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Crime e estatística

Análises estatísticas sobre dados e estudos técnicos apontam que a negociação de imóveis em espécie é método dos mais manjados para escamotear recursos ilícitos.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Atualizado às 13:49

A estatística é um ramo da matemática de enorme importância instrumental para planejamento e controle de quase tudo na vida real. É ferramenta indispensável a qualquer área da ciência: humanas, sociais, políticas, médicas...

Não é diferente no campo da criminologia. 

Uma vez assentada em dados confiáveis, devidamente analisados e tratados, a ferramenta estatística pode significar o direcionamento de recursos públicos, formatar comportamentos privados (minoração de riscos), enfim, lastrear toda política de controle da criminalidade. Também se presta a dar suporte à produção legislativa, à ação policial preventiva e ostensiva, à projeção de políticas sociais, e, ainda, a orientar a jurisdição criminal.

A legislação que busca coibir lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores serve bem como ilustração (atualmente disciplinadas na lei 9.613/98). No esforço de aperfeiçoar a legislação, o Senador Alessandro Vieira, ex-delegado de polícia, é autor do projeto de lei que proíbe transações de imóveis em "dinheiro vivo". Em entrevista ao Radar Econômico (Revista Veja), disse ele que "todos os estudos e análises técnicas apontam que a compra de imóveis em dinheiro é um dos métodos mais antigos para esconder recursos". Trata-se de estudos e análises que recorrem, claro, aos préstimos da estatística.

Ou seja, o foco do legislador vem se definindo com base na observação de dados empíricos, colhidos em persecuções penais, cuja conclusão emerge óbvia a partir de "modus operandi" mais do que manjado: transação imobiliária realizada em dinheiro vivo frequentemente é feita para esconder recursos, "esquentar" dinheiro, lavar capitais. De quebra, envolve isolada ou cumulativamente algum ilícito tributário.

Na esteira de tais estudos, pode-se pressupor - numa estimativa muito conservadora - que, na atual quadra, no mínimo metade das operações imobiliárias de monta (abstraindo-se imóveis de valor muito baixo) realizadas envolvendo "dinheiro vivo", moeda corrente, estaria a encobrir algum tipo de ilícito penal, quando menos, de natureza tributária.

Imagine agora que determinado clã, ao longo de alguns anos, celebre 51 negócios imobiliários envolvendo pagamento em espécie, "dinheiro vivo". Tomando a perspectiva (conservadora) de 50% de probabilidade de encobrir ilícito, a estatística, neste caso, reclama uma operação exponencial. Zero vírgula cinco elevado à quinquagésima-primeira potência. Chega-se à ordem da dezena de quatrilhão. Ou seja: se cada clã existente em 1 milhão de planetas exatamente iguais a Terra (com 8 bilhões de habitantes) se envolver em negócios assim, apenas 1, um só!, em meio aos outros quatrilhões de humanoides vivos (inclusive os de pele verde), não estaria praticando ilícito penal.

Pois é. Para sinalizar inocência, tem gente precisando expandir as galáxias...

Paulo Calmon Nogueira da Gama

VIP Paulo Calmon Nogueira da Gama

Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, Desembargador

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