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Ação de abandono afetivo com enfoque na prescrição à luz da jurisprudência do TJ/DF

Lorena Marques Magalhães e Rodrigo Couto Oliveira

No TJ/DF, o entendimento prevalecente é de que se aplica o prazo prescricional em ações de indenização por abandono afetivo, sendo que o prazo inicial é a data da ciência inequívoca da filiação, que pode se dar por exame de DNA, sentença judicial ou meio diverso.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Atualizado às 08:16

A ação de indenização por abandono afetivo gera bastante discussão e controvérsia no meio jurídico, causando divergência de entendimento nos mais variados operadores do direito. Algumas são as causas do dissenso, como: se é cabível ou não a indenização por abandono afetivo: como comprovar juridicamente os prejuízos causados pelo não cuidado - patrimonial, intelectual, afetivo; se é caso de dano patrimonial ou contra a personalidade; em qual momento se inicia e se encerra o dano.

À despeito dessas - e tantas outras - discussões relativas ao tema, o presente artigo se reservará a analisar as questões envolvendo a prescrição, verificando e correlacionando as decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ/DF) sobre o assunto.

Inicialmente, deve-se explicitar, resumida e simploriamente, o que é abandono afetivo. Também chamado de abandono paterno-filial, segundo Eliane Bastos, pode ser configurado "quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou adolescente." (BASTOS)

Dessa forma, ocorrida a omissão nos termos mencionados acima, surge o direito de pleitear por indenização pelo dano moral sofrido. Em julgado do TJ/DF, afirmou-se:

"A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação natural (moral) e a transforma em obrigação civil"

O embasamento jurídico para a propositura da ação se encontra principalmente nos art. 227 e 229 da Constituição Federal. O art. 229 da Constituição Federal impõe, de forma cristalina, que os pais têm o dever de assistir criar e educar os filhos menores. Além disso, o art. 1.634 do Código Civil, que trata do poder familiar, também assevera que é dever dos pais ter os filhos em sua companhia e dirigir sua criação e educação.

Nesse sentido, é necessário que, no caso concreto, seja demonstrada e comprovada a existência do abandono e sua consequência danosa à pessoa. Quanto aos elementos requisitórios que são exigidos para a comprovação, é caso de amplo debate doutrinário e jurisprudencial. Em outro julgado do TJ/DF, foi citado: (1)

"As circunstâncias do caso concreto devem indicar, de maneira inequívoca, a quebra do dever jurídico de convivência familiar e, como consequência inafastável, a prova de reais prejuízos à formação do indivíduo"

"Deixou de descrever nos autos o dano efetivamente suportado em razão de tal omissão, tais como o abalo psicológico com séria repercussão em seu amadurecimento, o prejuízo para a sua formação para a vida adulta, a escassez de bens materiais básicos ao seu desenvolvimento sadio ou mesmo o agravamento de sua vulnerabilidade diante da omissão."

Dito isso, no que tange especificamente à prescrição nos casos de ação de indenização por abandono afetivo, são inúmeras as controvérsias. A primeira delas é acerca da aplicabilidade ou não da prescrição nesses casos. O célere doutrinador Flávio Tartuce compartilha da ideia de que a demanda por abandono afetivo é imprescritível, como se vê: (R.C p. 1.121)

"[...] entendo que, em casos de abandono afetivo, não há que se reconhecer qualquer prazo para a pretensão, sendo a correspondente demanda imprescritível. Primeiro, pelo fato de a demanda envolver Direito de Família e estado de pessoas, qual seja a situação de filho. Segundo, por ter como conteúdo o direito da personalidade e fundamental à filiação. Terceiro, porque, no abandono afetivo, os danos são continuados não sendo possível identificar concretamente qualquer termo a quo para o início do prazo."

Contudo, o entendimento majoritário por parte da doutrina é pela aplicação da prescrição, o que também é acompanhado pelo TJDFT. Em recente julgado, o desembargador Teófilo Caetano abordou o tema, argumentando que, embora a causa de pedir remota viole os direitos da personalidade - que são imprescritíveis -, a causa de pedir próxima busca reparação patrimonial, razão pela qual entende tratar-se de ação prescritível, como se vê:

"[...] conquanto a causa de pedir remota que estampa e qualifica o pedido condenatório formulado esteja amparada na violação à esfera personalíssima, aos direitos da personalidade do apelante, o que se busca, no presente momento, e a título de causa de pedir próxima - fundamentos jurídicos - é a reparação patrimonial pela violação havida, e não a própria garantida do direito violado (ressarcimento pecuniário). Disso decorre, inexoravelmente, que a pretensão formulada ostenta caráter estrita e inarredavelmente patrimonial, e, enquanto tal, está sujeita aos influxos prescricionais, decaindo sua exigibilidade pelo transcurso temporal. Assim, não se cuidando de direito cuja exigibilidade jurisdicional possa ser exercida a qualquer tempo, inviável que a rejeição da questão prejudicial se dê sob a óptica da imprescritibilidade"

A segunda controvérsia é sobre qual seria o início da contagem do prazo prescricional. De plano, deve-se esclarecer que, por força do art. 197 do Código Civil, não corre prescrição entre ascendentes e descendentes enquanto vigora o poder de família. Nesse sentido, o TJDFT decidiu: (5)

"[...]o fluxo do prazo prescricional encontrará óbice durante a subsistência do poder familiar, circunstância em que o prazo não transcorrerá até que cesse a relação paternal, consoante enuncia expressamente no artigo 197, inc. II, do Código Civil vigente"

Nesta senda, o TJ/DF tende a adotar o entendimento de que o prazo inicial da prescrição é a data do conhecimento inequívoco do filho quanto à filiação, e se o conhecimento se deu antes de completar a maioridade, o prazo só começará a fluir quando completá-la, por força do art. 197 do CC, como se vê:

"Se ao tempo em que alcança a maioridade o demandante
tem ciência da paternidade, a partir daí tem início o prazo [...]" (3)

"Sendo a paternidade biológica de conhecimento do filho desde a sua infância, forçoso reconhecer que o prazo prescricional [...] começou a fluir da maioridade civil do autor." (2)

Em casos em que o reconhecimento formal de paternidade é tardio, deve-se atentar ao caso concreto. Em julgado do TJDFT, no qual a apelante pleiteava a indenização por abandono afetivo após investigação de paternidade que culminou no reconhecimento, foi decidido:

"[...] depreende-se que a paternidade biológica era de conhecimento do filho, ora apelante, apesar da genitora nunca ter obtido êxito em encontrar o genitor [...] a ação investigatória apenas retificou os registros do suplicante, confirmando a situação sobre a qual já existia conhecimento no mundo fático [...] Nesse contexto, de que a paternidade biológica era de conhecimento desde sempre do apelante, forçoso reconhecer que o prazo prescricional trienal da pretensão indenizatória começou a fluir quando o autor atingiu a maioridade civil. [...] Logo, não se cogita que o termo inicial da prescrição é a data do reconhecimento da paternidade, pois a prescrição da pretensão reparatória por abandono afetivo, no caso, começou a correr com a
maioridade do autor, uma vez incontroversa a ciência inequívoca do vínculo de filiação entre as partes desde a infância do autor. (2)

Em caso análogo, a decisão foi outra. Nesse, mesmo o genitor arguindo que a data de ciência inequívoca dos fatos se deu em data anterior ao exame de DNA realizado, foi decidido que o início do prazo prescricional seria o exame, como se vê:

"Aduz que se necessário considerar a ciência inequívoca da paternidade, a contagem começa em 2014, quando a genitora do autor teria lhe contado ser filho do recorrente [...] Na espécie, o início do prazo prescricional começou a correr após ciência inequívoca da paternidade do autor, a qual ocorreu somente com o resultado do exame de DNA." (4)

Em outro caso análogo, houve uma decisão fora dos padrões do Tribunal, a qual considerou como data do início do prazo prescricional a ciência inequívoca de filiação pelo genitor, e não pelo filho, como as demonstradas anteriormente. Veja-se:

"Asseverara o julgador (a quo), nesse sentido, que, diante de casos em que ocorre posterior reconhecimento da paternidade, "por aplicação da teoria da actio nata subjetiva", o termo inicial do referido prazo deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão que a reconhecera, pois seria "momento em que não [haveria]mais dúvida quanto ao vínculo dos envolvidos" [...]o termo inicial do prazo prescricional, segundo a teoria da actio nata incorporada pelo legislador civil (art. 189), é a data em que a paternidade resta consolidada mediante reconhecimento, pelo genitor, ou declaração judicial [...] o interessado estará sujeito aos corolários de eventual acolhimento da exceção substancial de prescrição, cujo termo inicial, para as hipóteses como a presente, será o momento em que o genitor biológico toma efetivo e inquestionável conhecimento acerca da relação parental."

Denota-se, portanto, que, nos casos de indenização por abandono afetivo, a análise do caso concreto é extremamente importante para a definição de qual será o momento do início da contagem do prazo prescricional, sendo que, mesmo em casos de reconhecimento de paternidade tardio, mediante exame de DNA, o Tribunal costuma adotar a data do conhecimento inequívoco do estado de filiação. Esse detalhe pode ser o ponto crucial de todo o processo, garantindo a possibilidade do êxito ou o indeferimento dos pedidos.

Por fim, deve-se esclarecer qual prazo prescricional será adotado. Há de se ressaltar, primeiramente, quanto à possibilidade de uso do Código Civil de 1916. Desta forma, se os fatos ocorreram na vigência do Código Civil anterior, deve ser aplicado o prazo geral de vinte anos, conforme art. 177 do Código revogado. Contudo, deve se observar o art. 2028 do Código de Processo Civil, que dispõe:

"Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."

Nos casos de abandono afetivo, salvo a exceção mencionada, o TJDFT adota o prazo geral de três anos previsto no art. 206, 3º, V, para indenizações por reparação civil, como se vê:

"[...] deve ser aplicada, quanto à hipótese de incidência dos efeitos da prescrição, a regra enunciada pelo artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, que enuncia o prazo de 3 (três) anos para exercício de pretensão de reparação civil." (5)

"[...]Vale dizer, em três anos prescreve qualquer ação de reparação de danos resultante de ato ilícito. Trienal, portanto, a prescrição da pretensão indenizatória da Apelante." (3)

"Inicialmente importa destacar que a pretensão de indenização por abandono afetivo prescreve em três anos, conforme o prazo estabelecido no art. 206, § 3º, V, do Código Civil." (4)

Sendo assim, diante das controvérsias apresentadas, pode-se afirmar que, no TJ/DF, o entendimento prevalecente é de que se aplica o prazo prescricional em ações de indenização por abandono afetivo, sendo que o prazo inicial é a data da ciência inequívoca da filiação, que pode se dar por exame de DNA, sentença judicial ou meio diverso. Além disso, aplica-se o prazo prescricional trienal, constante no art. 206, 3º, V, do Código Civil, ou, em casos excepcionais, o prazo de vinte anos, que era a regra geral no Código anterior.

Lorena Marques Magalhães

Lorena Marques Magalhães

Advogada na Barreto Dolabella advogados, mestranda em propriedade intelectual e transferência de tecnologia na UNB

Rodrigo Couto Oliveira

Rodrigo Couto Oliveira

Advogado. Pós graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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