O consumidor e o boicote
John Hicks, prêmio Nobel de Economia, diz que "quem garante todos os empregos não é o empresário, sindicalista ou os gavernantes. São os consumidores."
quarta-feira, 28 de março de 2007
Atualizado em 27 de março de 2007 09:35
O consumidor e o boicote
Antonio Pessoa Cardoso*
John Hicks, prêmio Nobel de Economia, disse que "quem garante todos os empregos não é o empresário, sindicalista ou os governantes. São os consumidores".
O consumo faz parte da vida de todo cidadão, desde o nascimento e isto ocorre em todo o planeta; a prática é inerente ao fornecedor, produtor ou ao prestador de serviços. Consumimos quando compramos a casa ou apartamento, quando adquirimos os móveis ou os eletrodomésticos; a compra do alimento, do medicamento, da roupa, da revista ou do carro são atos de consumo, como a contratação do serviço telefônico, bancário, de educação ou do plano de saúde.
Consumidor nada tem a ver com a classe social ou com a faixa de renda; todo o povo faz parte do mercado consumerista e, portanto, poderosa a força que dispõe para não ser desrespeitado em seus direitos. O trabalhador, o estudante usa a greve como meio de reivindicações; o lobby é utilizado por vários segmentos da sociedade para fazer pressão política junto aos governantes.
O boicote a certos produtos é a arma poderosa e disponível para o consumidor ser respeitado junto aos empresários; a utilização deste importante recurso implica no atendimento ou penalização consistente esta nos danos materiais às finanças ou nos prejuízos morais à imagem da empresa. A internet ajuda na estratégia, pois facilita a convocação, as informações e a mobilização, alcançando ao mesmo tempo um número infinito de cidadãos aborrecidos com o tratamento dispensado pelo fornecedor ou prestador de serviços. Ainda falta aos consumidores consciência coletiva na reivindicação dos seus direitos, mas anotam-se movimentos bem organizados neste sentido.
O boicote originou-se em 1891, quando donas de casa americanas criaram uma "lista branca" para direcionar o consumo somente para empresas que respeitassem os direitos trabalhistas; Mohandas Karamchand Ghandhi, em 1930, liderou a "marcha do sal", boicote que importou na extração do sal do mar, sem pagamento de altos impostos incidentes sobre o produto industrializado; organizou movimento contra o sistema econômico inglês, deixando de comprar produtos têxteis.
Na década de 50, os negros americanos do Sul só podiam viajar nos bancos traseiros dos ônibus. A expulsão de uma mulher negra, que se aventurou a ocupar um lugar na frente desencadeou movimento de boicote aos ônibus, liderado por Martin Luther King. Um ano depois, a campanha saiu vitoriosa com a edição de lei que proibiu a discriminação racial no sistema de transporte.
No Brasil, em 1979, as donas de casa promoveram boicote ao consumo da carne, face aos preços abusivos. O movimento foi vitorioso com a redução de 20% nos preços.
Em 2002, iniciou-se boicote aos discos com proteção anti-cópia, tecnologia usada para impedir a reprodução. A luta obteve êxito, porque a empresa que tomou a iniciativa desistiu do intento, que causaria restrição ao direito do consumidor.
A cobrança de altos juros, em 2003, serviu de motivo para que o vice-presidente da República, José de Alencar, propusesse boicote às instituições financeiras, consistente em não tomar empréstimos.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, IDEC, iniciou, em 2004, boicote contra as companhias telefônicas face aos reajustes exagerados de seus serviços, inclusive da assinatura básica de telefonia. A ação recebeu a denominação de "caladão" e consiste em deixar o telefone fora do gancho todo dia 8 de julho, entre 12.00 e 13.00 horas.
Os médicos deflagraram boicote aos planos de saúde, face ao congelamento de reajuste dos preços pelas empresas, mais de dez anos sem aumento, apesar de reajustes para os consumidores em 248%, nos últimos sete anos, diante de índice do custo de vida no mesmo período de 72,6%, segundo o DIEESE.
Sob iniciativa do PROCON e do Ministério Público fez-se boicote contra os preços iguais em todos os postos de combustíveis da cidade de Campinas
Em Goiás, as donas de casa fizeram boicote para redução do preço do pãozinho, desde que se começou a vendê-lo por quilo e não por unidade.
O boicote é movimento pacifista, legítimo exercício de cidadania, capaz de frear a ganância intolerável de muitos empresários. O IDEC, o PROCON e o Ministério Público estão ativos nesta luta, mas o espaço está aberto para formadores de opinião, associações, sindicatos, pois o consumidor não pode continuar tendo como única opção o Judiciário, que atrasa para dirimir o conflito.
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* Desembargador do TJ/BA
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