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Corrupção na Petrobras: a inocência de Lula é absoluta; a de Moro e Merval, nem tanto

Embaralhar institutos jurídicos com inferências ou aleivosias morais e políticas num campo regido pelo Direito, justamente em período eleitoral, é praticar grave desinformação em detrimento de relevantes garantias constitucionais.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Atualizado em 15 de setembro de 2022 08:58

Alguns políticos, como o ex-juiz Sérgio Moro, e setores da imprensa, como o afamado colunista Merval Pereira, têm sinalizado que a inocência de Lula nos processos que apuram corrupção da Petrobras não teria ficado patenteada.

Suas avaliações são - propositadamente ou não - embaralhadas e metajurídicas.

Do ponto de vista jurídico, acerca do tema, aquilo que se tem de mais relevante no alto da pirâmide das fontes do Direito está disposto no CR/88, art. 5°, LVII: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Todo o mundo civilizado abona o princípio da presunção de inocência.

No caso do ex-presidente Lula nunca houve condenação transitada em julgado, pressuposto constitucional para alguém ser considerado culpado.

À luz do Direito, o que ocorreu?

Basicamente isto: Lula foi, sim, inocentado (siga lendo e verá); não sem antes o juiz de seu caso ter sido considerado suspeito, além de usurpado competência jurisdicional alheia.

Como acontece diariamente com inúmeros casos na área persecutória penal, Lula teve seu processo arquivado definitivamente.

Ele foi obviamente inocentado, sendo irrelevante para o direito penal se essa inocência deriva ou não de questão prejudicial; se há ou não produção ou análise formal de provas quanto aos fatos imputados. Essa situação jurídica se desdobrou desde a chancela da última instância judicial. Na linha, inclusive, indicada pela ONU.

Em direito penal ninguém precisa "provar a inocência". A lógica sistêmica é inversa. Por isso, não é dado a ninguém acionar a Justiça criminal para demonstrar inocência. Falta-lhe interesse jurídico que o legitime a tanto.

Ora, a investigação sobre corrupção na Petrobras é regida pelo Direito. O processo criminal, regido pelo Direito. O conceito de inocência e culpa, portanto, regido pelo Direito (e não pela moral, religião, política ou opinião publicada). O campo de observação - aqui, estritamente jurídico! - não deve ser embaralhado, manipulado, ao bel prazer de algum detrator e da fluidez e oportunismo de um discurso de conveniência.

À luz do Direito, Lula é, sim, definitivamente inocente daquelas imputações.

Aliás, do ponto de vista do direito penal, o ex-presidente já é até mais do que apenas "presumidamente" inocente. É absoluta e definitivamente inocente.

Com o arquivamento definitivo, ele não pode mais sequer ser investigado pelos episódios da Petrobrás (ao contrário de mim, de você, de Merval e até do ex-juiz Moro). Todos nós, em tese, podemos ainda ser investigados e processados por eventuais malfeitos na Petrobrás naquele período. Lula, não. Em resumo: a inocência de Lula é mais absoluta do que a de qualquer outro (ressalvados apenas os investigados que, como ele, foram inocentados).

Merval, que hoje preside a ABL, não saber disso é compreensível: juridicamente ignorante (assim como em tantas outras áreas), escreve para atender aos interesses subjacentes e inerentes a seu colunismo político. Compreensível até mesmo o ex-juiz do caso fingir não saber disso: como já se assumiu em atividade político-partidária, segue sempre suspeito de ter instrumentalizado o Direito e a toga para suas ambições políticas e financeiras pessoais. Todavia, ambos, na qualidade de homens públicos, prestam um desserviço à informação, à cultura cidadã e às instituições democráticas.

Embaralhar institutos jurídicos com inferências ou aleivosias morais e políticas num campo regido pelo Direito, justamente em período eleitoral, é praticar grave desinformação. É fazer um jogo de palavras que joga com nossas garantias constitucionais, e as joga ao fosso relativizante do terraplanismo jurídico. Significa, enfim, estimular, em grande medida, o desrespeito às decisões judiciais e às instituições, que, paradoxalmente, dizem defender. Pior: tudo isso em nome de um fugaz oba-oba eleitoreiro.

Paulo Calmon Nogueira da Gama

VIP Paulo Calmon Nogueira da Gama

Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, Desembargador

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