Cabe proposta de honorários periciais extremamente excessiva para apenas uma das partes?
Quando se solicita uma prova pericial, o perito é quem deve propor seus honorários, mas será que não há perigo de super valoração, afinal o juiz não possui um parâmetro para comparação.
quarta-feira, 14 de setembro de 2022
Atualizado às 09:17
O Código de Processo Civil em seu capítulo XII dispõe sobre as provas, descrevendo alguns dos meios legais que as partes têm para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa, os quais servem de base para a convicção do juiz.
No mundo dos negócios, as contratações são facilmente demonstradas pela prova documental e em alguns casos pela prova testemunhal, porém tais modalidades não tem o condão de comprovar a veracidade de uma assinatura, por exemplo, assim, o meio de prova mais usado para isso é a perícia grafotécnica.
A perícia grafotécnica consiste em uma análise da grafia em assinaturas e outros tipos de escrita manual. Trata-se de uma maneira confiável de identificar autenticidade em documentos.
A pessoa responsável pela realização da perícia é o perito, o qual é um profissional qualificado que tem grande domínio sobre um assunto ou disciplina. Portanto, trata-se de um especialista onde seus conhecimentos lhe permitem avaliar uma situação com rigor e objetividade.
O perito é um auxiliar da justiça, portanto, seus honorários são pagos somente quando o serviço é realizado, porém o CPC não estipula os valores que devem ser pagos, nem quem será o responsável pelo pagamento. Descreve apenas que cabe ao perito propor um valor em cada caso:
(...)
§ 3º As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo, manifestar-se no prazo comum de 5 (cinco) dias, após o que o juiz arbitrará o valor, intimando-se as partes para os fins do art. 95 .
(...)
Por essa ausência de previsão, muitos juízes se utilizavam do artigo 95 do CPC para impor a responsabilidade do pagamento a parte que solicitou a prova:
(...)
"Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.
(...)
Contudo, o STJ fixou tese, em novembro de 2021, no julgamento do REsp 186.649-MA, determinando que nas hipóteses em que parte autora impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato juntado ao processo, cabe à instituição financeira/ré o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429, II), por intermédio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 369).
Assim, nesse caso em específico foi esclarecida a responsabilidade pelo pagamento, porém o valor dos honorários periciais ainda continua à mercê dos peritos, os quais muitas vezes propõe honorários extremamente excessivos.
Vale ressaltar que, conforme se verifica em algumas decisões, quando a perícia deve ser paga pela parte autora e esta é beneficiária da justiça gratuita, os honorários periciais são arbitrados pelo juízo em valores bem ínfimos, conforme Deliberação CSDP 92/08, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo:
"(...)Neste sentido, nomeio o Edison Cinelli como perito (art. 465 do NCPC).Tendo em vista, entretanto, que a parte autora, obrigada ao pagamento da perícia nos termos do disposto no art. 95, caput, do NCPC, é beneficiária da gratuidade da Justiça, consulte-se o Sr. Perito se aceita receber seus honorários de acordo com os valores e termos da Deliberação CSDP nº 92/2008, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Em caso positivo, oficie-se para a reserva de numerário(...) (TJSP-Processo 1062452-88.2021.8.26.0100- FLAVIA POYARES MIRANDA-Juíza de direito-Foro Central- São Paulo- 28ª VARA CÍVEL)
"Deliberação CSDP nº 92/2008, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo: (...)
Artigo 1º - O pagamento de perito indicado para atuar em processo judicial de natureza cível, de competência da Justiça Estadual, em que o ônus da prova pericial tenha sido atribuído à parte beneficiária da assistência judiciária gratuita, será feito com recursos do Fundo de Assistência Judiciária - FAJ, quando houver recursos orçamentários e financeiros disponíveis, até os limites previstos na seguinte tabela:
No entanto, quando os honorários devem ser pagos pela parte requerida, geralmente instituições bancárias, o perito, com frequência, arbitra valores extremamente altos:
(...)Vistos. Note-se que a estimativa de remuneração apresentada pela experta nomeada pelo Juízo para atuar na condução dos trabalhos periciais não se revela exagerada ou mesmo distante dos padrões impostos pela complexidade do caso concreto, ao contrário, havendo clara explicitação de motivos do valor exigido às páginas 543/563. Assim sendo não se pode confundir a mera insurgência por meio da qual a parte busca simplesmente pagar menos pelos honorários periciais (justos e devidos) com uma impugnação que seja propriamente técnica e devidamente fundamentada, não sendo esta, com o devido respeito, a situação dos questionamentos genéricos e parciais apresentados pelo banco requerido, efetivo responsável pelo custeio da prova, às páginas 566/567. Postas tais considerações neste ato ao rechaçar a impugnação apresentada pela parte, desde logo convalido a proposta de honorários apresentada pela experta oficial e arbitro seus honorários em montante de R$ 8.400,00. Reafirmada aqui a premissa de que os honorários periciais devem ser antecipados pelo requerido autorizo o parcelamento desta despesa processual em 04 parcelas de R$ 2.100,00, a primeira delas com depósito em maio e as demais nos meses subsequentes. Quando comprovados os dois primeiros depósitos deverá a perita ser intimada para fins de início dos trabalhos, cientificando-se oportunamente as partes a esse respeito. Intime-se. (TJSP -Processo 1073032-17.2020.8.26.0100- Alexandre Bucci-Juiz de Direito- FORO CENTRAL-SÃO PAULO-10ª Vara Cível"
Diante disto, chama atenção a desproporção entre os valores cobrados. Afinal como uma perícia grafotécnica pode custar R$8.4000,00 em um processo e em outro custar R$883,00?! Conforme decisões acima, ambas partiram do Foro Central da Comarca de São Paulo, de varas diferentes, porém ambas se tratam de perícias grafotécnicas a serem realizadas em contrato assinado por uma única pessoa. Assim, a única diferença entre elas é quem irá realizar o pagamento do perito, que no caso do valor exorbitante é a parte requerida, uma instituição financeira, e no outro caso é a parte autora, beneficiária da justiça gratuita.
Não cabe julgar o valor dos profissionais, nem seu trabalho, o que se deve questionar é a inexistência de uma tabela que fixe um valor mínimo e máximo para as propostas de honorários, para servir de parâmetro para o juiz, afinal existem outros fatores que influenciam no valor final dos honorários periciais, como deslocamentos, viagens, material, enfim, mas o trabalho em si de análise gráfica pode sim ser tabelado, e isso auxiliaria muito o juiz na hora de ratificar a proposta apresentada.
Um exemplo desse parâmetro foi proposto pelo TJRJ na sua súmula predominante n.362 que estipula um valor máximo para as perícias grafotécnicas, no entanto, tal parâmetro ainda assim continua genérico, porque não há um valor mínimo estipulado:
"SÚMULA DA JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Nº. 362 "Para perícias grafotécnicas, atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade os honorários fixados em quantia equivalente a até 4 (quatro) salários mínimos vigentes na data do arbitramento, ressalvadas as despesas com o custo da diligência." Referência: Processo Administrativo nº. 0013621-06.2016.8.19.0000 - Julgamento em 17/10/2016 - Relator: Desembargador Otávio Rodrigues. Votação por maioria."
Uma grande mudança para o judiciário em relação aos auxiliares da justiça seria a criação de uma tabela de honorários que valesse nacionalmente, assim como existe a tabela de honorário advocatícios, como uma forma de parâmetro, afinal, nada mais justo que as partes possam saber antecipadamente o valor aproximado que devem pagar caso necessitem de tal prova.
Vanessa Vasconcellos Morinigo
Advogada no escritório Parada Advogados.