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A dissolução da sociedade equivale à extinção de sua personalidade jurídica?

Acredita-se que o melhor caminho é usar um mecanismo similar ao da sucessão da pessoa física, isto é, os sócios respondem dentro das forças do patrimônio que lhe foi transferido.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Atualizado às 08:21

A dissolução de uma sociedade equivale à extinção de sua personalidade jurídica? Essa é uma questão bastante interessante e de resposta não tão óbvia assim. De início, deixamos claro que, sim, a dissolução de uma sociedade, por qualquer motivo, equivale à extinção de sua personalidade jurídica. Porém, é importante precisar o momento em que isso ocorre.

A dissolução lato sensu é um processo de encerramento da sociedade que objetiva a extinção da pessoa jurídica, abrangendo três fases distintas: a dissolução stricto sensu, a liquidação e a extinção1.

Com efeito, a dissolução stricto sensu de sociedade é o ato que formaliza, em uma sociedade, o interesse dos sócios de dissolver a sociedade extinguindo-a. Sendo o caso de dissolução da sociedade, nos termos do art. 1.034 do CC, os administradores devem providenciar a investidura do liquidante que dará sequência ao procedimento de sua liquidação:

Art. 1.036. Ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente.

Ocorre que, nos termos do art. 51, caput e §3º, e do art. 1.109 do CC, a dissolução somente se encerra quando concluída a liquidação, subsistindo a sua personalidade jurídica até que isso aconteça:

Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que está se conclua.

[...]

§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.

[...]

Art. 1.109. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembleia.

Assim, nesse momento a sociedade ainda existe, ainda há uma pessoa jurídica, um centro autônomo de direito e obrigações2 independente da personalidade jurídica de seus sócios.

Sabe-se que, nos termos do art. 985 do CC, a personalidade jurídica da sociedade é adquirida com a inscrição de seus atos no registro próprio:

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos.

Por sua vez, como visto acima, o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica só ocorre com o fim da liquidação. Conclui-se, portanto, que a personalidade jurídica da sociedade só é extinta com o fim da liquidação e a aprovação das contas do liquidante, de onde também se conclui que a dissolução total da sociedade somente se encerra com o fim da liquidação.

Assim, a dissolução total de uma sociedade é um procedimento complexo que visa à extinção da personalidade jurídica que se inicia por meio de uma das hipóteses do art. 1.033 do CC e se encerra com o fim da liquidação, jamais antes dessa.

Não por outro motivo, uma das prerrogativas da assembleia geral de sócios é encerrar o procedimento de liquidação (art. 1071, IV, do CC3). Ora, só existe assembleia de sócios se ainda houver sociedade, de onde se conclui que se os sócios podem encerrar o estado de liquidação, significa que a personalidade jurídica dessa mesma sociedade somente é extinta ao final dessa liquidação.

Sendo assim, não há dúvidas que a eventual conclusão da dissolução total de sociedade, seja por qual motivo for, implica em imediata e automática extinção da sua respectiva personalidade jurídica. Porém, essa dissolução só estará concluída após o fim do procedimento de liquidação.

Uma vez extinta a sociedade, podem subsistir processos em curso. Nestes casos, resta saber se haverá a sucessão ou não pelos sócios no processo. Pela semelhança que existe com a morte da pessoa natural, entende-se que processualmente pode ocorrer o mesmo mecanismo previsto para as pessoas naturais, isto é, pode-se promover a habilitação dos sócios como sucessores, nas causas que envolvam direitos transmissíveis.

A propósito, assim decidiu o STJ: "Em sendo transmissível a obrigação cuja prestação se postula na demanda, a extinção da pessoa jurídica autora, mesmo mediante distrato, equipara-se à morte da pessoa natural prevista no art. 43 do CPC/73, decorrendo daí a sucessão dos seus sócios"4.

No caso de obrigações devidas pela sociedade extinta, resta saber se haverá a transmissão dessas obrigações. Mais uma vez, acredita-se que o melhor caminho é usar um mecanismo similar ao da sucessão da pessoa física, isto é, os sócios respondem, a princípio, dentro das forças do patrimônio que lhe foi transferido, ressalvada eventual responsabilidade pessoal já existente anteriormente.

Desse modo, os sócios respondem se receberam alguma na liquidação e nos limites dos valores recebidos. Milita nesse sentido o disposto no art. 1.110 do CC, que afirma que o credor não satisfeito só terá o "direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha". A propósito, o STJ afirmou que "em sociedades de responsabilidade limitada, após integralizado o capital social, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas titularizadas pela sociedade, de modo que o deferimento da sucessão dependerá intrinsecamente da demonstração de existência de patrimônio líquido"5.

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1 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 18.

2 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 85.

3 Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:

[...]

VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação [...].

4 STJ - REsp 1652592/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 5/6/18, DJe 12/6/18.

5 STJ - REsp 1784032/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 2/4/19, DJe 4/4/19.

Marlon Tomazette

Marlon Tomazette

Advogado no escritório Tomazette, Franca e Cobucci Advogados.

Henrique Haruki Arake

Henrique Haruki Arake

Mestre e doutor em Análise Econômica do Direito Aplicada ao Direito Processual Civil e especialista em direito societário, investigação e prevenção de fraudes corporativas, falimentar e recuperacional. Pesquisador e professor da graduação e da pós-graduação das disciplinas Direito Societário, Direito Falimentar, Direito dos Contratos e Análise Econômica do Direito (AED).

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