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As marcas coletivas e as indicações geográficas

Embora as marcas coletivas e as indicações geográficas sejam pouco abordadas no Brasil, elas são extremamente relevantes, especialmente para os consumidores que pretendem conhecer e compreender a origem dos produtos e serviços.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Atualizado às 08:29

As propriedades industriais são invenções que devem conter aplicação industrial e possuem como base primordial a novidade. Desse modo, dentre as propriedades industriais, temos duas ramificações específicas, que visam atestar a origem de determinado produto ou serviços, são elas as indicações geográficas e as marcas coletivas.

As marcas estão presentes em todos os produtos e serviços que consumimos, isso porque elas são a vitrine que ligam o consumidor às características pertencentes ao que está sendo consumido. Assim, as marcas coletivas, embora pouco abordadas, possuem um importante papel para os consumidores, pois visam demonstrar a origem de um produto ou de um serviço provindos de membros de uma determinada entidade.

No mesmo sentido,  no Brasil existem dois tipos de Indicação Geográfica, IGs. A primeira é a indicação de procedência, ao passo que a segunda é a indicação por denominação de origem, ambas previstas na lei 9279/96.

As indicações de procedência visam identificar determinado local que tenha se tornado famoso pela extração, produção ou fabricação de determinado produto ou serviço. No mesmo aspecto, as denominações de origem, podem ser identificadas quando uma determinada região produz produtos ou oferta serviços que possuem características  vinculadas à fauna, à flora, ao clima e aos fatores humanos e sociais pertinentes aquele local.

Partindo dessa premissa, as marcas coletivas e as indicações geográficas colaboram com o Código do Direito do Consumidor (CDC), o qual constitui como direito básico a informação clara sobre o produto ou serviço oferecido.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

As propriedades intelectuais citadas são dispositivos importantes para garantir aos consumidores a origem e, consequentemente, a qualidade de determinados produtos ou serviços. Entretanto, cada uma possui características próprias que tornam seu registro e proteção diferente.

Para realizar o depósito de pedido de registro de uma marca coletiva, é necessário demonstrar, por meio de regulamento de utilização, alguns quesitos básicos para assegurar que a marca coletiva será devidamente protegida. Dentre os requisitos, estão: a necessidade de expor qual a entidade requerente; quais são as condições para eventual desistência do registro; quem será autorizado a utilizar a marca de forma livre; como a marca poderá ser utilizada; e quais serão as sanções aplicáveis caso marca seja utilizada de forma indevida.

Por outro lado, para o registro de indicação geográfica é necessário demonstrar, no caso de denominação de origem, quais são os elementos do meio geográfico, relacionados ao meio ambiente, que influenciam na qualidade ou características do produto ou serviço. No caso das indicações de procedência, será necessário descrever o processo de extração, produção, fabricação ou prestação de serviço que tornou o nome geográfico conhecido, além de outros documentos.

Observe que, embora possam apresentar objetivos semelhantes, a principal diferença entre as marcas coletivas e as indicações geográficas será o fato de que as marcas coletivas versam sobre a origem empresarial, enquanto, de outro modo, a indicação geográfica diz respeito a origem geográfica dos produtos ou serviços.

Assim, as indicações geográficas são importantes para atestar a qualidade e a fama de determinados produtos ou serviços que são ligados ao local onde são explorados, aumentando a sua reputação frente ao consumidor. Já as marcas coletivas visam identificar produtos ou serviços provindos de determinada associação, e características provenientes delas.

Atualmente, o Brasil possui 91 indicações geográficas registradas, sendo que mais da metade envolvem produtos e serviços do agronegócio. São diversos produtos, como cachaça, vinhos, café, farinhas, goiabas, queijo, guaraná, cacau, uva, protegidos pelas indicações geográficas.

No mesmo sentido, segundo a Confederação Nacional da Indústria - CNI, em 2019 o Brasil já contava com cerca de 357 marcas coletivas, compostas por vinhos, cervejas, utensilio, serviços médicos entre outros.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), é responsável por fomentar o registro das propriedades industriais no âmbito dos pequenos agricultores. Segundo o MAPA, o benefício se dá através da possibilidade de os produtores de determinado local passarem a ser parceiros, e, com isso, os produtos e serviços passam a apresentar maior transparência quanto a sua qualidade.

O MAPA incentiva o uso e registro das marcas coletivas, com o intuito de alavancar o desenvolvimento rural, e utiliza o mesmo argumento para garantir maior visibilidade de produtos, em especial no exterior, por meio das indicações geográficas. Segundo o CNA, a agropecuária representa cerca de 4,9% de tudo que é produzido pela economia do país, fator que tende a crescer anualmente

As marcas coletivas podem ser utilizadas por todos os membros pertencentes à entidade detentora de registro, não sendo necessária a autorização. Entretanto, conforme o estabelecido pelo MAPA, essa marca não poderá ser cedida, pois pertencerá a uma entidade.

Essa particularidade faz com que o seu pedido de registro exija um Regulamento de Utilização. Nesse documento, a entidade que pretende ter a titularidade da marca coletiva apresenta as condições e proibições para o uso dessa marca por parte de seus associados, sejam eles, pessoas ou outras entidades. Contudo, uma vez registrada a marca coletiva, seu titular não poderá ceder o seu uso, a qualquer custo, à pessoa ou entidade que não integre formalmente à sua organização. Portanto, apenas os membros de entidade titular da marca que seguirem o Regulamento de Utilização estabelecido poderão fazer uso dela

Por outro lado, as indicações geográficas poderão ser utilizadas por todo prestador de serviço ou produtor situado na área geográfica que seja detentora da proteção. Todavia, é necessário estar sujeito ao controle e cumprir com as disposições presentes no caderno de especificações técnicas, item essencial para o registro.

No caderno de especificações técnicas das IGs, conterá, além de outros requisitos, a descrição do produto ou serviço objeto da indicação geográfica, a delimitação da área geográfica, a descrição do processo de extração, a produção e a fabricação. Assim, conforme o INPI, o caderno de especificações técnicas é essencial para preservar a própria indicação geográfica:

Cabe destacar que um Caderno de Especificações Técnicas bem estruturado e que retrata as melhores práticas da cadeia produtiva ajuda a preservar as tradições da coletividade e a fortalecer a própria Indicação Geográfica.

As marcas coletivas e as IGs expressam valores, ou seja, por meio delas é possível garantir maior confiabilidade, pois se trata de um produto ou serviço construído por meio das especificidades existentes em cada associação, que possuem regulamento claro sobre a utilização.

Um bom exemplo é a marca coletiva da Associação Nacional de produtores de vinho de Inverno - ANPROVIN. Segundo a associação, a marca coletiva a qual são proprietários "tem o propósito de exaltar as características de produção e elaboração, e evidenciar as qualidades dos vinhos produzidos a partir desta técnica de dupla poda. A excelência dos Vinhos de Inverno tem sido reconhecida nacional e internacionalmente, com prêmios, selos de notoriedade e ampla divulgação na mídia tradicional e especializada."

Para exemplificar as indicações geográficas, temos a indicação geográfica de Procedência no ramo de produção de joias em prata, com uma característica especial ante a sua produção sustentável realizada no município de Goiás.

Assim, ambas as propriedades intelectuais aqui exploradas se apresentam como uma forma para expansão comercial para os que dela participam. Conforme explicita, Kelly Lissandra "Signos distintivos com característica de uso coletivo podem ser uma alternativa para produtores que, por meio de esforços e marcas individuais, dificilmente chegariam ao mercado devido aos altos custos de divulgação.

Por fim, embora as marcas coletivas e as indicações geográficas sejam pouco abordadas no Brasil, elas são extremamente relevantes, especialmente para os consumidores que pretendem conhecer e compreender a origem dos produtos e serviços. Além disso, contribuem socialmente para o desenvolvimento de pequenos agricultores ou comerciantes que passam a deter maior notoriedade por meio da marca coletiva e das indicações geográficas.

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BRUCH, Kelly Lissandra; VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; BARBOSA, PMS. O direito fundamental à proteção dos signos distintivos: uma análise comparativa entre marcas coletivas e indicações geográficas no ordenamento jurídico brasileiro. Balcão do consumidor: constitucionalismo, novas tecnologias e sustentabilidade. Passo Fundo: Editora da UPF, p. 229-254, 2015.

INPI. Manual de Marcas: 05 Exame substantivo: 5.14 Análise de pedidos de marca coletiva. INPI, 2022. Disponível em: http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/5%C2%B714_An%C3%A1lise_de_pedidos_de_marca_coletiva#514-An%C3%A1lise-de-pedidos-de-marca-coletiva.Acesso em: 01 de ago. de 2022

CNI, SESI, SENAI, IEL. Marcas coletivas valorizam produtos, serviços e estimulam a competitividade. 2019. Disponível em:https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/politica-industrial/marcas-coletivas-valorizam-produtos-servicos-e-estimulam-a-competitividade/#:~:text=Segundo%20o%20Instituto%20Nacional%20da%20Propriedade%20Industrial%20(INPI)%2C%20respons%C3%A1vel,287%20nacionais%20e%2070%20estrangeiras.  Acesso em: 01 de ago. de 2022

INPI. Cadernos de Especificações Técnicas das Indicações Geográficas reconhecidas pelo INPI. 2022. Disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/indicacoes-geograficas/cadernos-de-especificacoes-tecnicas-das-indicacoes-geograficas#:~:text=Cadernos%20de%20Especifica%C3%A7%C3%B5es%20T%C3%A9cnicas%20das%20Indica%C3%A7%C3%B5es%20Geogr%C3%A1ficas%20reconhecidas%20pelo%20INPI,-Compartilhe%3A&text=O%20Caderno%20de%20Especifica%C3%A7%C3%B5es%20T%C3%A9cnicas,de%20Indica%C3%A7%C3%A3o%20Geogr%C3%A1fica%20no%20INPI. Acesso em: 01 de ago. de 2022

CORREIO BRAZILIENSE. Pirenópolis (GO) é reconhecida oficialmente capital da prata. 2019. Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/07/11/interna_cidadesdf,770125/pirenopolis-e-reconhecida-oficialmente-como-capital-da-prata.shtml#:~:text=O%20munic%C3%ADpio%20recebeu%20a%20concess%C3%A3o,de%20joias%20em%20prata%20sustent%C3%A1vel Acesso em: 01 de ago. de 2022

BRASIL. LEI Nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.  Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em 01 de ago. de 2022

Lorena Marques Magalhães

Lorena Marques Magalhães

Advogada na Barreto Dolabella advogados, mestranda em propriedade intelectual e transferência de tecnologia na UNB

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