria relevância, com a dúvida sobre a relevância presumida, ou não, em muitas matérias e questões federais já declaradas pelo STJ sem relevância pelo seu conteúdo.

Por tal escolha do reformador constitucional, o aspecto econômico gera essa objetividade e presunção na relevância da questão federal que impacta acima de 500 (quinhentos) salários mínimos, contudo é essencial que a lei regulamentadora compatibilize essas dúvidas e encontre respostas sobre esse possível impasse.

Essa situação será quase que rotineira no STJ após a vigência da relevância, com a necessidade de uma construção que detenha coerência. Obviamente que a definição se a relevância é um mero requisito de admissibilidade ou um meio de formação de precedente vinculante ajudará nessa resposta, pela força que a norma futura dará, ou não, para a formação de precedente negativo a partir da declaração de irrelevância.

Se for mero requisito de admissibilidade, a tendência é não ter nenhum óbice sobre essa confusão entre a matéria constantemente ser irrelevante e determinado recurso especial que impacte economicamente um valor acima de 500 (quinhentos) salários mínimos. O STJ continuará a julgar esse recurso especial se for admissível, com a relevância sendo presumível.

O aspecto muda e a dúvida continua se o intuito for impedir os recursos especiais de questões federais já declaradas irrelevantes, com a sua negativa pelo Tribunal recorrido e a impossibilidade - tal qual ocorre na repercussão geral - de interposição do agravo em recurso especial. Nesse caso, a formação do precedente negativo impediria a presunção econômica? Ou a presunção seria maior do que a irrelevância já declarada? Esse ponto é de crucial entendimento.

A lei regulamentadora deve delinear sobre esse ponto.

Numa leitura inicial que a Emenda nos revela, a questão federal será economicamente presumida como relevante de maneira individualizada, com a indiferença entre a relevância dessa questão federal existir ou não caso seja em um recurso com impacto econômico menor, tanto que seja de caso a caso, numa construção paulatina de jurisprudência persuasiva de irrelevância, ou sobre um precedente negativo declarar aquela questão como irrelevante de maneira geral.

Além da discussão sobre a lei futura possibilitar, ou não, outras hipóteses de relevância presumida, deve-se construir a compatibilização para esse problema e se a opção for realmente por obstar recursos especiais/agravos em recursos especiais de questões irrelevantes, é pertinente que clara e especificamente verse sobre o que deve ser feito nessa situação, se o recurso especial acima de 500 (quinhentos) salários mínimos também deve ser obstado pelo impacto da irrelevância ou se o critério econômico ultrapassa a irrelevância enquanto precedente vinculante negativo, enfrentando o mérito recursal.

Vinicius Silva Lemos

VIP Vinicius Silva Lemos

Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor de Processo Civil na FARO e UNIRON. Presidente do IDPR. Advogado.

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