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A guerra entre os medicamentos isentos de prescrição

As empresas titulares de medicamentos de referência devem, constantemente, tomar medidas preventivas e repressivas para coibir práticas desleais, para se municiar de ferramentas de combate no caso de o trade dress vinculado ao seu medicamento (ou até mesmo de apenas alguns dos elementos que o compõem) ser copiado ou imitado por terceiros, evitando, ainda, que tais elementos se diluam ou se tornem prática de mercado.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Atualizado em 22 de fevereiro de 2024 08:03

O Brasil é um dos países que apresenta o maior consumo de medicamentos isentos de prescrição (MIPs ou OTC1). De acordo com pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), foi constatado que, em 2019, 77% dos brasileiros tinham o hábito de se automedicar, sendo que 47% se automedicaram com frequência mensal, e 25% o fizeram com frequência semanal ou diária2.

Sem entrar no mérito dos riscos da automedicação, as prateleiras das farmácias encontram-se recheadas de opções para todos os gostos, desde vitaminas e suplementos até analgésicos e anti-inflamatórios.

Em um mercado competitivo envolvendo diversos players, uma das estratégias adotadas para atrair o consumidor é a adoção de uma embalagem com identidade visual (trade dress) que seja capaz de (i) chamar a atenção do usuário e fazê-lo identificar o produto pela sua qualidade e eficácia e (ii) diferenciar o produto dos demais produtos concorrentes. E é justamente aí que mora o problema. Quando um trade dress fica muito conhecido para um determinado medicamento, como é o caso de produtos de referência em sua aplicação terapêutica - por exemplo, Novalgina, Bepantol, Allegra - os demais competidores buscam uma aproximação visual que, muitas vezes, resulta em práticas ilícitas.

Com efeito, assim como em outros segmentos de mercado, o produto de referência pode se revestir de aparência única e distintiva, tornando-se um ímã de atração da clientela. É de se notar que muitos dos elementos que compõem a identidade visual de embalagens podem ser passíveis de proteção por diversas formas: (i) desenhos, layouts e artes gráficas podem configurar criações resguardadas no âmbito do direito autoral; (ii) a forma da embalagem pode ser dotada de volumetria distintiva; (iii) além dos elementos nominativos da marca propriamente dita, alguns dos elementos figurativos também podem ser protegidos como marca.

Além disso, mesmo que certos elementos que compõem o trade dress não sejam protegíveis de forma isolada, sua impressão de conjunto pode ser peculiar e desempenhar as funções de (i) identificação da origem do produto e (ii) diferenciação dos demais produtos concorrentes. No mercado farmacêutico, isso tem ainda mais importância, porque a identificação da origem do produto também pode acarretar imediata associação a atributos de eficácia do medicamento e de credibilidade do fabricante. Nesse caso, vale ressaltar que, mesmo que o concorrente desleal não reproduza de forma exata um ou alguns dos elementos que compõem a embalagem do produto de referência, a imitação da impressão de conjunto pode levar à confusão, o que configura meio fraudulento de desvio de clientela, que é uma prática ilícita e punível pelo regime jurídico de repressão à concorrência desleal e pelo princípio de vedação ao enriquecimento ilícito.

Por esse motivo, as empresas titulares de medicamentos de referência devem, constantemente, tomar medidas preventivas e repressivas para coibir práticas desleais, para se municiar de ferramentas de combate no caso de o trade dress vinculado ao seu medicamento (ou até mesmo de apenas alguns dos elementos que o compõem) ser copiado ou imitado por terceiros, evitando, ainda, que tais elementos se diluam ou se tornem prática de mercado.

Como medidas preventivas, as formas mais recomendadas são: (i) a proteção pela via autoral, por meio de registro em cartório ou em plataforma digital certificada; (ii) a proteção como marca, quando possível3; e (iii) constantes mapeamentos de mercado, com foco nos principais concorrentes, de forma a tomar ciência o mais rápido possível de qualquer tentativa de aproximação.

Caso seja constatada qualquer irregularidade, sugere-se uma avaliação jurídica para a verificação da infração e o estabelecimento da estratégia repressiva adequada. Dentre elas, vale destacar (i) o envio imediato de notificação extrajudicial, solicitando a alteração da embalagem infratora e o recolhimento dos produtos sob tal embalagem, e (ii) o ajuizamento de ação de infração, com pedido liminar de antecipação de tutela para estancar o ilícito.

Na máxima aplicação da expressão "o direito não socorre aos que dormem", recomenda-se uma atuação rápida e assertiva das empresas no combate às infrações dessa natureza, sob o risco de (i) perda da exclusividade sobre o trade dress de suas embalagens, ou de alguns dos elementos que o compõem, e a consequente (ii) diminuição do poder atrativo dos seus produtos.

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1 A sigla tem origem na expressão over the counter (sobre o balcão), como referência aos medicamentos que ficam ao alcance do consumidor.

2 http://www.crfsp.org.br/noticias/10535-pesquisa-aponta-que-77-dos-brasileiros-t%C3%AAm-o-h%C3%A1bito-de-se-automedicar.html

3 Embora nosso ordenamento jurídico não contemple o registro do trade dress como marca, é possível combinar elementos que podem ser protegidos como marca mista, figurativa ou até mesmo tridimensional.

Natália Maranhão

Natália Maranhão

Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2009. Pós-graduada em Propriedade Intelectual pela Fundação Getulio Vargas (FGV), São Paulo, 2013. Pós-graduada em Branding e Marketing pela Business School São Paulo (BSP), São Paulo, 2017. Sócia do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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